Os desafios de Macri nas relações políticas e econômicas com o Brasil
O presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri, anunciou nesta segunda-feira (23) que o Brasil, "sócio comercial do futuro", será o primeiro país que visitará após sua vitória sobre o candidato de Cristina Kirchner nas eleições do domingo (22).
Embora o momento seja de saudações e sinalizações positivas de ambos os lados, não faltam, porém, pontos nevrálgicos nessa relação.
Candidato da oposição, Macri assistiu ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, padrinho de Dilma, subir ao palanque de seu rival, Daniel Scioli, ao lado de Cristina. O presidente eleito defendeu, em sua campanha, sanção do Mercosul à Venezuela por manter "presos políticos", medida à qual o governo brasileiro é contrário. E, além disso, os dois países enfrentam problemas bilaterais na área econômica.
Para analistas, as características e a trajetória do presidente eleito devem levar a uma relação "fluida", como define o ex-embaixador da Argentina no Brasil, Diego Guelar. Ele lembra, por exemplo, dos vários sinais emitidos por Macri de que o Brasil é "prioridade" na área internacional.
Outros, como o escritor e filósofo Santiago Kovadloff, avaliam porém que o presidente eleito "se dará bem com Dilma, mas se sentirá mais confortável na hora de conversar com o partido de Fernando Henrique Cardoso" --o PSDB.
Mercosul
Integrantes do governo brasileiro disseram à BBC Brasil que Macri pode se reunir com a presidente Dilma Rousseff em Brasília antes mesmo da posse, que ocorrerá no dia 10 de dezembro.
Seus assessores ressaltam que sua proposta de que o Mercosul se torne "mais dinâmico", com maior aproximação com outros blocos, será colocada em prática com o Brasil.
"Queremos que o Mercosul avance e estaremos sempre com o Brasil nestas iniciativas", disse um dos auxiliares de Macri na área internacional, Fulvio Pompeo.
Em uma entrevista recente a jornalistas estrangeiros, o presidente eleito chegou a dizer que sua relação com o Brasil será "melhor" do que a atual.
Oficialmente, Dilma e Cristina se chamam em público de "amigas". No entanto, interlocutores do governo e do empresariado brasileiro costumam reclamar de questões especificas, como as barreiras comerciais implementadas pela Argentina.
Venezuela
Nesta segunda-feira, durante sua primeira entrevista à imprensa após a eleição, Macri reiterou que pedirá que seja acionada a chamada cláusula democrática do Mercosul em sanção à Venezuela. Para ele, o país presidido por Nicolás Maduro mantém "presos políticos" e essa "ilegalidade" precisa terminar.
Ele já havia defendido a medida durante a campanha. Lilian Tintori, mulher de Leopoldo López, opositor de Maduro condenado à prisão, participou da festa que comemorou sua vitória, no domingo.
Segundo um dos principais interlocutores brasileiros na área de política externa, espera-se que a fala tenha sido parte do "discurso de campanha" de Macri, já que, para que esta cláusula seja acionada, é preciso o consenso do bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
"Não é uma medida que um país sozinho pode adotar. A cláusula democrática é um tema multilateral. Temos uma boa relação com a Venezuela, com quem temos mais de 2.000 km de fronteira, brasileiros morando no país e cerca de 40 ou 50 empresas brasileiras no território venezuelano. Não podemos sair brigando pela rua. Tudo é dialogado", disse à BBC Brasil.
Pedras na economia
Macri tomará posse em um momento em que não são poucos os problemas bilaterais na área econômica.
"O comércio bilateral registrou queda de entre 35% e 40% nos últimos três ou quatro anos, e essa retração ocorreu não só pelo setor automotivo", disse Raul Ochoa, professor da universidade Tres de Febrero.
Ele lembra que, nos últimos anos, diversas empresas brasileiras deixaram a Argentina insatisfeitas com medidas econômicas locais e diz que Macri pode tentar atraí-las de volta, já que tem insistido que suas prioridades incluem a geração de empregos e investimentos.
Para Ochoa, o país deixou de exportar ou reduziu a exportação de produtos como trigo, alho e outros alimentos para o Brasil --como resultado, principalmente, de decisões argentinas.
"Foram erros da própria Argentina, mas existe também o fato de o Mercosul estar estancado", afirmou.
Macri, lembrou o especialista, já sinalizou esperar que o bloco seja revitalizado e passe a se aproximar mais de outros grupos "mais vivos", como a Aliança do Pacífico -- formada por Chile, México, Colômbia e Peru, banhados pelo oceano de mesmo nome de olho em uma maior aproximação com os países asiáticos.
Apesar de reiterar que o Brasil é prioridade na sua gestão na área de política externa, o presidente eleito tem feito sucessivos elogios ao Chile, que tem uma já tradicional abertura econômica.
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