Racialização é uma histeria que tem que parar, diz secretário do Rio
"Continuo detestando a racialização do Brasil, uma criação - eu vi - do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Nossa maior conquista - o conceito de povo brasileiro - desapareceu entre os bem-pensantes. Qualquer idiotice racial prospera. A última delas é uma linda e cheirosa atriz global dizer que as pessoas mudam de calçada quando enxergam o filho dela, que também deve ser lindo e cheiroso." E concluiu: "Quero que as raças se fodam."
Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo por e-mail, o secretário reafirma suas posições. "Dizer que os brasileiros mudam de calçada quando veem uma criança negra na rua é uma ofensa ao nosso País. Essa histeria tem que parar. Alguém tem que dizer que é mentira."
O senhor causou grande polêmica junto ao movimento negro por causa da sua última postagem. O senhor esperava toda essa repercussão?
Faço esse tipo de alerta sobre os perigos da racialização da nossa sociedade desde a década de 1990. Desde então sou patrulhado. O problema só se agravou. Hoje leio nos jornais, rotineiramente, expressões como "o escritor branco Fulano de Tal", "o cineasta negro Beltrano", "o professor Cicrano, branco". Naturalizamos a divisão racial dos brasileiros. Ninguém mais reage. Dizer que os brasileiros mudam de calçada quando veem uma criança negra na rua é uma ofensa ao nosso País. Essa histeria tem que parar. Alguém tem que dizer que é mentira.
O que, exatamente, o senhor quis dizer quando afirmou que a "racialização do Brasil foi uma criação do Departamento de Estado dos Estados Unidos"?
Na década de 1990, amigos gaúchos pediram-me que os recebesse no Rio de Janeiro e os acompanhasse em uma reunião que teriam na sede da Fundação Ford, que ficava na Praia do Flamengo. Queriam verificar a possibilidade de obter algum financiamento para projetos de educação em áreas rurais. Fiquei chocado com o que vi. Os funcionários da fundação disseram abertamente que só financiariam projetos que destacassem a questão racial no Brasil. Exigiram que eles mudassem todo o projeto que levaram. Estabeleci ali uma conversa tensa sobre isso. Um deles disse, para todos ouvirmos: "Temos 15 milhões de dólares e vamos provar que o Brasil é racista." Entendi perfeitamente a mensagem.
Pensemos num computador. Ele tem um hardware, que são seus componentes físicos, mas para funcionar precisa de um software, um programa que lhe dá as instruções sobre o que fazer. Uma sociedade também tem componentes físicos, que são a sua infraestrutura, e componentes ideológicos, que organizam o comportamento das pessoas. A Fundação Ford, que é um braço do Departamento de Estado, mirou no coração do nosso software, o conceito de povo brasileiro. Acertou em cheio. Se não há povo brasileiro, o Brasil não vale a pena. Isso é parte importante da grande crise civilizatória que se abateu sobre nós e nos paralisa.
O senhor acha que o Brasil é um país racista? Ou o senhor acha que vivemos uma democracia racial?
Há racismo no Brasil, assim como há em praticamente todo o mundo. Nunca usei e não conheço quem tenha usado a expressão democracia racial. Mas, ao contrário do que ocorre em vários outros países, o sistema de valores que a sociedade brasileira escolheu não legitima o racismo. Isso é muito importante. Um sistema de valores não descreve fielmente o que existe, mas aponta os caminhos que desejamos seguir. Sinaliza uma trajetória desejada. Os americanos transformaram essa nossa grande virtude em hipocrisia. Adestraram uma geração de militantes que detesta o Brasil.
Muitos argumentam que, em sua palestra, a atriz Taís Araújo, ao dizer que as pessoas mudam de calçada quando veem seu filho, estaria falando de forma simbólica, metafórica, sobre o racismo no Brasil. O senhor não viu desta forma?
Eu não vi a palestra da atriz, por quem tenho grande afeto. O que me chamou a atenção não foi a palestra em si. Foi a quantidade de gente que replicou essa barbaridade nas redes sociais de forma completamente acrítica, como se fosse verdade literal: os brasileiros atravessam a rua quando veem uma criança negra. Francamente...
As estatísticas mostram que a discriminação racial é um fato no País. Os negros são os mais pobres, os que mais morrem, os que mais são vítimas da polícia, a maior parte da população carcerária. O senhor discorda disso?
Uma grande mentira só prospera se tiver alguma aderência à realidade. Há verdade em tudo o que você diz, embora essas estatísticas sejam, em geral, de péssima qualidade. Mas são verdades seletivas, que acabam servindo a uma grande mentira: o Brasil é o País mais racista do mundo... A maior parte da população negra foi escrava até quase o final do século 19, há poucas gerações, e nossa mobilidade social não tem sido suficientemente grande para alterar posições historicamente constituídas. É um problema gravíssimo. Dedico minha vida a lutar contra ele. Mas a racialização não nos ajuda em nada. Só traz mais um problema. Impede-nos de ter uma aproximação amorosa em relação ao nosso próprio país.
O que o senhor quis dizer com "Quero que as raças se fodam"?
O conceito de raças humanas, além de cientificamente inepto, é pérfido, é do mal. Foi criado para justificar o colonialismo e desde então só separa, destrói, discrimina, justifica desastres humanitários de grandes proporções. Eu não quero que o Brasil seja um País de "escritores brancos ou negros" e "cineastas negros ou brancos". Quero que seja um País de escritores e cineastas.
Como secretário de Educação, que tipo de ação o senhor tem tomado para evitar a discriminação nas escolas?
Pelo visto você foi capturada pela histeria racial, pois sua pergunta pressupõe que há discriminação em nossa rede, que você sequer conhece. Afinal, o Brasil é assim, não é? Lamento decepcioná-la, mas não conheço nenhum caso que possa confirmar isso. Nossa rede é um microcosmo do Brasil, profundamente miscigenada. Se aparecer racismo, ele será tratado como deve, como uma burrice e um crime. O racista é, antes de tudo, um burro. Achar, no século 21, que as pessoas devem ser julgadas pela cor da pele é o fim da picada.
Outro Lado
Em nota, o diretor da Fundação Ford no Brasil, Átila Roque, disse lamentar a "ignorância histórica" do secretário. Segundo ele, Benjamin tenta atribuir a uma "entidade privada independente e sem fins lucrativos, a responsabilidade pela promoção da luta contra o racismo no País, desconhecendo toda a trajetória de resistência dos negros e negras brasileiros que antecedem em muito a própria existência da fundação". Destacou ainda que a Fundação Ford tem o compromisso de apoiar projetos que reduzam as desigualdades.
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