Equador ativa 'esquadrões covid' para lidar com corpos e evitar novo caos mortuário
Sua arma foi deixada na patrulha. Imerso em seu traje de biossegurança, William Yugzi entrou apenas com um celular para tirar fotos de uma cena de crime incomum. O homem que morreu, infectado com coronavírus, permaneceu sentado, com um copo d'água e biscoitos nas mãos.
Em uma casa humilde de Quito, Yugzi, de 38 anos, faz o reconhecimento gráfico da posição do corpo, agora com rigor mortis, e observa se apresenta indícios de violência.
O uniformizado faz parte da "equipe covid", que compõe com outros dois policiais de criminalística e é mobilizada exclusivamente para os casos de coronavírus fora dos hospitais.
No local, também estão um médico do Ministério da Saúde, um fumigador e várias agências funerárias.
Esses esquadrões entraram em ação para evitar um novo colapso pela pandemia. Quando a emergência em Guayaquil (sudoeste) começou, o sistema de saúde entrou em crise junto com os necrotérios. As casas foram transformadas em morgues devido à lenta e caótica reação das autoridades.
Com uma população de 17,5 milhões de habitantes, a pandemia deixa cerca de 10.000 mortos no Equador em seis meses. Mais de 105.000 pessoas foram infectadas.
A AFP acompanhou o trabalho do "esquadrão covid".
Cena do crime
A "equipe COVID" número 1, designada para o caso, chega em uma patrulha com as sirenes desligadas. Antes de entrar na casa do falecido, se vestem com os equipamentos de proteção pessoal.
O primeiro a entrar é o responsável por desinfetar a casa e o cadáver. Depois entra o médico e atrás dele vão os policiais. Somente quando a retirada do corpo é autorizada, entram as agências funerárias. As famílias decidem se vão cremar ou sepultar o corpo.
Desde abril, cerca de 300 pessoas em Quito, entre confirmadas e suspeitas de terem contraído coronavírus, morreram repentinamente em casas, ruas, consultórios médicos particulares e carros quando estavam à caminho do hospital, de acordo com as autoridades.
As mortes por causas naturais dispararam em meio à pandemia. De janeiro a julho, houve 28.200 casos a mais em relação ao mesmo período de 2019, segundo o Registro Civil. Como em outros países, existe a suspeita de um grande sub-registro de óbitos por COVID-19.
Ángel Medina, outro dos criminalistas, coleta as impressões digitais do morto, que são comparadas com as do arquivo oficial para a identificação completa.
Em seguida, Yugzi tira a última foto: o rosto do falecido com a "ETIQUETA DE CADÁVER COVID-19". A ficha do caso "15149", que contém o nome completo e número de identidade da vítima, é amarrada ao pulso da mão direita.
"Possível covid em andamento"
O Equador detectou o primeiro caso da covid-19 em 29 de fevereiro e Guayaquil foi o primeiro foco de contágio na América Latina.
Depois de legalizar a morte de uma mulher também diagnosticada com a doença, que faleceu em outra casa do sul de Quito, a equipe de criminalística se prepara para retornar à base, mas a rádio-patrulha emite um novo alerta: "possível covid em andamento".
Em um campo de futebol empoeirado do sul da capital, é encontrado o corpo de um idoso morador de rua, que montou uma barraca em uma das esquinas ao pé das arquibancadas, aproveitando que os espaços esportivos não estão sendo utilizados devido à pandemia.
O homem "estava com tosse e até veio uma ambulância, mas ele não quis entrar", disseram os vizinhos. As análises das autoridades servem para registrar a causa na ata: "Provável coronavírus".
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