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'Como desisti na última hora de virar mulher-bomba'

Anne Soy - BBC Africa

23/03/2016 11h23

No dia 9 de fevereiro, duas meninas nigerianas entraram em um campo de refugiados no nordeste do país. Minutos depois, elas detonaram bombas que escondiam sob as roupas, matando 58 pessoas, em missão suicida ordenada pelo grupo extremista Boko Haram.

Uma terceira menina se recusou a participar da missão. Ela contou sua história à BBC.

Hauwa ( nome fictício ) não sabe sua idade, mas aparenta ter entre 17 e 18 anos.

Ela vinha sendo mantida refém pelo Boko Haram por mais de um ano quando seus sequestradores planejaram o ataque ao campo de Dikwa.

Em contrapartida pela missão, as três meninas iriam para o "paraíso", afirmaram os captores.

Mas Hauwa sabia que tinha de desafiá-los.

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'Problemas espirituais'

"Eu disse 'Não'. Falei que minha mãe morava em Dikwa e que não mataria ninguém lá. Eu preferia ficar com a minha família, mesmo se eu morresse lá", disse ela à BBC.

Os pais de Hauwa e suas irmãs, exceto por um único irmão que havia sido sequestrado junto com ela, estavam vivendo no campo de Dikwa, no Estado de Borno (nordeste da Nigéria), junto com outras 50 mil pessoas obrigadas a deixar suas casas.

Hauwa explica como ela terminou sendo seduzida para se juntar ao grupo extremista islâmico.

"Eu tinha problemas espirituais (ela se autoflagelava e chegou a queimar sua própria mão, de propósito) e o Boko Haram disse que me ajudaria a me livrar deles", diz ela.

Hauwa viu no Boko Haram a resposta para seus problemas e eles a levaram.

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Ela recorda um dia típico com os militantes.

"Vivíamos em casas de palha. Quando meu marido estava por perto, cozinhava três vezes por dia. Os homens roubavam a nossa carne e nos mandavam cozinhar novamente".

Depois de um tempo, Hauwa foi separada do marido e foi forçada a se casar outra vez.

Seu segundo marido fugiu e ela se recusou a selar a terceira união. Foi quando o Boko Haram sugeriu o plano.

"Eles me disseram que se eu recusasse a me casar novamente, eu deveria me tornar uma mulher-bomba", conta.

O campo de Dikwa fica a 85 km do nordeste de Maiduguri, capital do Estado de Borno e local de origem do Boko Haram.

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Fuga

Na noite anterior ao ataque, Hauwa escapou durante a madrugada.

Seu plano era alertar sua família e outros moradores do campo de refugiados sobre o ataque iminente.

Mas ela não conseguiu chegar em tempo.

Quando Hauwa chegou a Dikwa, o atentado suicida já havia acontecido.

O campo de Dikwa abriga 15 mil pessoas. A imensa maioria diz estar assustada.

Falmata Mohammed se lembra dos minutos que antecederam o ataque.

"Um soldado estava tentando organizar nossas filas. Havia uma mulher vestindo um véu vermelho e ela tinha cabelos compridos".

Falmata disse que olhou para os lados quando a mulher começou a reclamar com os soldados, que estavam tentando dispersar a multidão.

"Assim que a gente atravessou a rua, ela gritou 'Wayyo', dizendo que ela tinha uma dor no estômago... As pessoas correram para ajudá-la e tentaram levantá-la. Foi quando ela detonou a bomba".

De repente, Falmata se viu cercada de corpos mutilados.

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Hauwa não viu o ataque, mas ela assistiu ao vídeo dos momentos seguintes, gravados por militares.

"Não sei se as meninas sabiam que iam morrer quando decidiram participar dessa missão", ressalva.

Conhecido pela brutalidade, o Boko Haram continua a ser uma ameaça à paz na Nigéria.

Em abril de 2014, o grupo extremista sequestrou mais de 200 estudantes da cidade de Chibok. Muitas delas continuam desaparecidas.

Hauwa escolheu desafiar o poder do grupo e escapar.

"Eu gostaria de poder voltar a estudar", diz ela.