Por que a Áustria se tornou inspiração para nacionalistas e extrema-direita na Europa
Partido da Liberdade (FPÖ) chegou em 3º nas eleições, mas colocou propostas anti-imigração no centro do pleito e do programa do novo governo do país, do qual faz parte.
Se há uma tendência que marcou as eleições na Europa neste ano foi o bom desempenho dos partidos nacionalistas e de extrema-direita. Muitos deles se consolidaram como forças políticas boas de voto, sem conseguir, entretanto, chegar ao poder, pelo menos na Europa Ocidental.
Mas agora em dezembro, um acordo de coalizão mudou essa situação: um pacto firmado entre direita e extrema-direita levou um partido ultranacionalista, o FPÖ (Partido da Liberdade da Áustria), a integrar a coalizão de governo liderada pelo conservador ÖVP (Partido Popular).
O FPÖ chegou em terceiro na eleição, com apenas um assento a menos que o Partido Social-Democrata da Áustria, mas o ÖVP optou por formar o governo com o partido à sua direita para garantir que o foco esteja afinado em áreas como imigração e concessão de refúgio e asilo político, que foram centrais na eleição.
Acredita-se que Viena endurecerá consideravelmente suas políticas nessas áreas.
E se, por um lado, esse endurecimento preocupa a União Europeia --em que vários países, principalmente os mais poderosos, Alemanha e França, tiveram e têm de lidar com o delicado tema--, pelo outro ele é visto com inspiração política para partidos ultranacionalistas no continente que buscam transformar sua força nas urnas em um atalho para o poder.
Na Alemanha, por exemplo, a AfD (Alternativa para a Alemanha) conseguiu, em setembro, abocanhar 94 assentos no Bundestag e se consagrar como terceiro partido mais votado do país. Foi a primeira vez, desde a Segunda Guerra, que os alemães elegeram parlamentares de um partido nacionalista com uma plataforma anti-imigração.
Na Holanda, o PVV (Partido para a Liberdade), ficou em segundo lugar nas eleições realizadas em março --depois de liderar nas pesquisas.
Na França, Marine Le Pen, candidata da ultranacionalista Frente Nacional à Presidência, derrotou os candidatos dos dois partidos mais tradicionais do país para disputar o segundo turno com Emmanuel Macron.
Puxados pela imigração
O FPÖ comanda três pastas no novo governo austríaco --Interior, Relações Exteriores e Defesa-- e seu líder, Heinz-Christian Strache, é o novo vice-chanceler do país. O chanceler é Sebastian Kurz, de 31 anos, o mais jovem chefe de governo do mundo, líder do ÖVP, que abraçou a bandeira da anti-imigração em sua campanha e chegou a ser acusado, por Strache, de ter roubado propostas do FPÖ.
Ao contrário do alemão AfD, o FPÖ não é uma legenda jovem --já tem 61 anos. Apesar de ser um importante ator político na Áustria há vários anos --tendo, inclusive, feito parte do governo austríaco no início dos anos 2000--, o partido ganhou força com a crise migratória na Europa, principalmente em 2015 e 2016.
Nestes dois anos, centenas de milhares de imigrantes --muitos deles vindos de regiões de conflitos, como Síria e Iraque-- atravessaram a Áustria e muitos pediram refúgio e asilo no país.
Nesse contexto, a mensagem anti-imigração teve apelo junto a muitos eleitores.
Com a participação do FPÖ, o novo governo austríaco já anunciou planos para endurecer o controle da imigração ilegal e reduzir ajuda aos refugiados. Também se comprometeu a lutar contra extremistas islâmicos.
Fantasmas do passado
Muitos muçulmanos na Áustria --que compõem, segundo estimativas recentes, cerca de 8% da população-- temem que a comunidade islâmica passe a ser discriminada por políticas do novo governo. Já no governo anterior, o Parlamento aprovou leis proibindo o uso de véus que cobrem a face --com o niqab e a burca.
O líder do FPÖ, Heinz-Christian Strache, disse, em reuniões do partido, que "o Islã não é parte da Áustria".
E o local escolhido por Kurz e Strache para anunciar o programa do novo governo não poderia ser mais simbólico: o monte Kahlenberg, nos arredores de Viena, onde, em 1683, foi colocado um fim à invasão do Império Otomano na Europa.
Apesar de Kurz negar que a escolha do local fosse "simbólica", líderes de movimentos nacionalistas e ultranacionalistas do país elogiaram a iniciativa.
Além disso, outro fantasma do passado paira sobre o FPÖ --ele fora criado por ex-nazistas na década de 1950. E quando jovem, Strache foi detido pela polícia alemã por participar de uma marcha com tochas organizada por um grupo nazista ilegal.
Hoje, Strache diz rechaçar o extremismo, e tem, rotineiramente, expulsado ou suspendido integrantes do partido que demonstravam simpatia com a ideologia neonazista.
O último incidente nesse sentido foi protagonizado por Andreas Bors, um político do FPÖ fotografado fazendo uma saudação nazista. Bors negou ter feito o gesto, mas ainda não assumiu o assento que tinha no Parlamento.
Quebrando tabus
Para o analista político Thomas Hofer, o FPÖ passou a influenciar uma agenda mais à direita e anti-imigração não apenas na Áustria, mas também em outros países, desde que entrou pela primeira vez no governo, no início dos anos 2000.
À época, a participação da legenda no governo gerou reações adversas. Países europeus impuseram sanções diplomáticas contra Viena por causa de polêmicas declarações dadas pelo então líder do partido, Jörg Haider --morto em 2008, em um acidente de carro.
"Com Jörg Haider, eles quebraram tabus no começo desse século. Eles trouxeram à tona um monte de questões que eram, até então, intocáveis e que agora são muito populares em toda a Europa. E têm definido a agenda com propostas relacionadas à imigração e um tom populista", diz o analista.
Segundo Hofer, austríacos de extrema-direita conseguiram colocar em foco temas antes considerados secundários e que agora são "centrais em toda a Europa".
O êxito do FPÖ tem inspirado diretamente movimentos populistas e nacionalistas, incluindo o alemão AfD. As duas legendas são beneficiadas, por exemplo, pelos temores dos eleitores com a diluição da identidade nacional e com a inevitabilidade da globalização.
Aliados
No mesmo dia em que a coalizão austríaca foi anunciada, diferentes líderes de extrema-direita, entre eles a francesa Marine Le Pen e o holandês Geert Wilders, se encontraram em Praga para uma conferência organizada pelo empreendedor tcheco Tomio Okamura.
Nesse encontro, eles classificaram o êxito do austríaco FPÖ como uma "vitória histórica".
A nova coalizão na Áustria também é considerada importante para países vizinhos como República Tcheca, Hungria, Polônia e Eslováquia, conhecidos como o Grupo de Visegrad, ou V4 --uma aliança firmada entre as quatro nações para fins de colaboração--, onde a retórica anti-imigração e nacionalista já é extremamente popular.
Tensões na União Europeia
Especula-se que a Áustria deva estreitar os laços com o Grupo de Visegrad, afastando-se, assim, de aliados tradicionais como a Alemanha.
Mas, quando anunciou o acordo com o FPÖ, o chanceler Kurz reiterou que seu governo seria pró-Europa.
Strache declarou que defende a consolidação da paz na Europa, mas que quer o fim das sanções contra a Rússia --pleito compartilhado também por Le Pen e Wilders.
O desafio que FPÖ enfrenta agora é de mostrar ser capaz de governar e se manter no poder. O partido nunca conseguiu permanecer até o fim nas coalizões anteriores das quais fez parte.
Observação sobre terminologia: A BBC usa o termo imigrante para se referir a todas as pessoas que se deslocam de suas áreas e que ainda precisam completar o processo legal de pedido de asilo. Esse grupo inclui pessoas que fogem de países devastados por guerras, como a Síria, que provavelmente receberão o status de refugiado, mas também as pessoas que saem à procura de emprego e de melhores condições de vida, que os governos geralmente classificam de migrantes econômicos.
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