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As diferenças entre Bolsonaro e Lula na política externa

30/09/2022 18h10

SÃO PAULO, 30 SET (ANSA) - Por Tatiana Girardi - Protagonistas das eleições presidenciais de 2 de outubro, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) devem levar a política externa do Brasil para caminhos opostos caso vençam a corrida pelo Palácio do Planalto, com abordagens diferentes em relação à América Latina, aos EUA e à União Europeia.   


Se o primeiro mandato de Bolsonaro foi marcado pelo isolamento internacional do Brasil e pela aproximação com países governados pela extrema direita, analistas ouvidos pela ANSA apontam que serão necessárias mudanças em uma eventual reeleição.   


"Acho que ele manteria uma postura de aproximação com os governos mais alinhados com os valores e os costumes dele. Ele teria um alinhamento do ponto de vista da narrativa, mais político. Mas, na parte econômica, teria de flexibilizar - como, aliás, já tem feito", diz Eduardo Fayet, professor de relações institucionais e governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília.   


"Um grande exemplo disso é a OCDE, que é uma agenda em que ele se coloca alinhado com os países em desenvolvimento, tradicionalmente democráticos e com costumes mais globalizados", acrescenta.   


O cientista político Guilherme Casarões, da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas, ressalta que esse processo já começou no ano passado, quando Carlos França substituiu Ernesto Araújo no cargo de ministro das Relações Exteriores.   


"Essa mudança foi um passo importante no sentido de adaptação à realidade, depois de dois anos muito combativos. Mas acho que isso não impediu que, infelizmente, o Brasil se mantivesse isolado em vários temas em que era líder", salienta Casarões, citando meio ambiente e direitos humanos como exemplos.   


Para ele, Bolsonaro terá de "adaptar suas prioridades" caso seja eleito. "Ele não vai conseguir manter uma política de isolamento como a que ele sustentou ao longo do primeiro mandato", diz.   


O especialista da FGV ressalta, porém, que o cenário poderia mudar caso o ex-presidente Donald Trump volte ao poder nos EUA em 2024. O republicano, que chegou a dizer que Bolsonaro era sua versão "tropical", poderia "reposicionar o Brasil como um aliado preferencial dos Estados Unidos".   


Sul-Sul - Já uma eventual vitória de Lula poderia reativar a política do chamado Sul-Sul - fortalecer laços com América Latina, África e os maiores mercados da Oceania - e dar novo impulso ao Brics, grupo que ainda reúne Rússia, China, Índia e África do Sul, segundo Fayet.   


"O Brics é muito interessante porque não é estabelecido na forma de um organismo internacional. Ele tem a leveza e a flexibilidade de um acordo, o que é muito benéfico para os países porque não tem o peso e os custos de um organismo internacional", ressalta.   


Para o especialista, a chegada da esquerda ao poder no Chile e na Colômbia também abriria uma oportunidade para Lula reforçar os laços na América Latina.   


"Na América Latina, tem uma oportunidade especial de um diálogo mais globalizado com esses dois países", explica. Para Casarões, no entanto, o programa de governo lulista ainda deixa dúvidas no campo das relações externas.   


"O mundo de 2023 é infinitamente diferente do mundo de 2003.   


Quando a gente olha o programa de governo, percebe que a receita de política externa dele é muito parecida com a que ele tinha 20 anos atrás. De duas, uma: ou eles não perceberam a obsolescência das estratégias e dos temas que estão trazendo, ou é um mero discurso de campanha para tentar recuperar os bons e velhos tempos da presidência Lula", destaca.   


O cientista político diz que uma das principais diferenças é que, em 2003, os EUA lideravam o mundo praticamente sozinhos, mas hoje há uma disputa intensa com a China.   


Casarões, no entanto, ressalta que Lula sempre foi muito "habilidoso" para trabalhar em cenários com interesses opostos.   


"O Lula vai ter de fazer escolhas, inclusive a de sentar em cima do muro em temas um pouco mais contenciosos da agenda entre China e EUA", afirma.   


Os especialistas também preveem diferentes reações dos países mais desenvolvidos, especialmente os da União Europeia, dependendo dos resultados das eleições.   


Nos últimos meses, nações como Alemanha e França mantiveram as relações com o Brasil em estado de espera, dadas as discordâncias com as políticas de Bolsonaro. Contudo, em algum momento os laços terão de ser retomados.   


"No caso de um novo governo Bolsonaro, para haver uma perspectiva positiva da Europa, teria de haver um esforço claro, notório e público não só da narrativa e do discurso, mas também de ações, acordos, tratados e negócios. Acho que o governo Bolsonaro terá de fazer um esforço maior", ressalta Fayet.   


No caso de um governo petista, o professor do Mackenzie prevê que a tarefa seria "mais fácil" na questão da imagem. "Ele rapidamente teria como reverter essa imagem, por exemplo, no Fundo Amazônia, nos projetos de cooperação internacional, na preservação de áreas indígenas, na preservação da própria Amazônia. Claro que, na sequência, precisaria de um esforço real em ações, tratados, acordos, comércio internacional, projetos cooperativos", diz Fayet.   


Casarões lembra que essa percepção foi reforçada na reunião do G20 na Itália, quando Bolsonaro ficou isolado entre os líderes internacionais e, uma semana depois, Lula foi recebido de braços abertos em países europeus.   


"Acho que isso foi um sinal, uma percepção mais positiva do ex-presidente Lula, e também pelo retrospecto do que foram os oito anos de governo dele, em que o Brasil avançou nas relações com a Europa, exceto no acordo UE-Mercosul", afirma.   


"Ao mesmo tempo, tem um antagonismo muito demarcado com Bolsonaro, inclusive por parte do presidente francês [Emmanuel Macron], uma antipatia pessoal de lado a lado. Seria mais difícil a União Europeia levar numa boa um segundo mandato.   


Existe um sentimento de que um presidente populista e de perfil autoritário, como Bolsonaro, tende a aprofundar esse viés autoritário em um segundo mandato", acrescenta Casarões. (ANSA).   


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