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Para analistas, retirada de tropas do Iraque representará o fracasso da estratégia dos EUA

Imagens de satélite mostram a base aérea do Iraque, que abriga tropas americanas, alvo de ataques pelo Irã - HO/Planet Labs Inc/AFP
Imagens de satélite mostram a base aérea do Iraque, que abriga tropas americanas, alvo de ataques pelo Irã Imagem: HO/Planet Labs Inc/AFP

Da AFP, em Bagdá

16/01/2020 14h08

Em 2003, prometeram democracia, estabilidade e prosperidade em um Iraque renovado. Dezessete anos depois, os americanos poderiam deixar um país com instituições que não funcionam, denominações religiosas e etnias mais divididas do que nunca e sob a influência do inimigo, o Irã.

Estado fraco, economia e indústria em frangalhos, renovação política impossível por atribuição de cargos segundo religião...

Para Karim Bitar, especialista no Oriente Médio, "é um fracasso total", previsível, já que "o verme estava no fruto" desde a invasão das tropas americanas em 20 de março de 2003.

"Os arranjos constitucionais dos americanos, com sua institucionalização do comunitarismo", serviram apenas para aumentar as divisões e nutrir uma legalidade e economia confusas com as quais coagiram líderes corruptos e grupos armados determinados a impor sua lei.

As minorias, em particular a cristã, fugiram do país e "as eleições, que deveriam ser exemplares, tornaram-se um censo comunitário", segundo Bitar.

A Constituição, adotada em 2005, não é apenas "permanentemente violada", mas não prevê os sobressaltos políticos no Iraque, lamenta um alto funcionário.

Federalismo e territórios disputados pelo Curdistão? A Constituição os deixa para mais tarde.

O que fazer se o primeiro-ministro renunciar? Quando Adel Abdel Mahdi fez isso, descobriu-se que a Constituição não previa essa possibilidade.

Desde 2003, não há marco legal robusto que prospere nas ruínas da ditadura, mas sim os meios para evitar a lei, e as várias comissões anticorrupção limitam-se a apontar as técnicas usadas pelos políticos para roubar.

Burocracia e corrupção

Enquanto a transformação da economia socialista do regime de Saddam Hussein para uma de mercado nunca se concretizou, o clientelismo inchou a folha salarial e a corrupção, ocupando grande parte do orçamento.

Segurança: as forças iraquianas, às quais os Estados Unidos cederam as rédeas do país no final da ocupação em 2011, tiveram que enfrentar os jihadistas do Estado Islâmico (EI).

Segundo Bitar, "o maior erro estratégico" dos Estados Unidos foi "desmantelar a polícia e o exército", como foi feito na Alemanha nazista após a Segunda Guerra Mundial.

A saúde e a educação no Iraque, anteriormente modelos regionais, quase desapareceram. E a sociedade civil, que não participou da mudança de regime em 2003, não conseguiu se consolidar.

Após a guerra contra o EI, um novo ator ganhou terreno: a Hashd al-Shaabi, milícia que lutou contra a ocupação americana e que apoia os interesses iranianos.

O que resta para os Estados Unidos? A opção militar, um novo embargo ou fechar a torneira dos dólares.

À frente, o Irã tem em suas portas um mercado em expansão - 9 bilhões de dólares em exportações -, agentes armados a seu serviço e um recurso para evitar sanções americanas e obter dólares a granel.

O Irã desenvolve sua "estratégia" forjada na guerra de 1980-1988, que é "neutralizar o Iraque" ou torná-lo um "protetorado", disse à AFP Jean-Pierre Filiu, professor da Sciences Po em Paris.

Teerã, diz ele, tem um grande aliado, Donald Trump, já que "os erros da Casa Branca" ajudam a realizar os planos iranianos.

Após o assassinato em Bagdá do poderoso general iraniano Qassem Soleimani em um ataque americano, o comando militar dos Estados Unidos anunciou sua retirada do Iraque, mas o Pentágono negou. A tensão aumentou, os iraquianos sinalizam uma partida, os americanos um "reposicionamento".

Mas, embora o Irã controle a classe política iraquiana (de todas as etnias e confissões), um ator irrompeu: a rua, mobilizada desde outubro, demonstrando que "os iraquianos, acima de suas diferenças, priorizam problemas sociais e econômicos e se recusam a ser explorados por potências estrangeiras", afirmou Bitar.