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Amargo balanço das Farc depois de um ano de paz na Colômbia

23/11/2017 15h54

Bogotá, 23 Nov 2017 (AFP) - Teatro Colón, 24 de novembro de 2016. Pastor Alape, com meio sorriso, aplaude a assinatura que pôs fim a 53 anos de luta guerrilheira na Colômbia. Um ano depois, o ex-negociador das Farc não esconde sua contrariedade. A paz não avança como esperavam.

"O governo e o Estado não cumpriram (o acordo com) o país. As Farc deram tudo e muito mais do que foi pedido", afirma Alape, dirigente e negociador do acordo que transformou a poderosa guerrilha comunista no partido Força Alternativa Revolucionária do Comum (Farc).

Tão questionado quanto defendido, o acordo completa um ano e os rebeldes já entregaram as armas e pediram perdão. Mas o Congresso, com uma instável maioria oficialista, ainda não regulamenta a jurisdição especial que julgará os crimes mais atrozes do violento conflito.

Esse sistema prevê que os responsáveis - militares ou guerrilheiros - que confessarem seus crimes, repararem as vítimas e se comprometerem a nunca mais exercer a violência, receberão penas alternativas à prisão.

Tampouco mobilizaram as reformas rurais e políticas contidas no acordo que sobreviveu ao rechaço no plebiscito. Enquanto isso, a Farc prepara sua estreia eleitoral em 2018 com as pesquisas mostrando uma reação desfavorável do povo - 79% dos perguntados não têm uma imagem boa da formação, segundo o Gallup -, além do desânimo de milhares de ex-combatentes em zonas rurais.

Em um hotel de Bogotá, Alape, de 58 anos, compartilha o seu balanço. Mesmo com o risco de crise, é incisivo: a guerra terminou e, ao contrário do que se pode pensar, não planejam um projeto socialista para a Colômbia.

Veja a seguir trechos da entrevista exclusiva com a AFP:

- Vocês cumpriram com o acordo?

- "Cumprimos rigorosamente. O governo não cumpriu nesse sentido e não cumpriu, para ser benevolente, porque não há uma unificação no conjunto, não há uma visão clara. Isso quer dizer que não tem uma estratégia de paz para a implementação. Tinha uma estratégia de negociar a desmobilização da organização, a deposição das armas".

- Aceitaram deixar as armas antes. Se equivocaram?

- "A Farc tem hoje uma vantagem ética, e é ruim dizer isso, frente ao Estado, frente à dirigência deste país que a cada dia mostra a sua incapacidade, sua perversão para governar".

- Perversão?

- "É perverso o que fizeram no Congresso. Não dá para entender que legisladores que foram eleitos para comandar o país a melhores condições estejam se interpondo para que o país retorne aos tempos obscuros, aos tempos de precipício".

- Como está o ânimo dos ex-combatentes?

- "Aqui há bastante preocupação não apenas na comunidade de ex-combatentes, como também na comunidade em geral, porque nos territórios há a esperança de que neste novo momento da história sejamos capazes de reincorporar o Estado a suas funções sociais, políticas, econômicas, não em sua presença militar, como é historicamente conhecido".

- Se a implementação fracassar, a guerra será reativada?

- "Aqui não há mais espaço para a guerra. Aqui o espaço é para a paz e, por isso, todos os dias reiteramos que a melhor decisão que tomamos foi entrarmos com força na construção da paz, enfrentando todos os obstáculos (...), mas não o estamos fazendo com muita integridade, com muita firmeza e convicção".

- 'O país requer pragmatismo político' -- O que acha da atuação do presidente Juan Manuel Santos?

- "Acredito que seja um homem que, em relação à paz, fez grandes esforços, mas com uma política econômica e social muito impopular... eu diria fracassada".

- E dos Estados Unidos?

- "Começaram apoiando o processo. Agora este governo (de Donald Trump) vem se complicando e acredito que não tenha feito uma leitura acertada do desenvolvimento da paz na Colômbia. Mas acreditamos que terão que reformular a sua política porque é o único que há para mostrar ao mundo sobre processos (de paz)".

- O que irão apresentar nas eleições?

- "Somos muito objetivos e claros quanto ao momento político. O Socialismo não pode ser construído se não avançarmos em condições sociais de consciência, de cultura e do campo produtivo (...). E aqui o urgente, o que este país requer, é modernizar suas capacidades produtivas (...), em outras palavras, construir uma civilização, que é o que não temos".

- Então não haverá uma proposta socialista?

- "Temos nos movido no pragmatismo político e é isso o que o país precisa, e isso é o que precisamos, independentemente da projeção ser o Socialismo. Mas agora, urgentemente nestes 10, 20 anos, necessitamos poder reincorporar o Estado com capacidades de gestão nos territórios que estiveram isolados".