Em praça vazia do Vaticano, Papa Francisco celebra Via Crucis com mensagens de redenção
Em mais uma cerimônia marcada pelo ineditismo por causa da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2), o papa Francisco presidiu hoje o tradicional rito da Via Crucis.
Essa foi a primeira vez desde o início do Pontificado de Jorge Bergoglio, em 2013, que uma das celebrações mais importantes da Semana Santa aconteceu na Praça São Pedro, vazia por causa da pandemia, e não no Coliseu de Roma, já que o governo da Itália colocou todo o país em quarentena.
Os textos das meditações da Via Crucis foram confiados à Capelania da Casa de Reclusão Due Palazzi, em Pádua, norte italiano. Entre os autores estão cinco detentos, uma família que perdeu uma filha por homicídio, a filha de um condenado à prisão perpétua, a educadora de uma cadeia, um juiz, a mãe de um presidiário, um catequista, um voluntário, um agente da Polícia Penitenciária e um sacerdote absolvido pela Justiça.
"Minha crucificação começou quando eu era criança. Vejo-me encolhido no ônibus que me levava para a escola, excluído por causa de minha gagueira, sem nenhum relacionamento. Comecei a trabalhar quando era pequeno, sem poder estudar: a ignorância levou a melhor sobre a minha ingenuidade. O bullying, depois, roubou imagens da infância daquele menino nascido na Calábria dos anos 1970. Pareço mais com Barrabás do que com Cristo, mas a condenação mais feroz permanece sendo a da minha consciência: de noite, abro os olhos e busco desesperadamente uma luz que ilumine minha história", diz a meditação lida na primeira estação da Via Crucis, feita por um condenado à prisão perpétua.
"Sinto desprezo pelo passado, ainda que seja minha história.
Vivi durante anos submetido ao regime restritivo do 41-bis [isolamento total geralmente imposto a mafiosos], e meu pai morreu na mesma condição. Tantas vezes, de madrugada, o ouvi chorar na cela. Ele disfarçava, mas eu percebia. Estávamos ambos no escuro profundo. Naquela não-vida, no entanto, sempre busquei algo que fosse vida: é estranho dizer, mas o cárcere foi minha salvação", acrescenta o texto.
A meditação foi seguida pela mensagem de um casal cuja filha foi assassinada junto com uma amiga. "A nossa sempre foi uma vida de sacrifícios, fundada no trabalho e na família. Ensinamos a nossos filhos o respeito pelo próximo e o valor do serviço para quem é mais pobre. Frequentemente nos perguntamos: por que esse mal nos atingiu? Não encontramos paz. Nem a Justiça, em quem sempre acreditamos, foi capaz de curar as feridas mais profundas. Nossa condenação ao sofrimento permanecerá até o fim", diz o texto.
Na meditação, o casal afirma que o caminho para sua salvação está na caridade. "Não queremos nos render ao mal", afirmam, apesar da "pior dor que existe: sobreviver à morte de uma filha".
Absolvição
A 11ª estação foi marcada pelo depoimento de um padre absolvido após uma década de processo. O texto não menciona o crime que era atribuído ao sacerdote, mas diz que a acusação foi feita por um "garoto".
"O momento mais escuro foi ver meu nome fora da sala do tribunal: naquele momento, entendi que era um homem obrigado a demonstrar sua inocência, sem ser um culpado. Permaneci pendurado na cruz por 10 anos: foi a minha Via Crucis povoada de suspeitas, acusações, injúrias", afirma o padre em sua meditação. "No dia em que fui plenamente absolvido, descobri que era mais feliz do que 10 anos antes", acrescenta, dizendo que reza pelo "garoto" que o acusa.
O primeiro a carregar a cruz foi Michele, ex-detento do centro de reclusão Due Palazzi que se tornou empreendedor após cumprir sua pena. Ele foi seguido pelo diretor da cadeia, Claudio Mazzeo, pela vice-delegada da Polícia Penitenciária Maria Grazia Grassi, por um agente da corporação, pela voluntária Tatiana Mario e pelo capelão Marco Pozza.
Também carregaram a cruz pelas 14 estações da Via Crucis alguns profissionais do Fundo de Assistência Sanitária do Vaticano que cuidam de pacientes da Covid-19, como a internista Esmeralda Capristo e o anestesista Paolo Maurizio Soave, ambos do Hospital Policlínico Gemelli, de Roma.
O percurso começou nos arredores do Obelisco da Praça São Pedro e girou em torno do monumento nas primeiras oito estações. Em seguida, percorreu um caminho em linha reta até as mãos do Papa, que segurou a cruz na 14ª e última estação.
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