Chuvas na Baixada: voluntários e bombeiros intensificam busca por desaparecidos
São Paulo, 4 Mar 2020 (AFP) - Voluntários e bombeiros intensificaram hoje os trabalhos de resgate em comunidades reduzidas a escombros no litoral paulista, onde as fortes chuvas deixaram ao menos 23 mortos e quase trinta desaparecidos em menos de dois dias.
Segundo especialistas, novos padrões climáticos surgiram, mas a ação humana teve papel fundamental para criar as condições que geram essas tragédias na zona mais rica e mais povoada do país.
No morro Barreira de João Guarda, em Guarujá, dezenas de pessoas retiravam troncos e montes de terra em busca de sobreviventes. Onde antes existiam cerca de quarenta casas agora só há escombros, utensílios de cozinha, eletrodomésticos destruídos e outros objetos da vida doméstica.
Yago de Sousa Nunes, de 24 anos, corria de um lado para o outro, frenético, ainda com esperanças de que as equipes de resgate encontrem vivos a sua mãe, padrasto e cunhada, atingidos pelo desabamento do morro Barreira de João Guarda, no Guarujá.
"Por várias oportunidades a prefeitura veio aqui, tinham ciência que era zona de risco e essa semana ia cair essa quantidade de água. Tinham as previsões, mas não vieram para retirar os moradores", diz o jovem, que trabalhava na cidade vizinha, Santos, no momento da tragédia.
Os bombeiros estimam que cerca de 20 pessoas estejam soterradas no local, mas os moradores do local afirmam que o número é maior.
Eventos extremos
A formação de nuvens no centro do país e a ausência de fenômenos como o El Niño e La Niña, que reduzem o volume das chuvas e aumentam a temperatura, permitiu que as chuvas que entram pelo sul chegassem no Sudeste, segundo Andrea Ramos, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Embora os temporais sejam esperados durante o verão, pode-se observar "um aumento dos eventos extremos, como, por exemplo, quando a chuva que devia cair em três dias cai em menos de 24 horas", explica Ramos à AFP, sem vincular diretamente o fenômeno às mudanças climáticas, por falta de estudos detalhados.
"Tivemos nesse verão dois cenários mais extremos. A primeira metade da estação foi mais seca", mas "em meados de janeiro começou uma temporada de muitas chuvas", afirma Marcelo Seluchi, do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
"O planeta está esquentando, isso é fato. Temos mais umidade no planeta do que 50 ou 100 anos atrás, o que significa que ainda que os sistemas meteorológicos sejam os mesmos, hoje há mais potência para gerar chuvas", comenta.
Ambos especialistas concordam que o crescimento das cidades e da ação humana impactam o meio ambiente e, por consequência, o clima.
"O aumento populacional e o crescimento das cidades significa que substituímos a vegetação por concreto e aqui temos um problema muito antigo no Brasil: há muitas construções em áreas de risco", ressalta Seluchi à AFP.
Mais da metade da população das capitais do Rio, São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais está situada em zonas de risco e 80% desse total "tem vulnerabilidade alta ou muito alta, vivem em casas precárias, com densidade elevada e alta porcentagem de crianças e idosos".
Problema habitacional
Seluchi argumenta que o Brasil "avançou bastante em termos de vigilância e de envio de alertas", ainda que o tamanho da população em áreas de risco dificulte a evacuação.
"Também acontece o fato de que nem todos recebem os alertas e outros não o respeitam por falta de entendimento (em relação ao assunto) ou por medo de que suas casas sejam roubadas. O tema habitacional é muito complexo", afirma.
O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), causou indignação ao declarar no último domingo que "as pessoas gostam de morar ali (...) para gastar menos tubo (canos), colocar cocô e xixi e ficar livre daquilo".
Henrique Evers, do Instituto de Investigação WRI Brasil, explica que o custo de vida nas cidades, inacessível para muitos, é o que provoca a construção em áreas que não deveriam ser ocupadas.
"Planos habitacionais para populações mais vulneráveis em áreas próximas aos serviços urbanos são umas das principais formas de lidar com esse desafio", ressalta Evers.
Consultado sobre se esses elementos estão sendo incorporados no planejamento urbano brasileiro, Evers faz uma pausa e argumenta que, apesar de observar algumas iniciativas municipais e privadas nessa direção, "o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer".
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