Topo

Batalhão que deu origem a motins de PMs no Ceará será demolido

Sede do 18º Batalhão da PM,  no bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza - Luís Adorno/UOL
Sede do 18º Batalhão da PM, no bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza Imagem: Luís Adorno/UOL

Luís Adorno

Do UOL, em Fortaleza

04/03/2020 15h24

Epicentro de dois grandes motins de policiais militares no Ceará, o 18º batalhão da PM (Polícia Militar), no bairro Antônio Bezerra, deve deixar de existir fisicamente, segundo integrantes da cúpula da corporação. O local foi ponto de vitória dos PMs no passado e de derrota no presente, em ações em 2011 e 2020.

O governo deve anexar o espaço a uma escola estadual que fica ao lado, mas, oficialmente, diz que reuniões ainda serão feitas para avaliar a situação e planejar ações. Em entrevista ontem ao jornal Folha de S.Paulo, o governador Camilo Santana (PT) disse que avalia o fim do batalhão.

Entre ontem e hoje, PMs limpavam o local, retirando pneus e cadeiras amontoados. Os policiais que estavam lotados no 18º já estão sendo enviados para a segunda companhia da corporação, que fica dentro da UFC (Universidade Federal do Ceará).

No batalhão de dentro da universidade, o clima entre os policiais é de decepção com o desfecho do motim. Eles devem permanecer ali momentaneamente, até que o governo tenha uma decisão.

O local do batalhão foi estratégico para a paralisação de 2011, já que fica no centro da cidade. À época, um motim foi feito cobrando reajuste salarial e melhores condições de trabalho. Houve adesão da classe e apoio da população. Os policiais foram atendidos após seis dias de paralisação.

Em 18 de fevereiro deste ano, os mesmos líderes do motim de 2011 decidiram repetir a dose, mas com estratégias que não geraram apoio da opinião pública.

Agora, 230 policiais que aderiram ao motim são investigados por crimes militares, sem anistia. Outros 42 agentes chegaram a ser presos por deserção, mas foram soltos e também vão ser investigados. Se condenados, podem voltar à prisão. O motim foi encerrado em 1º de março.

4.mar.2020 - Sede do 18º Batalhão passou por limpeza após fim do motim - Luís Adorno/UOL - Luís Adorno/UOL
Sede do 18º Batalhão passou por limpeza após fim do motim
Imagem: Luís Adorno/UOL

Cenários diferentes

Segundo o sociólogo Luiz Fábio Silva Paiva, do LEV (Laboratório de Estudos da Violência) da UFC, diferentemente da paralisação de 2011, que teve estava mais ligada à classe, a deste ano foi politizada, e, por isso, não houve resultado igual.

4.mar.2020 - Sociólogo Luiz Fabio Silva Paiva, da UFC - Luís Adorno/UOL - Luís Adorno/UOL
O sociólogo Luiz Fabio Silva Paiva, da UFC
Imagem: Luís Adorno/UOL

"Em 2011, havia apoio popular. Havia grupos de esquerda, lideranças que surgiram naquele momento e um cenário muito favorável às demandas dos policiais", lembra.

"Agora, o cenário foi diferente. As lideranças se tornaram oposição ao governo [estadual], se lançaram vinculados ao bolsonarismo. E esse caráter político não gerou adesão, não era uma luta apenas por diretos", pontua Paiva.

A trincheira, o planejamento e os erros

Em 2011, capitão Wagner (Pros) —atualmente, deputado federal— foi o líder de um motim realizado no batalhão, onde havia servido antes. Ali, além de ser um local central, é fácil de fazer barricadas, com viaturas fechando as ruas com pneus furados. Também há uma estrutura que favorece a palanques. Wagner ficou ligado, à época, a uma posição política à esquerda.

O motim durou seis dias em 2011. Em 2020, 13. Nove anos atrás, a adesão foi rápida em todo o estado.

Nas duas ocasiões, os PMs —que não têm o direito constitucional de cruzar os braços—, iniciaram a paralisação com balaclavas. No primeiro motim, no segundo dia, eram tantos PMs envolvidos que todos retiraram a proteção do rosto e, por serem muitos, o governo foi pressionado a não reprimi-los.

Já no motim deste ano, após a tentativa do senador Cid Gomes (PDT) de tentar entrar em um batalhão amotinado em Sobral, no interior, com uma retroescavadeira, houve um crescimento no apoio entre os policiais.

No sétimo dia de paralisação, os PMs retiraram a balaclava, mas, com a queda no apoio, foram identificados e responderão por crimes militares.

Assim como neste ano, em 2011 policiais também espalharam medo na cidade na tentativa de pressionar o governo a ceder aos pedidos de reajuste. Houve, nas duas ocasiões, PMs impondo toque de recolher, escondendo o rosto, espalhando informações falsas sobre crimes como arrastões, e fazendo vistas grossas a crimes contra a vida, como homicídios e latrocínios (roubos seguidos de morte).

4.mar.2020 - PMs que trabalhavam no 18º Batalhão estão sendo alocados em batalhão dentro da UFC - Luís Adorno/UOL - Luís Adorno/UOL
PMs que trabalhavam no 18º estão sendo alocados em batalhão dentro da UFC
Imagem: Luís Adorno/UOL

Segundo integrantes da cúpula da PM cearense, entrevistados pela reportagem, a diferença é que, sem o WhatsApp, as imagens de PMs impondo toque de recolher, no passado, não tinham repercussão.

Quando os PMs passaram nas cidades mandando comerciantes baixarem as portas, a conotação era de proteção aos cidadãos. Agora, com flagrantes da ação, a imagem dos policiais em greve saiu arranhada.

O período das duas paralisações e o momento político também foram fatores preponderantes para a vitória de 2011 e a derrota de 2020, segundo os próprios policiais.

Antes do Réveillon, havia medo do governo de perder turistas, com medo pela falta de PMs na ruas. Agora, antes do Carnaval, os próprios cearenses ficaram insatisfeitos, uma vez que houve festas canceladas por falta de policiamento.

Nove anos atrás, no governo Dilma Rousseff (PT), segundo os policiais cearenses, havia um espaço de diálogo para questionamentos feitos pela classe trabalhadora. Capitão Wagner, que ganhou notoriedade com a paralisação de 2011, conseguiu ser vereador, deputado estadual e deputado federal sempre com votações recorde. Agora, é pré-candidato a prefeito da capital.

Neste ano, embora tenha apoiado publicamente o motim, nos bastidores, ele foi contrário. O receio do agora deputado era com o que o momento político diferente poderia ocasionar.

Depois, após o evento de Cid Gomes, pressionou por investigações contra seu oponente político, mas a menção aos policiais foi de "diálogo", elogiando o ministro da Justiça, Sérgio Moro, pela "postura isenta". Moro havia afirmado que o motim era ilegal, mas que não se podia criminalizar os policiais.

O acordo com os amotinados sem anistia

A anistia era uma das principais demandas dos PMs que se amotinaram em 2020 para encerrar a paralisação. Porém, sem apoio popular os amotinados tiveram de aceitar a derrota. Uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), aprovada ontem na Assembleia Legislativa do Ceará, proibiu anistiar os policiais.

No motim de 2011, os policiais acabaram anistiados. "No passado sempre se deu anistia. A polícia jamais pode deixar a população e o governador reféns. E o que vem depois? Os governos anistiam. Eles voltam a fazer porque acham que não vai dar em nada", disse Camilo Santana à Folha.

No acordo deste ano, ficou acertado, entretanto, que os PMs envolvidos não seriam transferidos por seis meses.

Os PMs apontam que transferências para batalhões de cidades distantes são, por tempo indeterminado, feitas como forma de castigo. Havia medo entre os amotinados de que houvesse transferência em massa de policiais de Fortaleza para cidades do interior do estado.

O valor de aumento salarial oferecido pelo estado, estopim da paralisação, foi mantido, mas o governo aceitou rediscutir como será distribuído. A oferta prevê reajuste para um soldado de R$ 3.475 para R$ 4.500, parcelado em três vezes. O projeto de lei está em tramitação na Assembleia Legislativa.