Fux prepara resposta em discurso no STF a 'ameaça' de Braga Netto
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, deve usar o tradicional discurso de retomada dos julgamentos na Corte após o recesso do Judiciário, na segunda-feira, 2, para enviar recados ao Palácio do Planalto, diante das sucessivas ameaças à realização das eleições em 2022. Desde a semana passada, Fux vem sendo pressionado a se manifestar e prepara uma "resposta". O pronunciamento do magistrado será sobre a importância da estabilidade democrática, destacando que os Poderes não podem extrapolar seu papel no estado de direito.
Como revelou o Estadão, o ministro da Defesa, Braga Netto, enviou um aviso ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), no último dia 8, por meio de importante interlocutor político. O general pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022 se não houvesse voto impresso e auditável. O presidente Jair Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça naquele mesmo dia. "Ou fazemos eleições limpas ou não temos eleições", afirmou ele a apoiadores, na entrada do Palácio da Alvorada.
Em transmissão ao vivo pelas redes sociais, anteontem, Bolsonaro rebateu críticas dando conta de que as Forças Armadas não devem se pronunciar sobre voto impresso por se tratar de uma questão política. Disse que militares devem, sim, se manifestar porque essas eleições têm a ver com a "soberania nacional".
Bolsonaro também insultou, mais uma vez, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, que defende o atual sistema de urna eletrônica. "É justo quem tirou Lula da cadeia, quem o tornou elegível, ser o mesmo que vai contar o voto numa sala secreta e escura no TSE?", perguntou ele, ao citar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje lidera as pesquisas de intenção de voto. Ao contrário do que vinha anunciando, porém, o chefe do Executivo disse na live não ter provas de que as eleições de 2014 e 2018 foram fraudadas.
Fux chegou a afirmar, em conversas reservadas, que avaliava citar as Forças Armadas e Braga Netto em seu discurso. A declaração do magistrado também poderá ser mais "genérica", evitando despertar animosidade com o meio militar. Mesmo assim, a intenção é mostrar que o Supremo está comprometido com a democracia e não admitirá ruptura institucional.
Na próxima semana, Fux pretende chamar novamente Bolsonaro, Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para uma conversa. O encontro deveria ter ocorrido no dia 14, mas foi desmarcado porque Bolsonaro precisou ser submetido a um tratamento médico de emergência, em São Paulo.
Homenagem
No auge da tensão política que envolve militares e o Judiciário, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) homenageou ontem as Forças Armadas por seu papel "a serviço da paz". Ex-interventor da Segurança no Rio, durante o governo de Michel Temer, Braga Netto recebeu uma placa elogiosa.
Em live promovida ontem pelo site Consultor Jurídico (Conjur), Lira disse que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o voto impresso não terá apoio para chegar ao plenário da Casa. "A questão do voto impresso está tramitando na comissão especial. O resultado da comissão impactará se esse assunto vem ao plenário ou não. Na minha visão, tudo indica que não", afirmou o presidente da Câmara na transmissão ao vivo, que também contou com a participação do ministro do Supremo Gilmar Mendes.
Ao destacar que o sistema de urna eletrônica vem sendo usado há 25 anos, Gilmar lembrou a "tradição" de fraudes cometidas no passado, quando o voto era manual, inclusive na apuração. "Então, vamos parar um pouco de conversa fiada", disse o magistrado.
A PEC do voto impresso será analisada pela comissão especial da Câmara no início de agosto. A tendência é de que a proposta, defendida por Bolsonaro e seus aliados, seja derrotada. "Não temos nenhum fato que diga respeito a uma fragilidade do sistema, no que diz respeito a fraudes. Mas também não vejo problema de, com moderação, sabermos que há um processo de auditagem e, de alguma forma consensuada, dar mais transparência a isso. Onde não há problema, nós temos que deixar ainda mais claro", argumentou Lira.
Embate
A crise entre o Palácio do Planalto e os demais poderes ganhou fôlego depois que Barroso e ministros do Supremo se reuniram com dirigentes de partidos para tentar demover as legendas da ideia de aprovar a PEC do voto impresso, uma mudança que custaria aos cofres públicos aproximadamente R$ 2 bilhões. "O discurso de que se eu perder houve fraude é um discurso de quem não aceita a democracia", afirmou Barroso, anteontem.
Gilmar foi na mesma linha durante a transmissão ao vivo organizada pelo Conjur. "Me parece que essa ideia de que sem voto impresso não podemos ter eleição, ou não vamos ter eleições confiáveis, na verdade esconde talvez algum tipo de intenção subjacente, uma intenção que não é boa", disse o ministro.
Nos bastidores, tanto ministros do Supremo como do TSE criticaram a live de Bolsonaro. Um deles o definiu como "moleque", que "desrespeita as instituições". A avaliação é a de que o presidente está criando tumulto para produzir uma justificativa, caso seja derrotado nas urnas, em 2022. (Colaboraram Pepita Ortega e Caio Sartori)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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