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Nome para a Defesa de Lula, Múcio 'abre portas' a empresas no governo

As credenciais de Múcio, seja na iniciativa privada, seja para assumir a Defesa, advêm da longa carreira política - Ton Molina/FotoArena/Estadão Conteúdo
As credenciais de Múcio, seja na iniciativa privada, seja para assumir a Defesa, advêm da longa carreira política Imagem: Ton Molina/FotoArena/Estadão Conteúdo

Luiz Vassalo

Estadão Conteúdo, São Paulo

05/12/2022 05h00

Hábil negociador político e nome forte para comandar o Ministério da Defesa na futura gestão Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro "abre portas" ao setor privado em órgãos do governo. O ministro aposentado presta, ainda, consultoria a empresas com interesses na Corte em que atuou por mais de dez anos.

Múcio entrou no ramo após deixar o TCU - em aposentadoria antecipada, em dezembro de 2020. No mês seguinte, abriu a Jmmf Consultoria Ltda, com capital de R$ 10 mil, em uma sala comercial na Asa Norte, em Brasília. No registro, consta a atividade de "consultoria em gestão empresarial". Em fevereiro deste ano, inaugurou uma filial em um edifício comercial no Recife.

Ao Estadão, Múcio afirmou que a consultoria faz "engenharia política" para clientes. "Eu uso meu network de 40, 50 anos de política e abro portas, marco para a pessoa ser recebida", afirmou. Ele rechaça a pecha de lobista: "Lobby é se eu cobrar por êxito. Eu não cobro por êxito. Eu não tenho premiação".

No âmbito de processos no TCU, a contratação da Jmmf Consultoria é mencionada para prestar serviços à Seguradora Líder, que já foi responsável pela administração do DPVAT - o seguro obrigatório para motoristas -, em ao menos duas atas de reuniões a que a reportagem teve acesso. Uma delas é de 10 de agosto deste ano e a outra do dia 18 do mesmo mês.

Na última década, o TCU apurou uma série de suspeitas de irregularidades em contratos da Líder na gestão do seguro usado para indenizar vítimas de acidentes de trânsito, cujo montante recolhido é de R$ 4 bilhões por ano. Múcio foi relator de um pedido do Congresso para auditar o DPVAT, em 2018. Nenhum dos casos resultou em conclusão que levasse a seguradora a ser punida.

O presidente Jair Bolsonaro, porém, chegou a suspender a arrecadação em uma investida contra o seguro. Em 2020, o consórcio da Líder foi dissolvido pelas empresas integrantes e o TCU determinou que o governo continuasse a prover o seguro, mesmo que em um contrato emergencial com a seguradora. A gestão Bolsonaro, então, passou para a Caixa Econômica Federal a administração dos recursos. O caso está prestes a parar na Justiça, além de pendente de análise na Corte de contas. A Líder quer voltar a operar o DPVAT.

'Consistente'. Em um trecho do contrato de Múcio com a Líder consta que o ministro aposentado presta "serviços de consultoria consistente em gestão empresarial e apoio". Pessoas ligadas às seguradoras afirmaram ao Estadão que, na prática, ele seria responsável por pareceres nos processos que estão no TCU.

Hoje, Múcio disse ter contrato de R$ 50 mil com a Seguradora Líder. O ministro aposentado é engenheiro de formação, não advogado, e, apesar de constar duas vezes nas atas produzidas e endossadas pelas empresas que o contrataram, ele negou atuar no TCU.

"Se eles puseram na ata, é por conta e risco deles. Mas eu não vou cuidar (dos processos). Até porque os ministros não recebem isso (a atuação de ex-ministros) bem. Nem nos meus relatórios de compliance, nem nas empresas tem nenhuma citação a lobby, nem Congresso, nem TCU, nem absolutamente nada", disse.

Múcio afirmou, ainda, prestar consultoria por R$ 18 mil à Federação das Seguradoras (Fenaseg). Procuradas, Líder e Fenaseg não se manifestaram.

Êxito. No time de advogados da Líder, que contratou Múcio, está um amigo do ministro aposentado, o ex-correligionário e colega de bancada do PTB de Pernambuco na Câmara Luiz Piauhylino. O Estadão teve acesso aos valores do contrato do ex-parlamentar, que pode chegar a R$ 4,8 milhões a depender do êxito nas ações.

Piauhylino tem parentesco distante com Múcio e, em comum, acumula vasta experiência no TCU. Desde que deixou de ser deputado, em 2007, Piauhylino atua na Corte, especialmente para empresas do setor de infraestrutura. Também teve processos julgados pelo ministro aposentado.

Múcio disse ter ajudado recentemente Piauhylino a amarrar agendas com autoridades do governo, mas negou ter relação de trabalho com o ex-deputado no caso das seguradoras. "Se eu tivesse negócios com algum advogado, eu teria com meu filho, que é advogado. Mas eu fujo disso", afirmou.

Procurado, Piauhylino não se manifestou. Questionado sobre se Múcio tem atuado em nome de empresas, o TCU não se pronunciou.

Mais contratos. Em outubro do ano passado, o UOL revelou que Múcio foi contratado pela fabricante de cigarros Philip Morris para atuar em nome da multinacional perante à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na época, a empresa havia sofrido uma derrota no órgão regulador, em uma tentativa de registrar um produto relacionado a cigarros eletrônicos.

Procurada, a Phillip Morris afirmou que "confirma que o ex-ministro José Múcio Monteiro presta serviço de consultoria à empresa".

Assim que deixou o TCU, já em dezembro de 2020, Múcio tornou-se conselheiro administrativo da FSB, agência de comunicação com histórico de contratos no governo federal. A empresa afirmou que o "ex-ministro José Múcio Monteiro é consultor da FSB Comunicação na área de análise política".

Nova missão. Agora, na iminência de assumir o Ministério da Defesa de Lula, Múcio deve deixar a Jmmf Consultoria e abandonar o mercado privado. Ele foi convidado pelo presidente eleito para comandar a pasta. O petista confirmou a interlocutores, em reuniões ao longo da semana passada, que vai anunciá-lo após ser diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no próximo dia 12. Múcio evita falar abertamente sobre o assunto antes que o presidente eleito confirme seu nome.

O ministro aposentado deverá assumir uma pasta que representa uma das grandes dificuldades para o próximo governo. Lula e o PT têm relação truncada com a cúpula do Exército, onde Múcio circula com desenvoltura. Como mostrou o Estadão, ele virou uma espécie de "curinga" para a equipe da transição e chegou a ser cotado até para a articulação política.

Trânsito. As credenciais de Múcio, seja na atuação na iniciativa privada, seja para assumir a Defesa, advêm da longa carreira política, iniciada nos anos 1970 como prefeito de Rio Formoso (PE). Ele foi ainda secretário de Estado, acumulou cinco mandatos de deputado federal e foi ministro da Secretaria de Relações Institucionais de Lula antes de ser indicado pelo petista ao TCU, em 2009.

O trânsito se dá não só pela esquerda. Múcio passou pelo extinto PDS, PFL, DEM, oriundos da Arena - partido da ditadura militar. Elegeu-se deputado em coligação com Fernando Henrique Cardoso nos anos 1990. Mais recentemente, teve proximidade com Bolsonaro e foi um dos agentes políticos que se esforçaram para que o mandatário abraçasse a vacina contra a covid. Não deu certo, e Múcio assumiu postura mais crítica ao governo. Agora, de novo, se volta para Lula.