Após o Brexit,é possível salvar o projeto da União Europeia?
Por Tatiana Girardi SÃO PAULO, 29 JUN (ANSA) - Com a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), o chamado 'Brexit', muitas são as perguntas sobre o futuro do bloco econômico diante dos desafios da sociedade europeia.
Para o jornalista, analista de mercado e diretor do setor de Direção de Relações Externas e Relações Institucionais da Autoridade Antitruste da Itália, Roberto Sommella, existem formas de evitar que outras nações deixem a UE e se sintam menos insatisfeitas sobre os rumos do bloco.
Há anos acompanhando as crises econômicas e sociais que o continente europeu enfrenta, Sommella lançou o livro "Euxit: Saída de Segurança para a Europa" (Rubbetino), em que aponta as causas e as soluções para resolver o problema. Confira a entrevista exclusiva que a ANSA fez com o especialista.
- A saída da Grã-Bretanha é o início do fim da União Europeia? Qual foi o erro do bloco para que os britânicos quisessem deixar o grupo? Roberto Sommella: A escolha da Grã-Bretanha de sair da União Europeia pelo efeito do referendo popular que sancionou o 'Brexit', do ponto de vista financeiro, deve causar um efeito negativo para Londres e positivo para a UE. Isso por duas razões: a primeira, é que as regras comunitárias prevêem que as câmaras de compensação financeiras devem ter sedes no espaço comum europeu, o que significa que muitos bancos que têm sede hoje em Londres precisarão se mudar para Frankfurt, Milão ou Paris, com uma perda direta para a capital em termos de ocupação e de milhares de empregos.
A segunda [razão] é especular sobre a primeira. A União Europeia tem tudo para ganhar se as suas bolsas adquirirem novos atores.
Acredito que a UE concedeu até demais ao governo [David] Cameron durante as negociações para evitar o divórcio e depois o Executivo inglês explicou mal e tardiamente ao seus cidadãos os motivos reais para ficar na Europa.
Depois, há a incerteza política, que será toda a desvantagem da União, porque o sucesso do referendo inglês e a grande participação no voto atingirá outros países que irão propor consultas do gênero (acredito em Finlândia e Holanda) e em cada eleição próxima, na França e na Alemanha, isso se tornará um referendo sobre a Europa. Em suma, o 'Brexit' é um divórcio entre dois cônjuges ricos que ficarão mais pobres após a separação.
- Qual será o efeito do 'Brexit' nos outros países? É grande o risco de outros Estados-membros deixaram o projeto europeu no curto prazo? R.S.: Os partidos nacionalistas, por exemplo a Frente Nacional francesa ou a Alternativa para a Alemanha, ou ainda aqueles partidos xenófobos na Áustria, dirão: 'Vamos fazer também nós um referendo!'. Uma escolha democrática, porém com efeitos devastadores.
O problema é que esses três países fazem parte também da zona do euro e as consequências em caso de separação seriam enormes, com a consequente dissolução da moeda única. Quanto ao tempo, é cedo dizer: em 2017, vota-se na França para as [eleições] presidenciais e na Alemanha para as legislativas. Em caso de sucesso das forças eurocéticas, um referendo no estilo do 'Brexit' não é um fato a ser excluído.
- O nacionalismo está aumentando na Europa. Como você analisa essa situação? Há riscos? R.S.: Sim, há riscos. Na Europa, graças à União Europeia, de 70 anos para cá não há guerras. Aqueles que viram essa tragédia humana são cada vez menos e não podem contar o horror que aquilo foi para o continente. Muitas gerações estão crescendo com o mito do nacionalismo porque acreditam que sozinhos conseguem resolver os problemas do desemprego, os problemas sociais, da integração, do terrorismo. Mas, é exatamente o contrário.
Nós, europeus, somos 7% da população mundial, produzimos 25% do PIB planetário e 50% dos encargos sociais globais. Isso significa que, no contexto da globalização, somos fortes e abastados - mas só se unidos. Culpar a Europa se não existe crescimento, se nosso filho ou neto está sem trabalho, se os nossos restaurantes e aeroportos estão na mira do terrorismo jihadista está profundamente errado.
Busca-se um inimigo, fora das fronteiras, seja um muçulmano, um imigrante, um judeu ou um homossexual, não importa. O importante é que seja "diferente", "estrangeiro". O nosso inimigo, na verdade, é o egoísmo. A Europa tem muitos defeitos, mas buscou deixar todos iguais.
- A crise econômica e a austeridade são responsáveis pela saída da Grã-Bretanha e/ou pela vontade de outros Estados-membros de deixar o bloco? R.S.: A Grã-Bretanha, assim como países do Leste Europeu, fazem parte da ampliação da União Europeia e tem há anos taxas de crescimento superiores daqueles países que adotam o euro. E isso causou o rigor absurdo imposto pela Alemanha e pela Comissão Europeia a todos os membros da zona do euro.
Então, o problema não é econômico, é político. Os ingleses decidiram que podem estar melhor sozinhos porque, no fundo, nunca entraram de verdade na União Europeia.
Além de pertencer à UE, a Grã-Bretanha está no Conselho de Segurança da ONU, faz parte da Otan, é a quarta potência militar do mundo e a quinta economia do planeta. Só em Londres, estão presentes 18% das finanças mundiais. São números importantes que fazem pensar gente como [Nigel] Farage e [Boris] Johnson: somos melhores sozinhos. Conversaremos sobre isso daqui a 10 anos.
CONTINUA (ANSA)Veja mais notícias, fotos e vídeos em www.ansabrasil.com.br.
Para o jornalista, analista de mercado e diretor do setor de Direção de Relações Externas e Relações Institucionais da Autoridade Antitruste da Itália, Roberto Sommella, existem formas de evitar que outras nações deixem a UE e se sintam menos insatisfeitas sobre os rumos do bloco.
Há anos acompanhando as crises econômicas e sociais que o continente europeu enfrenta, Sommella lançou o livro "Euxit: Saída de Segurança para a Europa" (Rubbetino), em que aponta as causas e as soluções para resolver o problema. Confira a entrevista exclusiva que a ANSA fez com o especialista.
- A saída da Grã-Bretanha é o início do fim da União Europeia? Qual foi o erro do bloco para que os britânicos quisessem deixar o grupo? Roberto Sommella: A escolha da Grã-Bretanha de sair da União Europeia pelo efeito do referendo popular que sancionou o 'Brexit', do ponto de vista financeiro, deve causar um efeito negativo para Londres e positivo para a UE. Isso por duas razões: a primeira, é que as regras comunitárias prevêem que as câmaras de compensação financeiras devem ter sedes no espaço comum europeu, o que significa que muitos bancos que têm sede hoje em Londres precisarão se mudar para Frankfurt, Milão ou Paris, com uma perda direta para a capital em termos de ocupação e de milhares de empregos.
A segunda [razão] é especular sobre a primeira. A União Europeia tem tudo para ganhar se as suas bolsas adquirirem novos atores.
Acredito que a UE concedeu até demais ao governo [David] Cameron durante as negociações para evitar o divórcio e depois o Executivo inglês explicou mal e tardiamente ao seus cidadãos os motivos reais para ficar na Europa.
Depois, há a incerteza política, que será toda a desvantagem da União, porque o sucesso do referendo inglês e a grande participação no voto atingirá outros países que irão propor consultas do gênero (acredito em Finlândia e Holanda) e em cada eleição próxima, na França e na Alemanha, isso se tornará um referendo sobre a Europa. Em suma, o 'Brexit' é um divórcio entre dois cônjuges ricos que ficarão mais pobres após a separação.
- Qual será o efeito do 'Brexit' nos outros países? É grande o risco de outros Estados-membros deixaram o projeto europeu no curto prazo? R.S.: Os partidos nacionalistas, por exemplo a Frente Nacional francesa ou a Alternativa para a Alemanha, ou ainda aqueles partidos xenófobos na Áustria, dirão: 'Vamos fazer também nós um referendo!'. Uma escolha democrática, porém com efeitos devastadores.
O problema é que esses três países fazem parte também da zona do euro e as consequências em caso de separação seriam enormes, com a consequente dissolução da moeda única. Quanto ao tempo, é cedo dizer: em 2017, vota-se na França para as [eleições] presidenciais e na Alemanha para as legislativas. Em caso de sucesso das forças eurocéticas, um referendo no estilo do 'Brexit' não é um fato a ser excluído.
- O nacionalismo está aumentando na Europa. Como você analisa essa situação? Há riscos? R.S.: Sim, há riscos. Na Europa, graças à União Europeia, de 70 anos para cá não há guerras. Aqueles que viram essa tragédia humana são cada vez menos e não podem contar o horror que aquilo foi para o continente. Muitas gerações estão crescendo com o mito do nacionalismo porque acreditam que sozinhos conseguem resolver os problemas do desemprego, os problemas sociais, da integração, do terrorismo. Mas, é exatamente o contrário.
Nós, europeus, somos 7% da população mundial, produzimos 25% do PIB planetário e 50% dos encargos sociais globais. Isso significa que, no contexto da globalização, somos fortes e abastados - mas só se unidos. Culpar a Europa se não existe crescimento, se nosso filho ou neto está sem trabalho, se os nossos restaurantes e aeroportos estão na mira do terrorismo jihadista está profundamente errado.
Busca-se um inimigo, fora das fronteiras, seja um muçulmano, um imigrante, um judeu ou um homossexual, não importa. O importante é que seja "diferente", "estrangeiro". O nosso inimigo, na verdade, é o egoísmo. A Europa tem muitos defeitos, mas buscou deixar todos iguais.
- A crise econômica e a austeridade são responsáveis pela saída da Grã-Bretanha e/ou pela vontade de outros Estados-membros de deixar o bloco? R.S.: A Grã-Bretanha, assim como países do Leste Europeu, fazem parte da ampliação da União Europeia e tem há anos taxas de crescimento superiores daqueles países que adotam o euro. E isso causou o rigor absurdo imposto pela Alemanha e pela Comissão Europeia a todos os membros da zona do euro.
Então, o problema não é econômico, é político. Os ingleses decidiram que podem estar melhor sozinhos porque, no fundo, nunca entraram de verdade na União Europeia.
Além de pertencer à UE, a Grã-Bretanha está no Conselho de Segurança da ONU, faz parte da Otan, é a quarta potência militar do mundo e a quinta economia do planeta. Só em Londres, estão presentes 18% das finanças mundiais. São números importantes que fazem pensar gente como [Nigel] Farage e [Boris] Johnson: somos melhores sozinhos. Conversaremos sobre isso daqui a 10 anos.
CONTINUA (ANSA)
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