Quem são os jovens 'capitalistas' que escaparam da Coreia do Norte
Esta não é a típica história sobre a Coreia do Norte. Ela aborda mudanças impulsionadas por jovens que desafiam as rígidas regras impostas pelo governo do país, sob o risco de duras represálias. Trata-se de uma geração que cresceu com algum grau de acesso à informação do mundo exterior e que buscou liberdade.
O isolamento da Coreia do Norte torna difícil traçar retratos da sociedade do país. Mas um novo documentário, feito pela organização Liberdade na Coreia do Norte (LiNK), com sede na Califórnia, que ajuda refugiados norte-coreanos, dá pistas.
O projeto revela, por meio de depoimentos de cidadãos que deixaram o país, a experiência de vida da geração que vivenciou a crise de fome nos anos 1990, quando estima-se que 1 milhão de pessoas tenha morrido por conta da escassez absoluta de alimentos.
Muitos norte-coreanos tiveram de ser criativos para sobreviver e começaram a fazer negócios por meio de mercados paralelos, à margem do Estado comunista. Tais mercados são chamados de Jangmadang, nome que batiza também a geração marcada por esse tipo de comércio.
É uma geração que começou sua vida em uma época turbulenta e que pode emergir como uma "força de mudança", dizem os autores do documentário, que entrevistaram norte-coreanos que escaparam do país por diferentes vias entre 2008 e 2013.
"Nos demos conta de que morreríamos de fome se não fizéssemo nada, então, começamos a fazer trocas comerciais", diz a jovem Joo Yang no documentário.
A partir dos 6 anos de idade, ela começou a se deparar com "muitas pessoas morrendo de fome e frio" e a ver como eram insuficientes as refeições que o governo fornecia. "Comecei a pensar em fazer negócios aos 14 anos."
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Yang conhecia uma fábrica de sementes de soja e pensou em recolher os excedentes que ficavam no chão para vendê-los e, dessa transação, comprar produtos que não venciam para fazer negócio.
"Como o governo ficou pobre, não podia cuidar da gente. Perdemos a esperança nele. O governo sabia que tínhamos que criar nosso próprio futuro. Foi assim que crescemos", acrescenta Geumju, que abandonou seu país em 2008.
Sua mãe diz que essa geração não se preocupava muito com os controles sociais: "A sobrevivência vinha primeiro. Eles cresceram sendo corajosos e audaciosos."
Contato com o mundo exterior
Os mercados Jangmadang não servem apenas para comércio de alimentos. Trata-se de uma espécie de camelódromo, com produtos internacionais variados, o que faz dele um ponto de contato de muitos norte-coreanos com o mundo exterior. Era ali que Shimon Huh, de 30 anos, vendia filmes e programas de TV internacionais – primeiro em DVDs e depois em pen drives.
Danbi Kim, que, aos 15 anos, tornou-se contrabandista de produtos da China e vendedora de roupas inspiradas em programas sul-coreanos, recorda-se como as pessoas a procuravam pedindo que trouxesse programas de TV da Coreia do Sul, onde mora atualmente.
Ela lembra que, para não sofrer repressão do governo por assistir à programação de TV estrangeira, "tínhamos de fechar todas as portas e cortinas e fingir que não havia ninguém em casa". "Era divertido."
Foi por meio desses programas estrangeiros, conta a jovem, que muitos norte-coreanos se deram conta que o os outros países não estavam em crise, como haviam sido explicado por seus professores. "Outra coisas que senti foi que as mulheres são mais respeitadas fora do país. Na Coreia do Norte, elas sequer podem subir na garupa de uma moto."
Riscos
Diante da dificuldade em coibir os Jangmadang, o governo passou a tolerá-los. Mesmo assim, o risco que se corre por não cumprir as regras ainda é alto, segundo relatos dos norte-coreanos que fugiram do país. "Quem não abraça a vida socialista é considerado sujo e corrupto", diz Joo Yang.
Ela afirma que o regime realizou "execuções públicas" de subversivos, para servir de exemplo. "Fazem todo mundo estar presente para ver. Era muito jovem, mas me lembro do barulho dos disparos."
Alguns dos protagonistas do documentário chegaram a ser detidos temporariamente em alguma ocasião. Danbi Kim conta que foi levada a um centro de detenção "secreto" por ajudar a organizar uma reunião familiar na China junto com seu irmão mais velho.
"Se te mandam a uma delegacia de polícia normal, podem te bater. Mas, em um centro secreto, nem te tratam como um ser humano", diz.
Quem mais sofreu tortura foi seu irmão, que assumiu toda a culpa para que ela pudesse ficar livre. "Insistem para que você confesse e, se você não faz isso, te batem. Doía muito, fiquei roxa."
O irmão dela ainda está nas mãos das autoridades norte-coreanas, segundo o LiNK.
A liberdade
As histórias de sobrevivência por meio do capitalismo, simultaneamente ao isolamento, continuam se repetindo, dizem os documentaristas. "A geração mais velha nunca experimentou nenhum tipo de liberdade. Viveu sem saber o que era a liberdade", diz Shimon Huh.
"Mas nós crescemos aprendendo e vivendo a liberdade enquanto éramos reprimidos pelo governo, assim, nosso desejo de liberdade é mais forte."
Huh define o que é liberdade para os nortecoreanos: "Ser capaz de trabalhar em um lugar, se quiser, e de não trabalhar, se não quiser. Ser capaz de abrir seu próprio negócio, se desejar; viver onde te dá prazer e ser capaz de ir aonde quiser."
Neste momento, ele diz, essa liberdade não é possível na Coreia do Norte, mas que a tendência protagonizada por sua geração não vai cessar. "Esse trem já saiu da estação e não pode mais ser parado."
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