Entenda os desafios de SC em meio à onda de violência que já dura 17 dias
Pela quarta vez em menos de dois anos, Santa Catarina é alvo de uma onda de violência - segundo a PM, foram 106 atentados e aos menos três mortes desde 26 de setembro. A repetição do fenômeno e a continuidade das hostilidades mesmo após o reforço do policiamento no período eleitoral levantam a questão: por que o Estado não consegue deter a ofensiva do crime?
Iniciada dez dias antes do primeiro turno das eleições, a onda de ataques, atribuída ao crime organizado, já afetou 32 cidades.
Foram 41 ônibus incendiados, oito ataques a bases policiais, 11 ataques a instituições públicas -incluindo escolas- , 25 atentados a casas de agentes de segurança e cinco ataques a viaturas policiais, além de 21 atentados a automóveis civis e 24 apreensões que podem ter impedido atos violentos, dentre outras ocorrências.
Após duas semanas, nem mesmo a chegada da Força Nacional, a presença das Forças Armadas durante o primeiro turno, 58 prisões de suspeitos, 18 apreensões de menores e a transferência de 21 presos para penitenciárias federais de segurança máxima interromperam a violência.
Na manhã deste sábado, um caminhão de mudança foi incendiado em São Bento do Sul. Já na noite de sexta-feira, casas de policiais foram alvejadas na cidade de Balneário Camboriú.
"No ano passado, as hostilidades cessaram logo após a transferência dos presos para [o presídio federal de] Mossoró, no Rio Grande do Norte. Desta vez, não só continuaram, como ainda passaram a incluir ataques a escolas públicas", diz o professor Erni Seibel, do núcleo de pesquisas em políticas públicas do curso de Ciências Sociais da UFSC.
Ele se refere à segunda onda de ataques no Estado, ocorrida entre 30 de janeiro e 3 de março de 2013, quando houve mais de cem atentados em 33 dias.
Já na visão das forças de segurança pública do Estado, o período mais intenso da ofensiva, quando os incêndios a ônibus estavam ocorrendo com maior frequência, já passou.
A Polícia Militar do Estado de Santa Catarina acredita que os criminosos podem estar tendo dificuldades em transmitir a ordem para interromper os ataques.
"Ainda não interceptamos ligações ou ordens para que seja interrompido o 'salve' (como é conhecida a ordem de ataque que parte dos líderes do crime organizado). Mas como ocorreram muitas prisões, transferências e vistorias de presídios, é possível que a ordem não esteja conseguindo ser passada pelos criminosos", diz a tenente-coronel Claudete Lehmkuhl, porta-voz da PM.
Ela acrescenta que em princípio os incêndios e depredações de escolas são considerados ataques, mas que investigações e perícias mostrarão se as ocorrências recentes ainda configuram atentados ou se indicam, na verdade, atos oportunistas ou de vandalismo.
Os ataques de sexta e sábado podem se encaixar nessas hipóteses.
Motivações
Para o governo catarinense e especialistas, há mais de um motivo por trás da quarta onda de ataques no Estado.
A cúpula da Segurança Pública diz que a principal razão da ofensiva é a crescente asfixia das atividades da facção criminosa PGC (Primeiro Grupo Catarinense) conforme aumentam as operações policiais e as prisões, cujo objetivo é desmantelar o tráfico, principal fonte de financiamento do grupo.
Além disso, dias antes do início dos ataques, uma gravação em áudio e uma carta foram divulgados por presos da Penitenciária de São Pedro de Alcântara, na Grande Florianópolis, tida como o quartel-general do PGC.
Nas mensagens, que segundo o governo teriam sido enviadas pelas lideranças do grupo criminoso, há denúncias de maus-tratos, abusos e falta de estrutura nos presídios do Estado. Os autores também mencionam a dificuldade de providenciar advogados para os detentos transferidos para Mossoró - a mensagem não deixa claro o motivo.
Na carta, o líder da facção diz que, caso os problemas citados não sejam solucionados, haveria “outras maneiras de mostrar o que está acontecendo”.
O áudio teria sido gravado no dia 10 de setembro, e a carta chegou à Justiça de SC em 29 de setembro, três dias após o início dos ataques.
Em fevereiro de 2013, após o assassinato da mulher de um agente penitenciário, operações de varredura em presídios catarinenses foram filmadas por detentos e um vídeo com imagens de tortura vazou para a imprensa. Dias depois deu-se início à segunda onda de ataques no Estado.
Na época, a BBC Brasil noticiou a crise e ouviu especialistas sobre as origens do Primeiro Grupo Catarinense.
Leia mais: Facção criminosa de Santa Catarina copia modelo do PCC
A facção possui membros espalhados pelo sistema prisional catarinense. Eles convivem com integrantes de outras organizações criminosas – inclusive o PCC.
Estratégia, desafios e soluções
Para a cúpula da segurança pública catarinense, a estratégia de manter a repressão ao crime organizado deve ser mantida. “O crime ataca pelas baixas que teve, o asfixiamento financeiro que o Estado vem causando. No sistema prisional vamos continuar investindo na ressocialização, ampliar o número de agentes”, disse o secretário da Justiça e Cidadania do Estado, Sady Beck Júnior, à imprensa local.
A visão é corroborada pelo governo federal. Em coletiva um dia antes do 1º turno das eleições, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse acreditar no sucesso das transferências de presos e do envio de reforços federais, mesma estratégia usada em ondas de ataques anteriores.
Já o comandante-geral da PM catarinense, Valdemir Cabral, criticou, em entrevista para a imprensa local, o fato de os presos enviarem mensagens para seus seguidores. “Há um grande problema num sistema prisional em que os presos conseguem se comunicar com o mundo exterior e ordenar o terror”, disse.
Para o professor Erni Seibel, da UFSC, o envio de presos para penitenciárias de segurança máxima e o reforço federal já se provaram estratégias ineficientes, pois as ondas de violência continuam.
“De lá eles conseguem se comunicar, e na verdade têm contato com outras facções do Rio de Janeiro e de São Paulo, como o Comando Vermelho e o PCC. Quando voltam, é como se tivessem feito uma pós-graduação no crime organizado. Seria necessário investir mais em inteligência, reforçar as delegacias de combate ao crime organizado em SC, integrar a segurança pública de forma mais sistêmica”, diz.
O Estado não conta com uma força policial específica para investigar e conter o crime organizado. No momento o trabalho é feito por uma divisão da Deic (Delegacia Estadual de Investigações Criminais), que conta com apenas cinco policiais e um delegado.
Impactos
A reportagem da BBC Brasil percorreu diferentes pontos da capital catarinense, Florianópolis, no final de semana das eleições.
Em bairros de classe média a percepção é de que o problema deve ser resolvido pela polícia e se restringe aos ataques a coletivos. Logo, para os que não andam de ônibus não haveria impacto direto. Outra explicação recorrente é a de tratar-se de um “acerto de contas” entre policiais e bandidos, do qual a sociedade estaria "de fora".
“Percebemos esse distanciamento da elite e da classe média catarinense. É curioso, e creio que a mídia local tenha responsabilidade sobre isso, pela cobertura que realiza. Há impactos econômicos, já que os funcionários têm de ser dispensados mais cedo, os ônibus deixam de circular às 19h. Haverá impacto sobre o turismo. Grande parte da população é afetada, houve ataques a escolas, automóveis civis”, diz o professor Erni Seibel.
Para ele, o uso da repressão e os reforços federais como estratégias para lidar com a violência tem a chancela da imprensa local e ganha o apoio da população.
“A mídia cobra do governo a solução da crise momentânea, o reforço no efetivo, as barreiras, as operações policiais. Mas seria necessário fiscalizar e cobrar a implementação de estruturas específicas para conter o crime organizado, o aumento da inteligência, a revisão da política de transferências de presos, que nada resolve, além da implementação de políticas públicas”, diz.
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