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Nicarágua à espera de diálogo para conter violenta onda de protestos

21.abr.2018 - Nicarágua tem dia de mortes e protestos contra reforma da previdência  - Inti Ocon/AFP
21.abr.2018 - Nicarágua tem dia de mortes e protestos contra reforma da previdência Imagem: Inti Ocon/AFP

21/04/2018 18h35

Mortos, feridos, destruição, barricadas e saques foram as marcas deixadas neste sábado (21) pelos violentos protestos desatados na Nicarágua contra uma reforma previdenciária, que levaram o governo do presidente Daniel Ortega a aceitar a abertura de um diálogo.

O governo está "totalmente de acordo em retomar o diálogo para a paz, para a estabilidade para o trabalho, para que nosso país não fique em meio ao terror que está vivendo neste momento", afirmou Ortega em pronunciamento em rede nacional de televisão.

O presidente nicaraguense não deu uma data para o início do diálogo, proposto na sexta-feira pelo sindicato patronal, mas disse que seus representantes estão prontos para "discutir este decreto", que entrou em vigor na quarta-feira e fazer ajustes ou redigir um novo, se necessário.

Nesse mesmo dia tiveram início os violentos protestos no país, que deixaram pelo menos dez mortos e mais de 80 feridos produto de enfrentamentos com armas brancas, de fogo e pedras entre manifestantes, policiais e grupos oficialistas.

O "que está acontecendo no nosso país não tem nome", disse o presidente, acompanhado da esposa, a vice-presidente Rosario Murillo, e o alto comando militar e policial.

Sem citar nomes, Ortega disse que os protestos são incentivados por grupos políticos contrários ao seu governo e financiados por setores extremistas dos Estados Unidos.

"Têm todo o direito de criticar (...) mas não têm o direito de conspirar para destruir e, pior ainda, procurar lá nos Estados Unidos os grupos políticos mais extremistas do império que, em primeiro lugar, são racistas", afirmou no discurso à Nação.

"Desgraçadamente, está aí a contaminação do aproveitamento político", mas "que vão conspirar para promover a violência no nosso país, isso não tem perdão de deus, é terrível", condenou o presidente, acusando os organizadores dos protestos de incorporar nas manifestações "jovens que caíram na delinquência".

"Estão criminalizando os protestos e estão pondo em risco jovens que foram aos protestos com boas intenções", e que "vão respondendo a uma direção política que os usa para que andem atirando e saqueando".

O fazem para "semear o terror, semear a insegurança" e "destruir a imagem da Nicarágua, após "11 anos de paz" no país, defendeu o presidente, em alusão a seus anos no poder.

Clima de tensão

Os protestos começaram devido ao aumento das contribuições de empresas e trabalhadores a fim de saldar um déficit milionário da previdência social, o que se somou a um descontentamento generalizado com a situação econômica do país, explicaram analistas.

Soldados armados com fuzis saíram na noite de sexta-feira para guardar instituições em Manágua, assim como na cidade de Estelí (norte), dos intensos distúrbios, informou o governo em seu site na internet.

A capital vive um clima de tensão. Os confrontos geraram danos no Ministério da Juventude, no prédio da Seguridade Social, na Universidade de Engenharia na sede da oficial Rádio Ya, enquanto eram anunciados novos protestos e o deslocamento de homens da tropa de choque pelo quarto dia consecutivo.

Funcionários da administração da capital limpavam os escombros deixados pelas barricadas e pela queima de pneus provocada por moradores em alguns bairros, em desafio à tropa de choque.

Nas cidades de León e Masaya houve "queima de carros particulares, saque e destruição de prédios públicos", bem como roubos em shoppings, denunciou o governo.

A oposição reportou a queima parcial, na noite de sexta-feira, da Rádio Darío, na cidade de León.

O povo quer mudanças

Durante os protestos, Ortega acolheu a proposta do sindicato patronal de "retomar a mesa de diálogo" para buscar uma solução para o conflito, disse Murillo.

"Não se via isto há anos na Nicarágua", comentou o analista e ex-embaixador da Nicarágua na OEA e nos Estados Unidos, Carlos Tünnermann à AFP.

Em sua avaliação, os protestos ocorreram "em quase todas as cidades do país, em todas as universidades e terem sido reprimidos com violência pelo governo significa que há um mal-estar da população não só pelas reformas, mas pela forma como o país tem sido dirigido".

Segundo especialistas, a população suportou calada o encarecimento do custo de vida pelas constantes altas nos preços dos combustíveis, das tarifas de eletricidade, demissões no setor público e redução de benefícios sociais devido à redução da cooperação venezuelana.

"A reivindicação principal das pessoas é que não querem mais este governo, há uma rejeição total deste governo", concordou o sociólogo e acadêmico Cirilo Otero em declarações à AFP.

"Os protestos foram encabeçados por jovens que absorveram esse mal-estar que as pessoas sentem pela crise econômica, a repressão ao direito de manifestação e os mortos que as manifestações deixaram", acrescentou.

Tünnermann, por sua vez, avaliou que o êxito do diálogo anunciado pelo governo "dependerá de quão amplo seja", devido ao inconformismo expresso pelas maiorias devido ao aumento das cotas patronais e de trabalhadores ao Seguro e de redução em 5% das minguadas pensões aos aposentados.

As reformas visam a saldar um déficit de mais de 76 milhões de dólares no Instituto Nicaraguense de Seguridade Social (INSS), depois que o Fundo Monetário Internacional (FMI) recomendou ao governo tomar medidas para evitar sua falência em 2019.

Especialistas afirmam que as reformas são uma solução parcial para a crise do INSS e que é preciso rever a má administração que a instituição teve devido a investimentos "pouco transparentes".

Ortega governou pela primeira vez durante a revolução que a Frente Sandinista (FSLN, esquerda) dirigiu na década de 1980, retornou ao poder em 2007 e foi reeleito em 2011 e em 2016, em meio a denúncias de processos eleitorais fraudados, segundo a oposição.