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'Inaceitável', diz Procuradoria sobre deputado que desbloqueou base indígena

O deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) cortou uma motosserra uma corrente que controlava acesso à Rodovia BR-174 - Reprodução
O deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) cortou uma motosserra uma corrente que controlava acesso à Rodovia BR-174 Imagem: Reprodução

Luiz Vassallo

São Paulo

02/03/2020 20h03

A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) afirmou em nota pública nesta segunda-feira, 2, ser "inaceitável" a conduta do deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR), que cortou com um alicate e uma motosserra uma corrente que controlava acesso à Rodovia BR-174.

Toda a ação foi gravada e divulgada pelo parlamentar nas redes sociais. Apoiado por outras pessoas, Jeferson Alves rompeu a corrente dizendo que "nunca mais" a rodovia será fechada. "Presidente Bolsonaro, é por Roraima, é pelo Brasil, não a favor dessas ONGs que maltratam meu Estado", afirmou no vídeo.

O acesso pela estrada é controlado durante a noite pelos índios, com restrições de passagem para caminhões. A terra indígena também está no meio de uma polêmica acerca de uma linha de transmissão de energia, que passaria pela reserva, ao largo da estrada.

Segundo a Procuradoria, ações como a do deputado na rodovia, que corta a Terra Indígena Waimiri Atroari, situada entre Roraima e no Amazonas, podem "incitar graves conflitos sociais, práticas racistas e violência contra minorias, depredação do patrimônio público da União, promovendo insegurança jurídica".

De acordo com o MPF, "o texto afirma que essas situações exigem a devida apuração legal e a responsabilização dos autores, o que já está sendo providenciado no caso do ataque à Terra Indígena Waimiri Atroari".

A Procuradoria afirma que "é inaceitável que autoridades públicas se arvorem a fazer justiça com as próprias mãos, suplantando as instituições e o foro adequados para tratar controvérsias dessa natureza, desrespeitando as leis e a Constituição da República".

"O documento lembra que a corrente foi instalada pelo próprio Exército, com o objetivo de proteger os indígenas e a vida silvestre na área. [...] A nota lembra que o povo indígena quase foi dizimado durante a construção da BR-174 e que a questão do acesso está em discussão em processo judicial, ainda sem decisão definitiva", diz a Procuradoria.

Segundo o MPF, "logo após as notícias do ataque, o MPF em Roraima pediu providências à Justiça Federal", que "obrigou a União e a Funai a adotar as medidas necessárias para impedir atentados aos serviços de controle territorial no trecho que intercepta a terra indígena, incluindo a área dos postos de vigilância e das correntes".

Leia a nota na íntegra:

"A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF manifesta séria preocupação contra a arbitrariedade perpetrada pelo deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) na Terra Indígena Waimiri Atroari, conforme fato notório amplamente noticiado pela imprensa.

O parlamentar estadual, com as próprias mãos, em concurso com terceiros, derrubou na manhã do dia 28/2 o controle de acesso noturno à BR-174 dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari. Durante a construção dessa estrada, nas décadas de 1960 e 1970, o povo Kinja, que ora habita essa Terra Indígena, foi quase exterminado por conflitos e doenças decorrentes da obra. O controle de tráfego foi estabelecido, à época, pelo próprio Exército, 6º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), responsável pela construção da estrada, com o objetivo de preservar a integridade dos indígenas e da vida silvestre na área.

A controvérsia sobre o controle de tráfego na rodovia está sendo tratado pelo Judiciário (Processo nº 2004.42.00.001036-7/RR), ainda sem decisão definitiva, motivo pelo qual foi proferida decisão liminar, solicitada pela Procuradoria da República em Roraima, restabelecendo o controle na BR 174, com a garantia da ordem por forças policiais.

É inaceitável que autoridades públicas se arvorem a fazer justiça com as próprias mãos, suplantando as instituições e o foro adequados para tratar controvérsias dessa natureza, desrespeitando as leis e a Constituição da República. É intolerável a banalização de tais atos de ataque às instituições democráticas e ao Estado de direito, em atropelo ao decoro das autoridades públicas e com potencial de incitar graves conflitos sociais, práticas racistas e violência contra minorias, depredação do patrimônio público da União, promovendo insegurança jurídica, motivos a requererem a devida apuração legal e a responsabilização dos autores, o que já está sendo providenciado por este Parquet no cumprimento de sua missão constitucional.

6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF - Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais"