Rival dos Corleonesi, mafioso Badalamenti tentou golpe bilionário em SP
Herdeiro de um dos clãs da organização criminosa Cosa Nostra, Leonardo Badalamenti, 64, teve uma vida agitada no período em que viveu no Brasil.
Sua história mostra como membros da máfia mais antiga do mundo escolhem há tempos o país como uma espécie de posto avançado de seus negócios.
Em operação recente, três membros da organização criminosa foram denunciados pelo MPF (Ministério Público Federal) por um esquema de lavagem de dinheiro que alcançou R$ 300 milhões nos estados do Rio Grande do Norte e da Paraíba.
Leonardo Badalamenti morou no Brasil por mais de 15 anos, casou-se, teve um filho, tentou aplicar um golpe bilionário em bancos internacionais em São Paulo, conseguiu escapar da polícia usando identidade falsa e foi preso pela Interpol na capital paulista.
As informações constam na vasta documentação de ações judiciais que tramitam na Justiça de São Paulo e no STF (Supremo Tribunal Federal), a cujo conteúdo o UOL teve acesso.
Leonardo tem raízes fincadas na Cosa Nostra.
Seu avô, Bartolomeo Badalamenti, foi responsável por estabelecer as primeiras conexões entre a Cosa Nostra e a máfia de Nova York, em meados de 1890.
Já o pai, Gaetano Badalamenti, conhecido como Dom Tano, criou um esquema de lavagem de dinheiro por meio de pizzarias nos Estados Unidos na época de 1970.
A família Badalamenti era tida como uma das mais importantes da máfia siciliana nos anos de 1980.
Mas os Badalamenti iniciaram um conflito sangrento com o clã Corleonesi e perderam a disputa.
Identidades falsas
O primeiro registro criminal de Leonardo Badalamenti no Brasil data de março de 2007.
Ele foi detido com 55,2 gramas de cocaína no estacionamento de um supermercado, localizado no cruzamento entre as avenidas Paulista e Brigadeiro Luís Antônio, na região central da cidade.
Segundo a Polícia Civil paulista, após uma denúncia anônima, investigadores acompanharam a chegada dele ao local em um Citroën Xsara branco.
Quando os agentes realizaram a abordagem, receberam um documento de identificação em que ele se passava por Carlos Masseti.
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Quero receberNa delegacia, afirmou que era dependente químico em tratamento e que a droga apreendida seria para uso pessoal.
"Trazia consigo, guardava, transportava um invólucro contendo cocaína, envolta em plástico transparente, suficiente para formar aproximadamente 183 invólucros de droga para o tráfico", informou o inquérito da polícia.
"Carlos" apresentou à polícia paulista um laudo, emitido por uma clínica particular, que afirmava que ele fazia tratamento médico para controlar o consumo da droga.
Foi solto na audiência de custódia, no dia seguinte à detenção.
Além do nome falso de Carlos, a polícia identificou anos mais tarde, por meio de cruzamento de dados de DNA, que Badalamenti também se identificava como Ricardo Cavalcanti.
Esse nome, de acordo com investigações de autoridades italianas, era usado especificamente em conversas com Tomaso Buscetta, um dos maiores mafiosos da Cosa Nostra que viveu no Brasil entre os 1970 e 1980, morto nos Estados Unidos em 2000.
Necessidade gerou riscos
Anos antes da primeira detenção de Badalamenti em São Paulo, policiais italianos do Grupo Operacional Especial de Florença chegaram até o herdeiro da Cosa Nostra após uma investigação iniciada em 2002, cujo objetivo era entender "novos equilíbrios" entre mafiosos italianos na Sicília e em Palermo, no sul daquele país.
Nessa investigação, localizaram ligações telefônicas entre membros de dois clãs da Cosa Nostra: o Partinico e o Perdentes, sendo o segundo ligado à família Badalamenti.
Os policiais ficaram preocupados com a ideia de que a família que havia perdido força na região estivesse se preparando para tentar retomar o controle, o que poderia gerar uma série de mortes.
Em dezembro de 2003, a polícia italiana interceptou uma ligação telefônica entre Leonardo e Gaspare Ofria, seu primo.
Naquele momento, Gaetano Badalamenti — pai de Leonardo e tio de Gaspare — estava muito doente, cumprindo prisão perpétua em Massachusetts, nos Estados Unidos.
Para a máfia italiana, porém, não era honroso deixar um chefe morrer na prisão.
A investigação apontou que Ofria gastou muito dinheiro com advogados para tentar livrar seu tio da prisão nos últimos dias de sua vida.
O plano não deu certo: Gaetano morreu em 2004, aos 81 anos. Leonardo ligou para o primo para agradecer e dizer que gostaria de devolver toda a ajuda financeira.
Para isso, propôs a ele uma tentativa de golpe em bancos internacionais localizados em São Paulo.
Golpe, prisão e soltura
Em maio de 2009, a Interpol, com apoio da Polícia Federal, prendeu Leonardo Badalamenti no Bixiga, região central de São Paulo, após uma investigação relacionada à tentativa de fraudes nos bancos.
Foi só nesse momento que as autoridades paulistas souberam que "Carlos", na verdade, era herdeiro de uma das maiores organizações criminosas do mundo.
Investigação feita pela Polícia Federal brasileira, com auxílio de autoridades italianas, identificou que Leonardo chefiou uma quadrilha que, para tentar soltar seu pai da prisão dos Estados Unidos, tentou adquirir empréstimos em bancos internacionais localizados em São Paulo.
Esses empréstimos poderiam chegar a até 1 bilhão de dólares, oferecendo como garantia títulos falsos da dívida pública da Venezuela.
Leonardo negou envolvimento na tentativa do crime e também negou ser sucessor dos chefes da máfia italiana, sustentando que a relação era apenas familiar.
Ele afirmou que vivia no Brasil trabalhando no ramo de importação e exportação — mesmo argumento que seu avô declarou às autoridades norte-americanas quando foi preso em Nova York.
Leonardo foi liberado do Centro de Detenção Provisória III de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista, em 1º de setembro de 2009, após decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello. Após ser solto, ele voltou ao seu país natal.
Liberdade
Em novembro de 2015, porém, a Justiça Federal brasileira o condenou a 5 anos e 10 meses de prisão, em regime fechado, pelos crimes praticados em São Paulo.
Um novo mandado de prisão foi emitido em maio de 2017. Em junho de 2020, ele foi incluído na divisão vermelha de procurados da Interpol.
Um mês depois, Leonardo voltou a ser preso, desta vez na Itália, sendo enviado até a penitenciária de Palermo, cidade que é "sede" da Cosa Nostra.
As autoridades brasileiras pediram a extradição dele pelos crimes cometidos no Brasil.
Em maio de 2021, ele foi solto da prisão de Palermo.
Um mês depois, a Itália negou a extradição, argumentando ter notícias de estruturas precárias do sistema penitenciário brasileiro.
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