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Espanha assume controle da Catalunha e testa autoridade: entenda o que pode acontecer

30/10/2017 18h18

O governo central espanhol testou nesta segunda-feira sua autoridade sobre os mais de 200 mil funcionários públicos catalães que foram ao trabalho pela primeira vez desde a destituição do governo regional e da dissolução do parlamento local.

Segundo correspondentes da BBC em Barcelona, não houve grandes problemas nos prédios do governo durante a manhã, embora algumas autoridades tenham desafiado as orientações de Madri e comparecido ao trabalho. Entre elas, estavam alguns ministros, que receberam um prazo de algumas horas para que deixassem seus escritórios, sob a ameaça de serem presos pela força policial catalã.

O líder deposto da Catalunha, Carles Puigdemont, disse que não aceitaria o controle imposto por Madri. No domingo, o governo alertou que se ele e outros membros de sua administração se recusassem a deixar seus cargos poderiam ser processados por rebelião - com sentença máxima prevista de 30 anos. No mesmo dia, centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas de Barcelona para defender a unidade do país.

Entenda abaixo, como a situação chegou ao ponto em que está e quais devem ser os próximos passos:

1. Como chegamos a esta situação?

Há anos os catalães reclamam sobre o grau de autonomia concedido à região pela Constituição espanhola - e a última eleição local, em 2015, foi vencida por uma coalizão que tinha a independência como sua principal bandeira.

No dia 27 de outubro passado, o parlamento regional, com maioria de deputados separatistas, oficialmente declarou a independência, aprovando, por voto, a transferência legal da Espanha - que é uma monarquia constitucional - para uma república independente.

Essa votação foi boicotada por deputados que se opõem à independência - que ocupam cerca de 40% dos assentos na casa.

Eles também boicotaram o plebiscito de 1º de outubro, que a Espanha tentou impedir. Segundo os organizadores, o "sim" recebeu 90% dos votos, e 43% dos eleitores compareceram às urnas.

2. O que Madri fez agora?

O governo central usou o Artigo 155 da Constituição espanhola para tirar do cargo o presidente catalão Carles Puidgemont, seu gabinete e dissolver o parlamento regional.

A vice-primeira-ministra espanhola, Soraya Sáenz de Santamaría, foi apontada para governar a Catalunha interinamente até a realização de novas eleições locais - marcadas para 21 de dezembro.

O comando da polícia catalã, Mossos d'Esquadra, composta de 17 mil pessoas, passou para o Ministério do Interior.

O chefe de polícia, Josep Luis Trapero, foi demitido e substituído pelo seu vice, Ferran López.

3. O que estão fazendo os separatistas catalães?

Puidgemont disse que ele e seus aliados resistirão "democraticamente" à imposição, por Madri, do controle direto.

Há uma grande expectativa sobre a reação dos policiais da Mossos quando receberem ordens de expulsar ou prender autoridades que se mantiverem leais aos separatistas.

Ativistas têm convocado protestos para "defender a república", e é provável que sejam organizadas ainda greves e boicotes como resposta às ações de Madri.

O principal grupo separatista, a coalizão Assembleia Nacional Catalã, vê a administração de Rajoy como "governo estrangeiro".

Eles fizeram um apelo aos funcionários públicos da região para que não obedeçam ordens do governo espanhol em uma demonstração de "resistência pacífica".

4. Os líderes do movimento de separação serão processados ?

O procurador-geral da Espanha, José Manuel Maza, disse nesta segunda-feira que denunciará integrantes do governo catalão deposto e do parlamento por rebelião e sedição.

Maza disse que "ações inconstitucionais causaram uma crise institucional".

A pena máxima para o crime de rebelião é até 30 anos de prisão. Um tribunal terá de decidir sobre a aceitação ou não dessas eventuais denúncias.

A proclamação da república catalã, na sexta-feira, foi aprovada em voto secreto no parlamento, o que dificulta a tarefa de indiciar deputados individualmente.

O chefe de polícia deposto, Trapero, pode ser acusado de sedição por ter falhado, supostamente, em ajudar policiais subordinados ao governo central a conter manifestantes pró-independência durante um incidente em Barcelona antes do plebiscito.

5. Madrid conseguirá assumir o controle da Catalunha?

Não está claro até que ponto a Espanha enfrentará dificuldades para assumir o controle do governo local e ter sua autoridade respeitada.

O governo apelou para que oficiais e policiais da Mossos se mantivessem neutros e acatassem as ordens de Madri.

O plano é governar com medidas excepcionais até a realização de novas eleições em dezembro.

No papel, o plano parece simples, mas a correspondente da BBC Sarah Rainsford diz que na prática o processo será complexo e terá de enfrentar a resistência de pessoas que acabaram de votar pela independência.

E o comportamento das autoridades será observado com atenção - em particular por causa do excessivo uso de força por parte das forças de segurança no dia do plebiscito.

Imagens de policiais arrastando eleitores das urnas ou avançando sobre eles com golpes de cassetete correram o mundo.

6. Há espaço para compromissos?

Os dois lados estão bem opostos - um proclamou a independência, o outro assumiu o controle do governo.

Um gesto de aproximação poderia ser a restituição de poderes adicionais aos catalães que entraram na Constituição por emenda em 2006, mas que foram suprimidos quatro anos depois a pedido do Partido Popular de Rajoy.

7. E o quão importante é o fator econômico?

Madri está numa posição forte em se tratando de economia, embora a Catalunha seja uma das regiões mais ricas da Espanha.

Desde o referendo, mais de 1,6 mil empresas, incluindo os bancos Caixa e Sabadell, decidiram transferir suas sedes da Catalunha para outras cidades da Espanha.

A Catalunha responde por um quinto da produção econômica da Espanha, mas também possui uma pilha de dívidas, inclusive uma de US$ 61 bilhões com o governo espanhol.

8. Como o mundo vai agir em relação a Catalunha?

A bandeira da independência da Catalunha vem sendo defendida há muito tempo no exterior pelos separatistas. Desde o referendo, eles pedem mediação internacional.

Uma moção aprovada pelo parlamento catalão pede que a União Europeia "intervenha para impedir a violação dos direitos civis e políticos" pelo governo da Espanha.

No entanto, a União Europeia e seus membros individualmente, além dos Estados Unidos, deixaram claro que enxergam a crise como uma questão interna da Espanha.

"A Catalunha é uma parte integral da Espanha, e os Estados Unidos apoiam as medidas constitucionais do governo espanhol que visam manter a Espanha forte e unida", disse o Departamento de Estado dos EUA.

É muito difícil para qualquer região alcançar a independência sob a legislação internacional. Kosovo descobriu isso quando se separou da Sérvia, embora o rompimento tivesse forte embasamento na violação de direitos humanos e o apoio da OTAN e de boa parte da União Europeia.