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Três colheitas ao ano alimentam 'boom' do ópio no Afeganistão

31/10/2016 17h10

Lashkar Gah, Afeganistão, 31 Out 2016 (AFP) - Apoiado em uma árvore, Nematulá brinca com um punhado de sementes de cor marfim que guarda no bolso. Este camponês explica como sua renda melhorou com três colheitas anuais de ópio, uma droga cuja produção agrava o conflito afegão.

Antes, uma única colheita na primavera bastava para fazer do Afeganistão um dos principais produtores mundiais de ópio, um país com ares de 'narcoestado' e uma insurgência islamita que se financia em parte com as drogas.

Agora, os camponeses de Helmand, uma província do sul do país sob controle talibã, conseguem duas colheitas suplementares, no verão e no outono, graças, segundo especialistas, ao clima, à melhora de práticas de cultivo e a sementes geneticamente modificadas (OGM).

"Sempre estamos em guerra em Helmand, não há trabalho a não ser que você se alie aos talibãs. O ópio é uma bênção, é o que nos permite viver o ano todo", confidencia Nematulá, um jovem agricultor da instável região de Kajaki, no norte da província.

Nematulá conseguiu atravessar a sua aldeia, um celeiro de talibãs, para dar esta entrevista à AFP na capital da província, Lashkar Gah, levando consigo algumas sementes minúsculas.

Vendido pelos comerciantes locais, este tipo de grão reduz o ciclo de crescimento da planta a 70 dias contra os cinco ou seis meses habituais, com uma qualidade similar, asseguraram à AFP vários produtores.

Apadrinhamento talibã"Algumas regiões de Helmand podem produzir duas colheitas ao ano graças a um clima favorável, mas três, isto é certamente resultado de sementes OGM", avaliou Jelena Bjelica, pesquisadora da Rede de Analistas do Afeganistão.

"Estes grãos devem proceder da China, onde a produção de ópio para a indústria farmacêutica é legalizada", afirmou à AFP. Mas ele admitiu desconhecer quem organiza sua distribuição no Afeganistão.

Os campos de papoulas rosas e brancas que ajudam a financiar a insurgência ameaçam, inclusive, a existência do Estado afegão.

Os talibãs, que tinham proibido o cultivo de ópio sob seu regime, se assemelham cada vez mais a um quartel da droga, segundo várias fontes afegãs e ocidentais. Elas estimam que obtêm até 1,2 bilhão de dólares ao ano apenas em "impostos" aos produtores.

E estas novas colheitas, que por sua vez evidenciam o fracasso da luta antidrogas abandeirada pelos Estados Unidos, alimentam as arcas dos insurgentes.

Com este dinheiro adicional, os talibãs aumentam sua capacidade de recrutar combatentes em uma população sem emprego e de corromper as forças afegãs.

"Quando os soldados destacados nas blitzes cobram cerca de 10.000 rúpias (87 euros), o inimigo pode aumentar até 50.000 para convencê-los a deixar seu posto", admite à AFP um encarregado dos serviços de segurança de Helmand.

O ópio continua sendo a principal fonte de renda para muitos camponeses afegãos que parecem privilegiar as regiões sob controle talibã para se beneficiar de sua proteção, levando a ONU a qualificar os insurgentes de "padrinhos" da droga.

Uma mina de ouroDavid Mansfield, autor de uma pesquisa sobre o ópio no Afeganistão, assegura que os camponeses agora dispõem de "tecnologias mais abordáveis", como as bombas que funcionam com energia solar para irrigação, uma prática indispensável para a segunda e a terceira colheitas.

Mesmo assim, com o calor, "os rendimentos são menores", afirma Mansfield, estimando que a colheita de verão se estende por uma superfície inferior aos 10.000 hectares.

Os camponeses consultados pela AFP confiam em melhorar as cifras, baseando-se, além do mais, em que a campanha de erradicação está em ponto morto.

Até mesmo nas zonas controladas pelo governo no sul, as plantas de ópio crescem e são colhidas sem problemas, evitando que os camponeses fiquem tentados a passar para o bando talibã.

A euforia tomou conta do distrito de Shah Wali Kot, em Kandahar (sudeste), quando um camponês que tinha plantado cebolas após a primeira colheita, se deu conta de que as sementes de ópio que tinham ficado na terra começaram a germinar graças à irrigação.

A notícia "causou sensação", lembra Mohamad Qasim, um camponês de Marjah, no coração de Helmand. "As pessoas falavam disso como se tivessem encontrado uma mina de ouro!"

Rapidamente, os camponeses tentaram conseguir uma segunda colheita em Marjah, mas ali faz muito calor no verão. Por isso, muitos como Qasim arrendaram terras em outros lugares para estender a temporada de cultivo.

Os agricultores inclusive deixaram de cultivar outros produtos. "O ópio traz dinheiro", insistiu Qasim. "Para que perder tempo com o trigo?", afirmou.