Topo

Esse conteúdo é antigo

Lula teme "genocídio" com Bolsonaro e critica militarização do governo: "Brasil não é caserna"

O ex-presidente Lula em vídeo gravado para o Dia do Trabalho de 2020 - Reprodução
O ex-presidente Lula em vídeo gravado para o Dia do Trabalho de 2020 Imagem: Reprodução

Em São Paulo

15/05/2020 10h47Atualizada em 15/05/2020 11h14

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, em entrevista à AFP, que "fica rezando" para que "o povo brasileiro escape deste genocídio de responsabilidade, causado pelo [presidente Jair] Bolsonaro", ao criticar as políticas do mandatário ante o avanço do novo coronavírus.

"O governo transforma as pessoas que estão preocupadas com o coronavírus em inimigos. Então, não pode dar certo", advertiu Lula, de 74 anos, referindo-se aos ataques de Bolsonaro contra os governadores que decretaram medidas de distanciamento social por suas consequências econômicas.

O ex-sindicalista, que liderou as greves do final dos anos 1970 contra a ditadura militar (1964-85), mostrou-se, por outro lado, alarmado com a forte presença de militares no governo do ex-capitão que, segundo disse, "não confia nos civis que trabalham com ele".

O ex-presidente (2003-2010), libertado em novembro após passar 19 meses na prisão por acusações de corrupção passiva, está confinado em sua casa nos arredores de São Paulo com a companheira, Rosângela da Silva, a 'Janja'.

"Eu estou fazendo muita reunião pela internet com sindicatos, com a CUT, com o PT, com deputados, com grupos sociais", contou na entrevista, realizada por videoconferência pelo aplicativo Zoom.

Confira os principais trechos desta conversa, realizada ontem, quando o Brasil superava os 200.000 casos e beirava os 14.000 óbitos pela pandemia:

P: Quando o senhor saiu da prisão, rejeitava um impeachment de Bolsonaro, mas agora mudou de opinião. Por que?

R: Eu não mudei de opinião. O que acontece é que você não elege um presidente hoje e no dia seguinte tenta fazer o impeachment. Primeiro a pessoa tem que ter cometido crime de responsabilidade. Na minha opinião, Bolsonaro tem cometido vários crimes de responsabilidade, tem atentado contra a democracia, contra as instituições, contra o povo brasileiro. Ele não tem sequer respeito pelas pessoas que morreram [de covid-19]. Não acho que o impeachment tem que ser feito por um partido político, tem que ser feito por uma instância que não seja partidária (...), porque se você entrar com uma proposta partidária, ela vai ser uma proposta ideologizada e será pretexto para que muitos deputados não queiram participar.

"Antes só do que mal acompanhado"

P: O PT estaria aberto a alianças mais amplas, com o centro ou a direita?

R: É difícil imaginar. É preciso fazer uma diferença entre a construção de uma frente ampla e uma aliança eleitoral (...) A aliança [eleitoral] do PT no Brasil será uma aliança pela esquerda.

P: E uma frente ampla é possível?

R: No Brasil temos 30 e poucos partidos (...) Os partidos não querem perder sua autonomia (...) O que a gente pode fazer é uma aliança ampla, não uma frente.

P: O PT impulsionaria essa aliança ampla?

R: O PT já fez (...) nas eleições de 2002 (...) Já na eleição da Dilma, em 2010, tivemos vários partidos, 10 ou 12, também em 2014. O que demonstra que a quantidade de partidos que te apoiam não significa nada porque esses mesmos partidos que apoiaram a Dilma foram os que deram golpe na Dilma [a presidente Dilma Rousseff foi destituída do cargo pelo Congresso em 2016]. Às vezes, aquele ditado 'antes só do que mal acompanhado' vale muito para a política brasileira.

"O país não é uma caserna"

P: Como avalia o posicionamento dos militares?

R: Hoje o Palácio do Planalto tem menos civis que militares (...) Eles estão mandando hoje no Brasil. Bolsonaro não confia nos civis que trabalham com ele e se pudesse, colocaria para cada civil um adjunto militar (...) O país não é uma caserna. O Brasil é um país de 8,5 milhões de km². Tem que ser governado da forma mais democrática possível e nem sempre os militares sabem lidar com a democracia (...) Os militares hoje estão com mais influência no governo do que no regime militar.

Risco de "genocídio"

P: O coronavírus está sendo politizado no Brasil?

R: O papel de um maestro é conduzir harmonicamente a orquestra. O papel de um presidente da República é construir harmonicamente as decisões. Bolsonaro já deveria ter feito reuniões com os governadores, o ministro da Saúde, com os prefeitos (...), [mas] o governo transforma as pessoas que estão preocupadas com o coronavírus em inimigos, então não pode dar certo. Como eu sou católico, fico rezando para que o povo brasileiro escape deste genocídio de responsabilidade causado pelo Bolsonaro.