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Mexicanos que pedirem asilo aos EUA ficarão no país de origem durante o processo

As pessoas esperam na fila para atravessar a fronteira para os Estados Unidos, em Reynosa, no México - Meridith Kohut/The New York Times
As pessoas esperam na fila para atravessar a fronteira para os Estados Unidos, em Reynosa, no México Imagem: Meridith Kohut/The New York Times

30/01/2019 12h39

Em sua cruzada contra os imigrantes latino-americanos, Donald Trump lança sua mais nova estocada: quem pedir "asilo" da fronteira entre México e Estados Unidos ficará no país vizinho ao longo do processo. Uma estratégia ilegal e perigosa, segundo analistas.

"Nossa política firme é capturar e prender, e não soltá-los nos Estados Unidos", disse o presidente americano em novembro passado, após a chegada de uma multitudinária caravana de imigrantes centro-americanos da fronteiriça Tijuana, cidade do noroeste do México.

Fugindo da pobreza e da violência em seus países, essa onda de mais de 6.000 centro-americanos - integrada por famílias com crianças, em sua maioria - viajou durante um mês de Honduras até as portas dos Estados Unidos com a firme convicção de atravessar a fronteira, sem sucesso. Outras quatro caravanas estão a caminho.

Nesse contexto, Trump enviou milhares de soldados para a fronteira sul e continua buscando recursos - retóricos e práticos - para conter o que classificou de "invasão".

Na terça-feira, os Estados Unidos tornaram efetivo seu "Protocolo de Proteção a Migrantes", que obriga os solicitantes de asilo que cruzaram ilegalmente a fronteira sul a voltarem para o México, onde terão de esperar pela audiência com um juiz americano.

Até agora, os solicitantes de asilo podiam esperar pela audiência, estando em liberdade nos Estados Unidos. Muitos sumiam no país, porém, sem chegar a ir ao tribunal.

Fora da lei

Em uma posição que muitos consideram subserviente, o governo mexicano disse que "não concorda com a medida unilateral", mas aquiesceu "por razões humanitárias e de maneira temporária" a receber os estrangeiros que os EUA expulsarem, desde que "tenham recebido uma convocação para se apresentarem perante um juiz migratório" americano.

"Esta ideia que os Estados Unidos vendem de que o México é sua sala de espera não é real", disse à AFP o professor Javier Urbano, pesquisador de Estudos Internacionais da prestigiosa Universidade Ibero-Americana.

Este "plano não pode ser executado, não é aplicável. Não existem as condições. Nem legais, nem políticas, nem econômicas, nem sociais", concorda Dolores Paris Pombo, coordenadora do Observatório de Legislação e Políticas Migratórias do Colégio da Fronteira Norte.

A primeira cobaia dessa criticada estratégia americana foi Carlos Gómez, um hondurenho de 55 anos que chegou com a caravana em novembro. Na terça, retornou "cansado" para o México, com um boné e uma mochila azul, e foi levado para um abrigo fora de Tijuana.

Por que o México adere a esta iniciativa?

"Essa é a pergunta de um milhão de dólares", diz Pombo.

"O México, infelizmente, de forma histórica, se sincronizou às políticas de segurança americanas (...) e aceitou as pressões", indica Urbano.

Algumas teorias mais conspiratórias apontam que, nos bastidores, México aceitou esses termos, em troca de favores econômicos, ou de influência, para resolver problemas internos.

'Consequências nefastas'

O governo do esquerdista Andrés Manuel López Obrador garante que os cidadãos centro-americanos que esperarem no México terão um visto humanitário que lhes permitirá trabalhar.

"Quem lhes garante que vão encontrar trabalho, onde vão viver, quem vai lhes atender, quem vai lhes dar comida, como vão se transladar? Tudo isso custa muito dinheiro, e não existe nada (previsto)", afirma Pombo.

Mesmo o comissário do Instituto Nacional de Migração, Tonatiuh Guillén, contradiz seu próprio governo.

"Enquanto não se resolver esse contexto com clareza, que é, sobretudo, de natureza jurídica e também operacional, não poderemos instrumentalizar nenhuma medida", disse ele recentemente.

Aplicar este procedimento "não é apenas ilegal, como pode ter consequências nefastas e catastróficas", adverte Katie Shepherd, advogada e ativista do think tank American Immigration Council.

Migrantes na fronteira sofreram "uma ampla série de danos, desde a impossibilidade de obter casa e comida, até estupros e assassinatos", completa.

Exaustos, com fome e dormindo sob as duras temperaturas de inverno, os migrantes da primeira caravana viveram em condições extremamente difíceis em Tijuana, uma perigosa cidade com cartéis de traficantes de drogas.

Com um aumento de 2.000% dos pedidos de asilo nos últimos cinco anos, os EUA rejeitam 90% das solicitações recebidas.

E, dos milhares de centro-americanos da caravana, apenas 20% se inscreveram nas listas de espera para solicitar asilo, segundo Pombo, motivo pelo qual seriam muito poucos os centro-americanos que realmente vão acompanhar um processo no México.