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Médicos enfrentam resistência religiosa à vacina no 'Cinturão Bíblico' da Holanda

Médicos enfrentam resistência religiosa à vacina na região conservadora de Urk, na Holanda, que tem a pior taxa de imunização do país - Caio Rocha/Framephoto/Estadão Conteúdo
Médicos enfrentam resistência religiosa à vacina na região conservadora de Urk, na Holanda, que tem a pior taxa de imunização do país Imagem: Caio Rocha/Framephoto/Estadão Conteúdo

24/11/2021 08h40Atualizada em 24/11/2021 09h36

De seu escritório na remota vila de pescadores holandesa de Urk, o médico de família Wilco Bloed tenta convencer aqueles que, evocando Deus, não querem ser vacinados contra a covid-19.

Apenas um terço da população foi inoculado nesta região protestante profundamente conservadora, conhecida como "Cinturão Bíblico", que tem a pior taxa de vacinação da Holanda.

Com o aumento das infecções em todo país, porém, os médicos em Urk lançaram sua própria campanha para vacinar os relutantes.

"Lançamos a iniciativa, porque Urk é o lugar na Holanda com a pior taxa de vacinação, abaixo de 30%, e porque as infecções estão aumentando", explica Bloead à AFP.

"Por isso, como médicos de família, decidimos oferecer as vacinas nos nossos consultórios" como alternativa aos postos de vacinação, acrescenta.

Isso "oferece a possibilidade de conversar e eliminar barreiras e aumentar a taxa de vacinação", insiste.

De fato, desde o início desse programa, no início de novembro, o percentual de imunizados subiu para 3%, ainda longe da média nacional de 84,7%.

"A aversão à vacinação é bastante generalizada (...) É verdade que o povo de Urk pode ser bastante teimoso", resigna-se o médico, que chegou a esta cidade há 15 anos.

"Providência divina"

Urk foi o "marco zero" dos piores distúrbios na Holanda em décadas, que eclodiram em janeiro, devido ao confinamento decretado pelo coronavírus.

Desde então, a cidade tem testemunhado confrontos com jornalistas em frente a igrejas que oferece missas durante o confinamento e pequenas altercações na noite de sábado, em meio a novos distúrbios que abalaram o país.

Com seu porto e cabanas de pescadores, a vila era uma ilha até há 70 anos, quando se juntou ao continente com um projeto de recuperação de terras. Mantém, contudo, sua mentalidade insular.

"Se o restante da Holanda faz uma coisa, Urk faz o oposto", admite Jacob, um jovem de 21 anos que pesca no porto com um amigo.

O município mantém a crença calvinista estrita do chamado "Cinturão Bíblico" que se estende até o coração da Holanda.

O pensamento religioso tem sido um fator relevante na queda da vacinação contra todos os tipos de doenças nesta cidade, que sofreu um surto de sarampo há dois anos.

Para alguns, ser vacinado é interferir na vontade de Deus, mas a questão é complexa, diz o reverendo Alwin Uitslag da Igreja Reformada Eben-Haezerberk, de Urk.

"Por um lado, a Bíblia diz que você pode tomar precauções. Você pode se preparar para algumas crises", como o coronavírus, alega Uitslag, em conversa com a AFP.

"Por outro, diz que a vacinação não é permitida, porque não se pode intervir na providência divina", acrescenta.

Outros fatores

O reverendo descreve sua igreja como "rígida", com regras que incluem dois cultos aos domingos, durante os quais as lojas fecham, e as pessoas não podem trabalhar.

As mulheres devem usar vestidos e véu para orar. Quando se trata de vacinas, porém, a decisão final é deixada à "consciência individual", diz o pastor.

"É meu trabalho dar boas informações aos membros da igreja. Não é meu trabalho dar indicações sobre fazer, ou não fazer", argumenta ele, sem querer revelar se foi vacinado.

Nesta cidade onde ciência e religião se chocam, médicos e pastores afirmam estar em negociações para encontrar a melhor maneira de proceder.

A religião é, "na verdade, uma parte muito pequena" do problema, observa Bloed. Também há "medo generalizado de efeitos colaterais", juntamente com o isolamento de Urk em relação ao governo central, a desinformação e a resistência dos jovens em se vacinarem.

Os resultados desta campanha, realizada em conjunto com as autoridades regionais de saúde e o município local, são até agora encorajadores, embora ainda haja um caminho a percorrer.

"Na primeira semana e meia, administramos o mesmo número de injeções que as autoridades de saúde nas quatro semanas anteriores", diz Bloed.

Também membro da Igreja Reformada de Urk, o médico, neste caso, deixa de lado suas crenças religiosas. "Olha, eu também sou um cristão. E sim, você não precisa concordar em tudo", conclui.