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Análise: Os erros dos EUA que levaram ao colapso do exército afegão

Washington (EUA)

16/08/2021 09h58Atualizada em 16/08/2021 16h30

O colapso do exército afegão, que permitiu aos combatentes talebans assumir o controle de Cabul, mostrou os erros cometidos durante 20 anos pelo governo dos Estados Unidos no Afeganistão.

A agência de notícias AFP destacou alguns que seriam os principais erros cometidos pelos EUA durante o período de intervenção no Afeganistão. Veja a seguir:

Talibã toma Cabul e volta ao poder no Afeganistão

Equipamento incorreto

Washington gastou US$ 83 bilhões (cerca de R$ 435 bilhões na cotação de hoje) em seu esforço para criar um exército moderno que refletisse as suas tropas.

Em termos práticos, isto significou uma enorme dependência do apoio aéreo e uma rede de comunicação de alta tecnologia em um país onde apenas 30% da população pode contar com um fornecimento de energia elétrica confiável.

Aviões, helicópteros, drones, veículos blindados, óculos de visão noturna: o governo dos Estados Unidos não economizou em gastos para equipar o exército do país asiático. Recentemente chegou a fornecer aos afegãos os últimos helicópteros de ataque Black Hawk.

Mas os afegãos, incluindo muitos jovens analfabetos em um país que carece de infraestrutura para equipamentos militares de última geração, não conseguiram implementar uma resistência séria contra um inimigo menos equipado e aparentemente superado em números.

Suas capacidades foram superestimadas, de acordo com John Sopko, o inspetor geral especial dos Estados Unidos para a reconstrução do Afeganistão (Sigar). O exército americano "sabia como era ruim o exército afegão", destacou.

O relatório mais recente de seu gabinete ao Congresso, apresentado na semana passada, afirma que os "sistemas avançados de armas, veículos e logística utilizados pelos militares ocidentais estavam além das capacidades da força afegã, em grande parte analfabeta e sem instrução.

16.ago.2021- Soldado americano aponta arma para um passageiro afegão no aeroporto de Cabul, no Afeganistão - Wakil Kohsar/AFP - Wakil Kohsar/AFP
16.ago.2021- Soldado americano aponta arma para um passageiro afegão no aeroporto de Cabul, no Afeganistão
Imagem: Wakil Kohsar/AFP

Números exagerados

Durante meses, os funcionários do Pentágono insistiram na vantagem numérica das forças afegãs, de 300 mil integrantes entre exército e polícia, sobre os talibãs, avaliados em 70 mil.

Mas os números do exército estavam exagerados, segundo o Centro de Luta contra o Terrorismo da Academia Militar de West Point, Nova York.

Em julho de 2020, segundo a estimativa de West Point, os 300 mil incluíam apenas 185 mil soldados do exército ou forças de operações especiais sob o controle do ministério da Defesa, enquanto a polícia e outra força de segurança constituíam o restante.

E apenas 60% das tropas afegãs eram combatentes treinados, segundo os analistas de West Point.

Uma estimativa mais precisa da força de combate do exército, sem contar os 8.000 oficiais da Força Aérea, é de 96 mil, concluíram.

O relatório Sigar aponta que as deserções sempre foram um problema.

O documento indica que até 2020 o exército afegão teve que substituir 25% de sua força a cada ano, em grande parte devido às deserções, e os soldados americanos que trabalhavam com os afegãos afirmaram que a taxa era "normal".

Planos frágeis

As autoridades americanas prometeram reiteradamente que continuariam apoiando o exército afegão depois de 31 de agosto, a data anunciada para a conclusão da retirada das tropas americanas, mas nunca explicaram como isso aconteceria do ponto de vista logístico.

Durante sua última visita a Cabul, em maio, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, mencionou a possibilidade de ajudar os afegãos a manter sua força aérea à distância, por meio do que chamou de logística "além do horizonte".

O conceito vago implicaria treinamentos através da plataforma Zoom. O método parece um tanto ilusório, dada a falta de computadores, smartphones ou boas conexões Wi-Fi dos afegãos.

Ronald Neumann, ex-embaixador dos Estados Unidos em Cabul, afirmou que o exército americano deveria ter "levado mais tempo" para a retirada.

O acordo alcançado entre o governo do então presidente Donald Trump e os talibãs considerava uma retirada completa das forças estrangeiras em 1º de maio.

O sucessor de Trump, Joe Biden, adiou a data, originalmente para 11 de setembro, antes de mudar novamente para 21 de agosto.

Mas também decidiu retirar todos os cidadãos americanos do país, incluindo os terceirizados que têm um papel chave no apoio à logística americana no Afeganistão.

"Construímos uma força aérea que dependia de terceirizados para a manutenção e depois retiramos os terceirizados", declarou Neumann à rádio pública NPR

Nem salários nem alimentos

Ainda pior, o Pentágono pagou durante anos os salários do exército afegão. Mas desde que o exército americano anunciou sua retirada em abril, a responsabilidade dos pagamentos passou ao governo de Cabul.

Muitos soldados afegãos reclamaram nas redes sociais que não receberam salário durante meses e, em muitos casos, suas unidades não recebiam mais alimentos ou suprimentos, incluindo munições.

A rápida retirada americana representou o golpe final.

"Ao sair e retirar nossa cobertura aérea, abalamos o exército e a moral dos afegãos", disse Neumann.