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Altamira vive explosão de assassinatos

Felipe Resk, enviado especial, e Marco Antonio Carvalho

Altamira

01/08/2019 07h29

A cozinheira Maria Raimunda Lima, de 55 anos, não guarda mágoa. A última lembrança de Jefferson Lima, o segundo dos seus seis filhos, de 36 anos, é o corpo sentado no sofá, sobre o chão banhado de sangue, e a cabeça cravejada por sete tiros. "É claro que quero justiça, mas não desejo nenhuma vingança. Acredito que, de certa forma, aqueles que fizeram isso com ele são tão vítimas quanto o meu filho."

Usuário de droga, Lima foi morto em 17 de junho, supostamente por conflito entre facções criminosas em Altamira (PA), um dos municípios mais violentos do País. A crise de segurança na cidade teve seu principal episódio esta semana: o massacre com 58 presos mortos em ataque promovido pelo grupo Comando Classe A (CCA) contra o Comando Vermelho (CV).

No início dos anos 2000, Altamira tinha taxa de 11,3 homicídios por 100 mil habitantes, o equivalente a de cidades com bom patamar de segurança. Mas, nas últimas décadas, viu a taxa saltar para 135,5 em 2017, o que a põe entre as piores do País. "Na mesma semana, tinham morrido duas adolescentes na região", relata Maria Raimunda. Entre 2000 e 2017, a taxa no Brasil foi de 24,8 para 31,6.

O Atlas da Violência, estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), chegou a classificar em 2015 Altamira como a mais violenta do Brasil, posto do qual não se distanciou. Segundo a Polícia Civil do Pará, o conflito entre facções seria o principal motivo dos homicídios.

Embora tenha sido fundada em 2008, a facção local CCA também tem demonstrado mais força recentemente. Conforme investigações, o grupo se aliou à facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) e tenta evitar a interiorização do CV, que comanda Belém.

Lima seria filiado ao CV e a principal suspeita é de que tenha sido morto por rivais do CCA na periferia de Altamira. "Não quero acreditar que meu filho fazia parte de facção", diz a mãe. "O que matou meu filho é a mesma coisa que motivou os assassinos: a ilusão das drogas."

Transformação

Com 159 mil km² - mais do que Portugal -, Altamira é o maior município em extensão territorial do País. Segundo especialistas, o avanço da violência lá também está relacionado à transformação causada pela usina hidrelétrica Belo Monte, na bacia do Rio Xingu. Com isso, a cidade viu a população crescer sem que os serviços públicos, entre eles a segurança, acompanhasse a mudança.

Para a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, "dezenas de milhares de pessoas" foram levadas à região por causa do megaprojeto e depois ficaram abandonadas à própria sorte. "Temos acompanhado casos cada vez mais graves de violência, assaltos, estupros e chacinas, sem nenhuma medida preventiva eficaz por parte do poder público." Dados do Ministério da Saúde mostram que a taxa de homicídios na cidade já crescia antes de 2011, quando começou a construção da usina. O pico, entretanto, foi ainda mais significativo após aquele ano.

"Antes, a gente colocava cadeiras na rua e ficava a noite inteira conversando. As crianças podiam brincar. Isso acabou: vive todo mundo com medo", diz a dona de um restaurante, que não quis se identificar. Semana passada, o estabelecimento foi invadido e furtado, segundo conta.

O pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, autor do Mapa da Violência, vê elo entre a deterioração da segurança em Altamira e o aumento da criminalidade em outros pontos do País. Na virada do século, os índices de homicídio, historicamente mais altos nas capitais, subiram nas regiões metropolitanas e em cidades médias. Isso, diz, tem a ver com o desenvolvimento econômico dessas regiões não ter sido acompanhado pelo aparato de segurança. "Muita circulação de dinheiro e pouca polícia é o que busca a criminalidade."

Superintendente da Regional do Xingu, o delegado Walison Magno contesta a metodologia e diz que a cidade tem reduzido casos. "Se alguém for baleado na cidade vizinha e morrer em um hospital de Altamira, a estatística vem para cá", afirma.

Procurado para comentar os dados, o governo do Pará não se manifestou. Já a Norte Energia disse refutar o que chamou de ilações de "explosão de criminalidade depois da construção do empreendimento". "Altamira é um município historicamente considerado violento." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.