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"Adeus, ETA": País Basco apoia fim do grupo, mas mantém nacionalismo vivo

Pichação em Agurain diz "adeus, ETA, foi uma honra" em alusão à dissolução do grupo - AFP PHOTO / ANDER GILLENEA
Pichação em Agurain diz "adeus, ETA, foi uma honra" em alusão à dissolução do grupo Imagem: AFP PHOTO / ANDER GILLENEA

Em Agurain (Espanha)

03/05/2018 13h26

"Adeus, ETA, foi uma honra". Uma pichação em uma estrada no País Basco mostra resquícios do apoio à organização separatista, que nesta quinta-feira (3) anunciou sua dissolução, um passo que muitas pessoas consideram que tardou a chegar.

Nos arredores da cidade de Agurain, pichações e cartazes pedindo que os prisioneiros do ETA sejam trazidos para perto de suas famílias no País Basco adornam as paredes e colunas sob um céu chuvoso.

Mas, nesta cidade de 5.000 pessoas, governada pelo partido nacionalista moderado PNV, o fim de décadas de atentados, sequestros e extorsões do ETA em sua campanha pela independência do País Basco e Navarra é bem-vindo.

"Eu tomo isso como algo positivo", diz Seve García de Vicuña, um aposentado de 69 anos de idade que confessa ter, inicialmente, simpatizado com o ETA, criado em 1959 durante a ditadura de Francisco Franco, que proibiu o uso público da língua da região, o basco.

Com o passar do tempo, ele se desiludiu e mudou de ideia depois de anos de violência. No total, atribui-se ao ETA pelo menos 829 mortes.

García de Vicuña adverte que os "sentimentos muito profundos de apoio ao ETA ainda permanecem".

'Machuca'

3.mai.2018 - Idosa passa em frente à pichação contra a tortura na cidade de Agurain, no País Basco espanhol, dias após a dissolução do grupo separatista ETA - AFP PHOTO / ANDER GILLENEA - AFP PHOTO / ANDER GILLENEA
Pichação em Agurain em protesto contra a tortura
Imagem: AFP PHOTO / ANDER GILLENEA
Enfraquecido por sucessivos golpes policiais e pela rejeição da maioria da população basca, o ETA anunciou sua renúncia à luta armada em 2011 e, no ano passado, iniciou o processo de entrega de armas.

Nesta quinta-feira, anunciou seu desmantelamento definitivo, fechando um capítulo negro na história da Espanha.

"Houve muitas mortes e muita dor", estima Victoria Pérez Conde, uma mulher de 69 anos, de Burgos, em Castilla  y  León, região que faz fronteira com o País Basco.

Ela se mudou para Agurain 40 anos atrás, acompanhando seu marido, e recorda vividamente um determinado momento: o assassinato em 1997 de Miguel Ángel Blanco, que chocou a Espanha e gerou protestos em massa, marcando um ponto de virada na luta contra o ETA.

O vereador conservador de 29 anos foi sequestrado pelo ETA e recebeu dois tiros na cabeça quando expirou o ultimato de 48 horas dado pela organização.

"Eu estava internada no hospital. Todos estavam paralisados, incluindo as enfermeiras, para ver o que estavam dizendo", lembra Pérez Conde.

"E acabou mal, e isso te machuca", completa.

A mulher acredita que a dissolução do ETA chegou muito tarde. O mesmo pensa Adolfo Olalde, de 62, dono de uma loja em Agurain.

"De todas as organizações que se dissolveram em toda a Europa, era a última que faltava", diz Olalde.

'Meios políticos, não violentos'

Mas agora que o ETA anunciou sua dissolução, Olalde acredita que o governo espanhol também deve dar um passo adiante.

Como outros bascos, ele pensa que os prisioneiros do ETA deveriam ser transferidos para prisões próximas ao País Basco.

Essa abordagem é defendida pelos nacionalistas do PNV e pelos separatistas do Bildu, as formações que dominam o Parlamento regional.

Em um muro próximo, um pequeno cartaz mostra um mapa do País Basco cercado pela frase: "Prisioneiros e fugitivos bascos de volta para casa".

"Na França, vejo que estão sendo tomadas medidas. Veremos se a Espanha vai se mexer", diz ele, referindo-se às recentes transferências de prisioneiros do ETA do norte para o sul da França, mais perto do País Basco.

"As vítimas também devem ser reconhecidas, mas de ambos os lados", acrescenta.

Em uma mensagem em abril, o ETA pediu desculpas pelas vítimas "sem responsabilidade" no conflito, dando a entender que os assassinatos de policiais e oficiais militares eram legítimos, o que ofendeu sobreviventes e familiares.

Mas pessoas do círculo pró-independência também morreram nas mãos de grupos parapoliciais e de extrema-direita, por isso há vozes crescentes no País Basco que exigem que esses crimes também sejam reconhecidos para ajudar na reconciliação.

Para Alberto, um professor de 41 anos, a luta do ETA por um País Basco independente continuará, mas "por meios políticos, não violentos".