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"Devaneio acusatório", diz defesa de Glenn Greenwald ao pedir rejeição de denúncia

O jornalista Glenn Greenwald durante participação no programa Roda Viva - Ronaldo Silva/Futura Press/Estadão Conteúdo
O jornalista Glenn Greenwald durante participação no programa Roda Viva
Imagem: Ronaldo Silva/Futura Press/Estadão Conteúdo

Pepita Ortega

Da agência Estadão Conteúdo, em Brasília

23/01/2020 16h32

A defesa de Glenn Greenwald apresentou ontem uma petição para que o juízo da 10.ª Vara Federal Criminal do Distrito Federal rejeite a denúncia apresentada contra o jornalista no âmbito da Operação Spoofing —investigação sobre invasão de comunicações de autoridades, entre elas o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.

Segundo os advogados Rafael Fagundes, Nilo Batista e Rafael Borges, que assinam o documento, a peça do procurador Wellington Divino Marques de Oliveira, do Ministério Público Federal em Brasília, é um "devaneio acusatório, completamente dissociado da realidade dos fatos".

A denúncia, divulgada na terça-feira, sustenta que o jornalista do The Intercept Brasil "auxiliou, incentivou e orientou o grupo durante o período das invasões". (Leia a denúncia do MPF contra Glenn, na íntegra, clicando aqui)

Além do jornalista, a peça abarcou os seis alvos da Spoofing: Walter Delgatti Neto, o "Vermelho", Gustavo Henrique Elias dos Santos, Thiago Eliezer Martins, Danilo Marques, Suelen Priscila de Oliveira e Luiz Henrique Molição.

A denúncia do procurador Wellington Divino foi feita com base no áudio de um diálogo entre o hacker Luiz Henrique Molição e Glenn, encontrado durante análise de um computador apreendido na casa de "Vermelho", suposto líder do "grupo de Araraquara" —município do interior de São Paulo onde parte dos suspeitos reside.

Para Wellington Divino, a atitude do jornalista durante a conversa com Molição caracteriza "clara conduta de participação auxiliar no delito, buscando subverter a ideia de proteção a fonte jornalística em uma imunidade para orientação de criminosos".

Para a defesa, "não é possível extrair qualquer tipo de atividade delituosa" dos diálogos registrados na denúncia.

Os advogados de Glenn alegam que a conversa entre jornalista e fonte é protegida pelo sigilo constitucional e que não poderia ser utilizada como prova, por conta da decisão dada em agosto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

A medida cautelar concedida por Gilmar, na ocasião, proibiu que Glenn fosse investigado e responsabilizado pelas autoridades públicas e órgãos de apuração administrativa ou criminal (como a Polícia Federal) pela "recepção, obtenção ou transmissão" de informações publicadas na imprensa.

A denúncia do procurador, documento de 95 páginas, argumenta que Glenn Greenwald não foi investigado, e que, portanto, não foi descumprida a medida concedida por Gilmar. Wellington Divino afirma que a "decisão criou uma espécie de imunidade especial e material jure et de jure, uma presunção absoluta de inocência, garantindo um "salvo conduto" ao réu de ser investigado".

No entanto, ressaltou, em letras maiúsculas: "NÃO HOUVE INVESTIGAÇÃO. NÃO SE DESCUMPRIU A DECISÃO".

A defesa argumenta, no entanto, que a acusação "desrespeitou expressamente" decisão e que apesar das ressalvas feitas na peça quanto a liminar de Gilmar, "as digitais do descumprimento da mesma estão presentes na denúncia".

"Não há dúvida de que os atos de interpretação, leitura e transcrição do conteúdo de mídia ilicitamente utilizado pela denúncia se expressam como legítimos atos de investigação, expediente proibido pela decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal", afirmam os advogados.

A defesa argumenta também que há "desconexão entre os diálogos transcritos e as conclusões que deles extrai a denúncia".

"Ao contrário do que o contorcionismo retórico e interpretativo da denúncia tentou fazer parecer, os diálogos travados entre o requerente (Glenn) e sua fonte revelam apenas a ação de um jornalista profissional e cuidadoso, que em nenhum momento orientou, incentivou ou auxiliou sua fonte na obtenção do material de interesse jornalístico que lhe foi repassado."

Denúncia sem investigação

Em dezembro, a Polícia Federal apresentou relatório de investigação sobre os hackers, e indiciou os seis alvos da Spoofing.

No documento, a corporação diz que não era possível, até o momento, "identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados".

Promotores e procuradores ouvidos pela reportagem afirmaram que, mesmo sem indiciamento pela Polícia Federal, o Ministério Público tem o direito de oferecer a denúncia.

A cúpula da Procuradoria-Geral da República também considera que Glenn pode ser denunciado, apesar de não ter sido investigado.

A Associação Nacional de Membros do Ministério Público, MP Pró-Sociedade, chegou a emitir nota pedindo ao Procurador-Geral da República, Augusto Aras, "defesa intransigente" da atuação de Wellington Divino Marques de Oliveira, indicando que o procurador "exerceu, dentro de suas atribuições legais e constitucionais, a proteção implacável da ordem jurídica brasileira".

A Ordem dos Advogados do Brasil, criminalistas ouvidos pela reportagem, além de entidades do jornalismo, como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, contestam o mérito da denúncia, e afirmam que os diálogos expostos na acusação não permitem a interpretação que o procurador deu a eles.

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) ainda protocolou uma representação contra Wellington Divino por "evidente prática de abuso de autoridade" na peça. A entidade pede que seja instaurado procedimento de investigação para "apuração de conduta ilícita".