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'Mamãe, não quero morrer': as crianças de Beirute traumatizadas

Menina olha para o Porto de Beirute destruído da janela da sua casa - ANWAR AMRO/AFP
Menina olha para o Porto de Beirute destruído da janela da sua casa Imagem: ANWAR AMRO/AFP

Da AFP, em Beirute

11/08/2020 12h11

"Mamãe, eu não quero morrer", gritou o filho de Hiba, de seis anos, ao ver sangue em suas pernas. Para ele, como para a grande maioria das crianças de Beirute, a mortal e devastadora explosão no porto gerou consequências psicológicas significativas.

O Unicef falou do "choque" e do "trauma" sofrido por crianças pequenas, destacando a necessidade de cuidados após a tragédia de 4 de agosto que deixou pelo menos 160 mortos e mais de 6.000 feridos, além de centenas de milhares de desabrigados, incluindo 100.000 crianças, de acordo com a organização da ONU.

Hiba estava com seu filho e sua filha, de apenas dezesseis dias, na sala de estar de seu apartamento em um bairro central de Beirute quando a explosão atingiu a capital.

"Tive a impressão de que todo o vidro da casa balançava ao nosso redor", lembra a mãe de 35 anos.

Seu filho congelou. "Quando viu o sangue escorrendo pelas pernas, ficou em choque. Começou a gritar 'mamãe, não quero morrer'", antes de se jogar em seus braços.

Ela mesma assustada, tentou acalmá-lo.

"Ele me respondeu 'o que é essa vida? Coronavírus e uma explosão?'", recorda. "Imagina, uma criança de seis anos fazendo essa pergunta".

Seu bebê desmaiou. Demorou vinte minutos "antes de ela começar a se mover ou chorar", disse a mãe que, em estado de choque, parou de produzir leite.

Agora conseguiu recomeçar a amamentar, mas a quantidade é insuficiente e, portanto, deve usar leite em pó.

Hiba impede o filho de assistir ao noticiário e tenta mantê-lo ocupado com seus brinquedos o tempo todo em seu quarto.

E procurou na internet conselhos sobre como conversar, da forma mais simples possível e sem traumatizá-lo.

"Ele pula assim que ouve um barulho", diz. "Passo muito tempo com ele, caso precise conversar".

"Explosão, explosão"

Noura, de 34 anos, também recorreu à internet para saber como se comportar com os filhos de três e quatro anos.

Ela explicou a eles como estava assustada, detalhando precisamente o que havia sentido.

"Foi um grande boom", respondeu o mais velho. O pequeno ficou calado mas no dia seguinte, ao acordar, sussurrou-lhe ao ouvido: "Fiquei com muito medo".

Mesmo nas redes sociais, o trauma é palpável. Um vídeo viral filmado pela janela de sacada de um prédio mostra a fumaça subindo após uma primeira explosão no porto, com as vozes de uma família ao fundo.

"Explosão, explosão", grita uma criança.

Mas tudo treme depois da segunda explosão, a mais poderosa, que provavelmente explodiu as janelas do apartamento.

"Mamãe, eu não quero morrer", repete, apavorado, a mesma voz cheia de soluços.

A mãe de uma menina de três anos, que sucumbiu aos ferimentos, comoveu na televisão: "Quero me desculpar com Alexandra, porque não a fiz deixar o Líbano" em crise.

Nos hospitais saturados da capital atingida pelo desastre, correspondentes da AFP viram dezenas de crianças feridas, com o rosto e as roupas cobertos de sangue, muitas vezes mudas devido ao choque.

Segundo o Unicef, pelo menos três crianças morreram e 31 foram hospitalizadas. Outras mil ficaram feridas, acrescenta a agência da ONU, citando organizações parceiras.

"As crianças vão sofrer de ansiedade. Qualquer barulho alto fará com que tenham medo de uma repetição do drama. Terão medo de deixar os pais, a ponto de não quererem ir sozinhas ao banheiro", nota a psicóloga Sofia Meemari.

Haverá também pesadelos, silêncio, isolamento "porque muitas perguntas atormentam suas mentes", explica ela.

"Não devemos obrigá-las a falar, podemos falar sobre o assunto, dar-lhes a oportunidade de fazerem perguntas quando quiserem", continua a psicóloga, sublinhando que se o quadro continuar será necessário consultar um especialista.

"A saúde mental das crianças que vivenciaram a explosão em Beirute pode ser seriamente ameaçada", segundo a ONG britânica Save the Children, que teme distúrbios do sono, terror noturno e "consequências de longo prazo", sem suporte adequado.