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Ciro Nogueira esteve com chefe do FNDE antes da liberação de pregão de ônibus escolar

Ciro Nogueira tem influência direta sobre a destinação de recursos do FNDE - Adriano Machado/Reuters
Ciro Nogueira tem influência direta sobre a destinação de recursos do FNDE Imagem: Adriano Machado/Reuters

Breno Pires, André Shalders e Julia Affonso

Estadão Conteúdo, Brasília

05/04/2022 11h00Atualizada em 05/04/2022 11h46

O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, se reuniu no Palácio do Planalto com o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), Marcelo Ponte, quatro dias antes de o dirigente do fundo determinar a retomada da licitação para compra de ônibus escolares. O processo do pregão estava suspenso por conta de problemas apontados pelos órgãos de controle, mas foi retomado no dia 18 de março. A licitação está marcada para ocorrer nesta terça-feira, 5.

Ciro e o presidente do FNDE tiveram um outro encontro, também no Planalto, em 22 de fevereiro. As duas reuniões ocorreram sem a presença do ministro da Educação, apesar de o fundo ser vinculado ao MEC e não ter qualquer subordinação com a Casa Civil.

Como revelou o Estadão, a área técnica do FNDE e também órgãos de controle alertaram para a indicação de sobrepreço na compra de 3.850 ônibus escolares destinados ao transporte de estudantes da zona rural. Os preços inflados poderiam elevar o valor total da aquisição em até R$ 730 milhões.

O Estadão mostrou que Ciro Nogueira tem influência direta sobre a destinação de recursos do FNDE, por meio do seu afilhado político e ex-chefe de gabinete Marcelo Ponte, que preside o órgão federal. Apesar de licenciado da presidência nacional do Progressistas, Ciro Nogueira tem atuado para que o programa Caminho da Escola atenda a seus correligionários, por meio da distribuição de ônibus escolares e do empenho de emendas parlamentares.

O jornal teve acesso à íntegra do processo interno do FNDE que trata da licitação para a compra de ônibus. Na avaliação da Diretoria de Administração da FNDE, o preço máximo deveria ficar em R$ 1,3 bilhão. Mas, para a Diretoria de Ações Educacionais, chefiada por Gharigam Amarante - nome ligado ao presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto - o valor deve ser R$ 2 bilhões. Gharigam e Marcelo Ponte aprovaram a continuidade da licitação quatro dias após a segunda visita de Ciro Nogueira ao FNDE neste ano.

Depois de a Controladoria-Geral da União (CGU) entrar no caso endossando o alerta de risco de sobrepreço, em fevereiro, o procedimento licitatório ficou parado até o dia 14 de março, data da reunião de Marcelo Ponte com Ciro Nogueira na Casa Civil. Naquela dia, horas antes, o apadrinhado de Valdemar Costa Neto, Gharigam Amarante, diretor de Ações Educacionais, e mais dois coordenadores subordinados a si, deram um despacho fazendo ajustes no processo, contendo um novo cálculo de preços, trocando o índice de correção da inflação a ser utilizado, o que faria o preço global da licitação cair de R$ 2,083 bilhões para R$ 1,567 bilhão.

Após esse despacho, o processo foi enviado para a Diretoria de Administração, que havia feito o primeiro alerta de risco de sobrepreço. Em sua manifestação, os responsáveis pela área pedem à Dirae, chefiada por Gharigam Amarante, para "justificar detalhadamente a mudança de metodologia de cálculo da estimativa de preços".

No dia 17 de março, sem responder a essa solicitação feita pela Diretoria de Administração, a Diretoria de Ações Educacionais emitiu novo estudo preliminar e nova pesquisa de preço. No dia seguinte, o novo termo de referência, com valores globais de R$ 2,045 bilhões, foi lançado no sistema por dois subordinados de Gharigam. Em seguida, em despacho, Gharigam e Marcelo Ponte aprovam o novo termo de referência, com valores globais de R$ 2,045 bilhões, e autorizam a reabertura do procedimento licitatório. Essa decisão foi tomada no dia em que o Estadão revelou a existência de um gabinete paralelo operado por pastores no MEC formado por pastores que fazem intermediação entre prefeitos e a pasta.

O contexto de influência de Ciro Nogueira sobre as ações do FNDE e a falta de transparência sobre a agenda pública entre ele e Marcelo Ponte geram suspeitas de que o ministro da Casa Civil possa ter atuado para a retomada do pregão para compra de ônibus, na avaliação do advogado Mauro Menezes, que já foi presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

"A suposição de que tenha havido uma articulação do ministro da Casa Civil em favor de interesses pessoais e do partido decorrem da revelação de que o pregão virá a beneficiar municípios geridos pelo Progressistas e a distribuição de verba recairá sobre parlamentares Progressistas", disse Mauro Menezes ao Estadão.

"Então, nesse sentido, a falta de transparência sobre o tema tratado na reunião permite a suposição de que as reuniões tenham servido justamente a articulação dessa solução para a continuidade do pregão, que é estranha ao interesse público, estranha ao zelo com os recursos públicos, estranha com a transparência no exercício das contas públicas. É uma solução que aparentemente vem a promover o interesse pessoal ou partidário em detrimento do interesse público", conclui o ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

Fora das regras

O advogado Igor Tamasauskas, doutor em Direito do Estado pela USP, afirma que a ausência de informações sobre os temas das reuniões entre o ministro da Casa Civil e o presidente do FNDE descumpre regra criada pelo governo no ano passado. Ele ressalta que não faz sentido o ministro da Casa Civil se reunir com um responsável por um fundo vinculado ao Ministério da Educação sem a presença do ministro. "Por força de uma regra criada em 2021, sempre que um ministro se reúne com pessoa integrante de outro ministério, precisa divulgar uma série de informações, dentre as quais o assunto discutido. Essas reuniões precisam ser esclarecidas", disse o advogado Igor Tamasauskas.

O advogado lembra que, como a CGU observou no processo, as compras públicas devem se pautar, prioritariamente, no Painel de Preços, criado pelo próprio Governo Federal, ou em licitações anteriores de outros órgãos públicos. "Isso aparentemente não foi observado, com argumentos que a própria CGU define como questionáveis - quer por especificações especiais dos veículos, quer por questões de quantidades compradas pelos outros órgãos".

Para Tamasauskas, "esses argumentos - especialidade e quantidade - são comuns em casos comprovados de direcionamento de licitação e outras irregularidades". "Há que se explicar bem esses fatos, sobretudo porque a aquisição está ocorrendo no último ano de mandato", finalizou.