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Os laços com a Odebrecht que o presidente do Peru havia negado e que agora podem derrubá-lo

Pedro Pablo Kuczynski, presidente do Peru, no Palácio do Governo, em Lima - Peruvian Government Palace/Handout via Reuters
Pedro Pablo Kuczynski, presidente do Peru, no Palácio do Governo, em Lima Imagem: Peruvian Government Palace/Handout via Reuters

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC Brasil

Em Buenos Aires

20/12/2017 14h58

Um ano e quatro meses após tomar posse, o presidente do Peru, Pedro Pablo Kuczynski, conhecido como PPK, do Partido Peruanos pelo Kambio, corre o risco de perder o cargo nesta quinta-feira em uma votação no parlamento do país.

Seus opositores, que são maioria no Congresso, querem que o presidente seja impedido de continuar seu mandato de cinco anos que terminaria em 2021, por causa de seus supostos laços com a empresa brasileira Odebrecht. PPK é acusado de ter recebido propina para favorecer a empreiteira em projetos públicos no país enquanto atuava como ministro.

A negativa pública feita em pronunciamento televisivo há seis dias não parece ter convencido a população do país, tampouco os congressistas. A oposição a PPK é liderada pela ex-presidenciável Keiko Fujimori, da Fuerza Popular - também sob questionamentos por vínculos com a construtora. Fujimori tem a maioria dos votos no Parlamento.

Para complicar a frágil situação de PPK, que poderia ser destituído em uma espécie "impeachment express", um procedimento especialmentre rápido, setores da esquerda que tinham apoiado sua eleição em 2016 também defendem que ele deixe a Presidência antecipadamente.

Os parlamentares peruanos vão debater a "incapacidade moral" de PPK de continuar como presidente por ter, supostamente, mentido sobre seus laços com a empreiteira brasileira.

O caso, que provoca estupor no país, veio à tona há uma semana. A presidente da Comissão Lava Jato, a congressista Rosa Bartra, da Fuerza Popular, que investiga no Congresso peruano os casos envolvendo a Odebrecht e a política local, revelou que a empresa brasileira tinha informado pagamentos de cerca de US$ 800 mil por serviço de assessoria à consultoria Westfield Capital, entre 2004 e 2007.

Esta consultoria, disse Bartra, aparece como sendo de "propriedade do presidente".

PPK, de 79 anos, era ministro da Economia (2004-2005) e primeiro-ministro (2005-2006) do governo de Alejandro Toledo quando a consultoria financeira teria prestado serviços à Odebrecht em obras realizadas no país, como a da estrada Interocenánica Norte, que conecta Peru e Brasil, segundo as investigações.

Em uma entrevista à TV no domingo (17), PPK disse que tinha renunciado à administração de seus negócios quando passou a atuar em cargos públicos. Ele afirmou ter passado a gestão da consultoria para o administrador chileno Gerardo Sepúlveda. PPK disse ainda que desconhecia o contrato da Westfield com a Odebrecht e que foi informado somente depois que a Comissão da Lava Jato revelou o negócio.

O mandatário também negou a acusação de "conflito de interesse", argumentando que não respondia por suas empresas quando era ministro e presidente do Conselho de ministros (equivalente a primeiro-ministro) quando os acordos com a Odebrecht foram feitos.

No fim de semana, o presidente reconheceu ter prestado assessoria à Odebrecht por meio de outra consultoria, a First Capital, para o projeto de irrigação chamado H2Olmos, liderado pela empreiteira brasileira. "Quando me contrataram para prestar essa assessoria, eu não era ministro, era uma pessoa do setor privado", disse PPK, negando ser dono ou sócio da empresa do chileno Sepúlveda.

Em comunicado à imprensa peruana, a Odebrecht afirmou que os acordos com a Westfield Capital e a First Capital foram feitos "dentro da lei" e realizados com "o senhor Gerardo Sepúlveda".

Os argumentos não frearam a decisão da oposição de levar adiante a possível destituição do presidente.

Congresso a toque de caixa

Poucas horas depois da revelação do caso, 93 congressistas, do total de 130, votaram pela moção do pedido de impedimento.

Para que ele seja destituído são necessários 87 votos do Parlamento, que é unicameral. Logo, se a oposição for capaz de repetir nesta quinta o resultado obtido na votação para abertura do processo na semana passada, o presidente estará impedido.

No dia da votação da moção, somente o partido de PPK, o Peruanos pelo Kambio, não emitiu críticas contra o presidente. "Parece até a crônica de uma morte anunciada porque não estão dando ao presidente o direito legítimo de defesa. Querem tirá-lo do cargo", disse o congressista Gilbert Violeta, presidente do partido de PPK.

Nesta quinta-feira, quando deverá comparecer ao Parlamento, PPK terá pouco mais de uma hora para se defender das acusações, em um momento em que poderá estar acompanhado de um advogado.

Caso o presidente seja impedido, o primeiro vice-presidente, Martín Vizcarra, deve tomar posse em seu lugar já no dia seguinte, de acordo com analistas locais.

Foi a esquerda, reunida na Frente Amplio, quem propôs o impeachment assim que surgiram as denúncias contra PPK. A iniciativa recebeu respaldo quase imediato de Fujimori e de seus aliados conservadores.

Na eleição presidencial do ano passado, PPK recebeu 50,12% dos votos, e Keiko 49,88%. Mas já se sabia que, apesar da derrota, o fujimorismo continuaria com forte peso na política local por ter maioria no Congresso.

"O problema é que quando PPK foi eleito seus vínculos com a Odebrecht eram desconhecidos. Tudo isso veio à tona há poucos dias. Se os peruanos soubessem dessa história antes, teria sido um escândalo e ele não teria sido eleito", diz à BBC Brasil Carlos Aquino, professor de política econômica da Universidade Nacional de San Marcos, de Lima.

Outros acusados

Já para o analista político Alfredo Torres, da consultoria IPSOS Peru, a denúncia pegou a todos de surpresa, já que o presidente tinha negado este ano qualquer elo com a Odebrecht. "Agora, como entende-se aqui que ele mentiu, PPK poderia deixar a Presidência em um impeachment 'express' (a jato)", disse.

Na história recente do Peru, essa medida chamada de "vacancia por incapacidade moral" (afastamento por incapacidade moral) foi aplicada em 2000 contra o ex-presidente Alberto Fujimori, pai de Keiko. Na época, ele foi acusado de tentar comprar apoio de parlamentares, magistrados e meios de comunicação, como mostraram vídeos. Alberto Fujimori está preso e responde a uma série de denúncias.

Na opinião de Torres, a situação de PPK é mais instável porque ele não conta com apoio no Congresso. "PPK tem poucos votos no Parlamento. Isso complica sua situação. Keiko também tem denúncias de ter recebido dinheiro da Odebrecht na sua campanha. Mas ela tem maioria no Congresso", afirma.

Além de Keiko e de PPK, os ex-presidentes peruanos Alejandro Toledo e Ollanta Humala também foram acusados de envolvimento irregular com a Odebrecht. Toledo é considerado foragido, e Humala e a mulher, Nadine Heredia, cumprem prisão preventiva enquanto são investigados.

O ex-presidente Alan García também foi acusado de irregularidades envolvendo a empreiteira brasileira e, como seus colegas, negou as acusações.

"A situação é tão complexa que leva à interpretação de que ao denunciar PPK, os outros políticos, como Keiko, acusados de envolvimento com a Odebrecht, querem salvar a própria pele, dizendo à opinião pública que o presidente fez algo errado, mas eles não", afirma Torres.

O porta-voz da Fuerza Popular, Daniel Salaverry, disse que "o povo peruano exige que PPK renuncie" e que "seja feita uma transição constitucional" para que o primeiro vice-presidente assuma a Presidência.

O sistema político peruano inclui o presidente, dois vice-presidentes e o presidente do Conselho de Ministros, também chamado de primeiro-ministro.

Na visão do professor Carlos Aquino, a situação política do Peru resume-se à palavra "incerteza".

"Esta incerteza afeta também a economia porque é difícil saber o que vai acontecer de agora em diante. Se PPK for expulso do poder, o primeiro vice-presidente deveria assumir no seu lugar. Mas ele também parece um político frágil. Depois dele, seria a segunda vice-presidente (Mercedes Araoz), que também é fraca. Neste quadro, todos estamos na expectativa do que vai acontecer."

A economia peruana começou o ano com expansão de quase 5% ao mês, mas este ritmo já teria sido afetado, entre outros motivos, pelos escândalos envolvendo políticos locais e a Odebrecht, que estancaram investimentos em obras públicas, e ainda por inundações provocadas por fenômeno natural, segundo analistas.

A Odebrecht firmou acordo de leniência com as autoridades brasileiras em que se comprometeu a revelar malfeitos cometidos por seus executivos. No processo de colaboração, executivos da empresa admitiram ter subornado políticos em mais de dez países, sem revelar publicamente quem seriam eles. A empresa tem repetido que pretende colaborar com as autoridades.

Procurada pela BBC Brasil, a Odebrecht Peru informou que "não fará comentários sobre tema".