Topo

Santos deixa o poder após obter paz na Colômbia às custas da popularidade

31/07/2018 12h12

Bogotá, 31 Jul 2018 (AFP) - Juan Manuel Santos ajeita a gravata o melhor que pode. "Nada é perfeito", se desculpa. Poucas frases representariam tão bem o mandato do presidente que conseguiu a paz para a Colômbia às custas de sua popularidade.

Em sua última entrevista à AFP antes de deixar o poder em 7 de agosto, quando vai entregá-lo para Iván Duque, Santos parece cercado de paradoxos depois de oito anos de mandato.

Enquanto o mundo o aplaude pelo plano de paz que acabou com uma rebelião armada de mais de meio século - e que valeu a ele um Prêmio Nobel da Paz em 2016-, na Colômbia ele acumula um saldo negativo em parte por causa da negociação conduzida com a já dissolvida guerrilha das Farc.

E, apesar de o ex-presidente Álvaro Uribe - seu chefe no governo quando foi ministro da Defesa e mentor político de Duque - chamá-lo de traidor, Santos acredita que, no final das contas, tudo que fez foi conduzir com êxito suas políticas.

Santos, de 66 anos, se defende: deixa um país sem aquela que foi a guerrilha mais poderosa da América, com reduções históricas de sequestros e homicídios e avanços em termos de infraestrutura e na luta contra a pobreza e a desigualdade.

Além disso, deixa em andamento negociações de paz com outro grupo insurgente, o Exército da Libertação Nacional (ELN).

Santos deixa o poder com a satisfação de "quem fez tudo o que foi possível fazer" e se permite dar um conselho a Duque, seu antigo aliado: "Faça a coisa correta e assim seja impopular".

A seguir, trechos da entrevista concedida à AFP:

- Paz -Pergunta: O senhor falhou na busca de uma paz completa para a Colômbia?

Resposta: "O que estamos entregando, e assim dizem todos os organismos internacionais, é uma paz completa, profunda; o acordo com as Farc não tem precedentes em nenhum outro país (...) Agora, com o ELN, continuamos negociando, avançamos muito, vamos ver se antes de 7 de agosto poderemos assinar um cessar-fogo, mesmo temporário e um acordo marco".

P: O senhor tem algo que reprove na ex-guerrilha quase dois anos depois da assinatura da paz?

R: "Eles se queixam muito de que o Estado não cumpriu tudo. O Estado cumpriu, sim. Se há atrasos, há aspectos que, no Congresso, foram modificados, mas, em termos gerais, como dizem os organismos internacionais, os verificadores, este acordo foi cumprido de uma forma muito rápida. A implementação vai bem, o que acontece é que eles também estão fazendo política. Isso é compreensível e bem-vindo".

P: É possível a rendição de Otoniel, o líder do Clã do Golfo, antes de 7 de agosto?

R: "Eles disseram que estavam prontos para se entregar e, nos últimos dois ou três dias, os advogados disseram que estão realizando trâmites. Vamos ver o que decidem. Está tudo pronto, o MP está pronto, e eles insistem nisso há algum tempo. Vamos ver se antes de uma semana fazem algo, ou se preferem esperar pelo próximo governo".

- Drogas -P: O senhor defendeu uma mudança de abordagem na luta contra as drogas. Em que alternativas está pensando?

R: "É preciso ter abordagens mais pragmáticas em termos de saúde pública, de dar alternativas para os camponeses (cultivadores de coca) e sermos mais efetivos contra as máfias e contra a lavagem de ativos e os ativos que são gerados em um negócio como o narcotráfico".

P: A legalização é a única alternativa?

R: "Não é a única. Já estão legalizando em muitos países. Há países como Portugal que tiveram uma abordagem pragmática e muito efetiva, mas este é um tema que se resolverá em nível multilateral. Sozinho um país não pode vencer a guerra contra as drogas.

P: E, se formado um bloco de países, essa seria uma opção?

R: "Se os países aceitarem, é claro".

- Futuro -P: Uribe o considera seu adversário. O senhor não teme uma perseguição judicial depois que deixar o poder?

R: "Espero que não, porque isso seria algo que o país não aceitaria. Acho que o país já está polarizado demais, o próprio presidente eleito Duque me disse aqui, neste palácio: 'olha, vou continuar com as políticas que acho que estão funcionando, vou corrigir as que não estão funcionando e tenho alguns projetos e iniciativas. Não vou governar com espelho retrovisor'. Tudo isso me pareceu lógico, conveniente, e espero que possa cumprir, porque essa é a atitude que deve ter todo governante".

P: O senhor vai defender seu legado?

R: "O legado se defende sozinho. Aí estão os resultados (...) A paz está aí, as Farc são um partido político. E a paz vai continuar sendo defendida pelo povo colombiano, porque a paz não é minha, não é de meu governo, é de todos os colombianos. É o bem mais precioso que qualquer sociedade pode ter e que vai defender".

P: A que o senhor vai se dedicar?

R: "Não vou me dedicar a me defender nas redes sociais. Na parte acadêmica, sim, tenho muitas ofertas, e gosto disso. Vou me dedicar a escrever. Fui jornalista mais que político durante minha vida. Vou dedicar mais tempo a minha família, que talvez seja a coisa mais sacrificada nesta vida pública".

vel-raa/dga/cn/tt