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Professor britânico capturado por força-tarefa global é condenado a 32 anos de prisão por pedofilia e chantagem

21/02/2018 16h09

A Justiça britânica condenou nesta semana o professor universitário Matthew Falder a 32 anos de prisão, depois que uma força-tarefa global e quatro anos de investigações revelaram que ele - que ostentava um perfil aparentemente acima de qualquer suspeita no trabalho e nas redes sociais - estava por trás de uma rede de chantagens e pedofilia que fez centenas de vítimas na internet.

O processo é apontado como o primeiro do Reino Unido relacionado a materiais pornográficos sádicos, que exibiam abusos reais e eram compartilhados na "dark web" - uma área da internet em que usuários conseguem publicar conteúdos ilegais, de forma anônima.

Falder, no entanto, não conseguiu esconder todos os rastros.

Ele foi descoberto e preso no ano passado acusado de operar ao menos três perfis com o objetivo de atrair suas vítimas e forçá-las a lhe enviar materiais muitas vezes pornográficos, posteriormente divulgados por ele nessa rede.

Para atenderem ao que exigia, ela ameaçava mandar outros conteúdos que poderiam comprometê-las para parentes e amigos.

Crimes

Crimes cometidos ao longo dos últimos oito anos foram revelados durante as investigações, iniciadas pelo FBI, nos Estados Unidos, e reforçadas posteriormente por uma força-tarefa global envolvendo serviços de segurança e inteligência também da Austrália, da Nova Zelândia, de Israel e da Europa.

Segundo os investigadores, Falder era, para quem olhava de fora, um acadêmico formado em Cambridge com um bom emprego, família e amigos.

Sua página no Twitter revela, em poucas postagens, seu interesse por dinossauros, tênis de mesa e impressões em 3D. Também exibe selfies, palavras cruzadas e uma pergunta aparentemente inofensiva: "como postar vídeos de boa qualidade?".

Nos bastidores, porém, vídeos estavam justamente entre as armas que usava para humilhar e chantagear suas vítimas.

"O pior website do mundo" revelou primeiras pistas sobre o caso

Falder operava sob nomes de usuários anônimos, ameaçando pessoas com quem conversava para que compartilhassem com ele vídeos e fotos de pedofilia - descritos na investigação como "materiais terríveis", depois repassados por ele a outros criminosos na dark web.

O esquema começou a ser revelado a partir de um trabalho que o FBI iniciou, nos EUA, em 2013, para expor usuários de sites de pedofilia nessa rede.

Para fazer a investigação, especialistas criaram seus próprios sites nos servidores que hospedavam os sites criminosos.

O objetivo era rastrear o que estava sendo dito e feito neles. E foi aí que as primeiras pistas sobre o professor apareceram.

Com a tática que utilizaram, os agentes conseguiram acessar as chamadas comunidades "hurtcore", dedicadas a compartilhar imagens de estupro, assassinato, sadismo, tortura, pedofilia, chantagem e humilhação.

Em um desses sites, o 'Hurt 2 The Core' - descrito pela NCA como "o pior website do mundo" - um usuário conhecido apenas como "Inthegarden" ("No jardim", em tradução literal) postou imagens de chantagem contra uma adolescente.

Ele foi rastreado e identificado também como autor de posts feitos no site de classificados Gumtree, uma das plataformas que usava para atrair suas potenciais vítimas.

Estratégia incluía uso de perfis falsos

Online, o suspeito fingia ser uma artista do sexo feminino deprimida, para se aproximar de outros usuários e atraí-los para bate-papos.

Ele usava ao menos três nomes de mulheres - Liz, Jess e Shona - e 30 diferentes endereços de e-mail criptografados, obtidos através de serviços da Rússia, para manter o anonimato.

Nas conversas que travava, prometia centenas, e às vezes milhares de libras, que nunca pagou, por imagens de pessoas nuas ou parcialmente vestidas.

Depois de construir um relacionamento com elas, obtinha suas informações pessoais e imediatamente removia a conversa dos servidores do Gumtree.

Suas vítimas eram então chantageadas a mandar para ele imagens descritas como "cada vez mais terríveis".

Algumas delas, com apenas 14 anos de idade, foram coagidas a se despirem, escreverem mensagens racistas e homofóbicas em sinais, e a tirar fotos de si mesmas com eles.

Outras foram forçadas a lamber assentos de vasos sanitários, a usarem absorventes internos e a comerem comida de cachorro. Alguns, obrigados a posar usando uniformes escolares.

As imagens eram então postadas em fóruns "hurtcore", onde podiam ser vistas por inúmeros membros das redes sociais globais de abuso sexual infantil.

O suspeito também oferecia conselhos a outros pedófilos de como escaparem de uma eventual captura, sugerindo que evitassem usar dinheiro. Que em vez disso usassem "vouchers para as crianças confiarem" neles.

Muitas das vítimas no Reino Unido relataram à polícia abusos cometidos pelo usuário "Inthegarden", mas não havia evidências suficientes para identificar quem estava por trás desse perfil.

Em abril de 2015, porém, a NCA descobriu o que viria a ser mais um de seus rastros. Eram postagens de um usuário chamado "666devil", em referência ao "número da besta" - 666.

'Semana infernal'

O perfil "666devil" usava a foto de uma jovem como ícone no fórum, afirmando que era uma imagem da própria "filha".

Ele dizia que planejava torturá-la durante o que apelidou de "semana infernal" e pedia aos membros que sugerissem o que poderia fazer a ela.

Os agentes tentaram identificar a garota na imagem, acessando as contas de webmail do usuário na tentativa de descobrir quem ela era e então protegê-la.

Foi aí que eles perceberam que esse usuário, o que postava sob o nome "evilmind" e o "Inthegarden" eram a mesma pessoa, e que, quem quer que fosse, havia se aproximado de mais de 200 vítimas em todo o mundo, incluindo as que vivem nos Estados Unidos.

Como neste estágio da investigação ainda não havia o bastante para identificar o suspeito, uma força-tarefa especial foi criada para reforçar a investigação e a coleta de provas contra ele.

O grupo envolvia os serviços de segurança e inteligência NCA (National Crime Agency) e GCHQ (Government Communications Headquarters), ambos no Reino Unido, o Homeland Security Investigations, nos EUA, a Polícia Federal da Austrália e o Serviço Europeu de Polícia (Europol) - e teve ramificações em Israel e na Eslovênia.

A investida se mostrou bem-sucedida.

Ao final de março de 2017, eles conseguiram vincular um suspeito a um endereço em Birmingham, na Inglaterra.

Falder foi identificado como esse suspeito em abril, colocado sob vigilância secreta por três meses e chegou a ser filmado em um trem, por exemplo, usando seu laptop.

O oficial da Agência Nacional de Crime do Reino Unido (NCA, da sigla em inglês), Matthew Long, disse que se tratava de um homem "altamente manipulador" e "sádico" que se gabava de que nunca seria pego.

Algumas das postagens que fez nesses sites foram destacadas pelos investigadores. Nelas, ele dizia, por exemplo, "fico feliz que estejam gostando do sofrimento dela (se referindo a uma vítima)" e "Adoro fazer chantagem, especialmente forçar alguém que conheço na internet a fazer coisas que não querem fazer apenas por diversão".

Prisão

No entanto, ele não conseguiu mais escapar da Justiça e, no dia 21 de junho do ano passado, policiais à paisana o prenderam em seu local de trabalho.

Falder foi algemado na sala que ocupava na Universidade de Birmingham, onde dava aulas de geofísica e de onde deverá ficar mais de seis anos licenciado após sair da prisão.

No momento em que foi capturado, dois de seus aparelhos eletrônicos foram imediatamente apreendidos, revelando o que a NCA chamou de "evidência significativa". Eles mostravam que seus crimes remontavam à 2009, quando ainda era estudante e tinha 21 anos.

A polícia descobriu que estes primeiros casos ocorreram em oito locais, envolvendo 13 vítimas.

Falder foi interrogado pela polícia durante três dias, durante os quais se recusou a fazer comentários, mas admitiu controlar a conta online do usuário "evilmind". Mas foi descoberto que ele estava por trás também dos outros perfis investigados.

Sua casa em Harborne Park Road, Edgbaston, foi invadida, revelando um ambiente caótico, com quarto desarrumado, roupas sujas, caixas velhas de pizza e moedas espalhadas pelo tapete.

Um computador de mesa e um laptop também foram encontrados, rodeados por gavetas de ferramentas e montes de fios enfiados em recipientes de plástico.

Os oficiais descobriram informações nos dispositivos muitas vezes com duplas camadas de criptografia.

Ao longo de junho e agosto do ano passado, o Crown Prosecution Service (CPS) - agência que julga casos criminais que foram investigados pela polícia e outras organizações de investigação na Inglaterra e no País de Gales - trabalhou com autoridades nos EUA e foi decidido, por fim, processá-lo no Reino Unido.

Vítimas

Documentos divulgados pela CPS e pela NCA mostram que, durante essa quase uma década de crimes, sua lista de vítimas incluiu meninos, meninas, homens e mulheres. Estima-se que ele tenha feito cerca de 50 vítimas em um período de oito anos compreendido entre 2009 e 2017.

"Ele buscava suas vítimas no Gumtree e até mesmo em sites pró-anorexia", disse Ruona Iguyovwe, da CPS. "E gostava de humilhá-las".

"Algumas dessas vítimas", disse Iguyovwe, "contaram que, desde que entraram em contato com ele, tentaram suicídio várias vezes. Outras disseram que nunca superariam o que aconteceu, que sempre se sentiriam "sujas, como mercadorias usadas".

Uma mãe que foi forçada a enviar imagens da filha a ele, disse sentir "como se tivesse falhado enormemente com a menina". "Isso nunca desaparecerá. Vou ter que lutar com a culpa pelo resto da minha vida".

Julgamento

Algumas de suas vítimas estiveram no tribunal para ouvir a sentença e não conseguiram conter as lágrimas.

Foram três dias de julgamento em que ele, por sua vez, não demonstrou qualquer emoção.

Apontado como "sádico e manipulador", Falder admitiu 137 acusações das 188 que pesavam contra ele - que vão desde encorajar o estupro de uma criança de quatro anos a possuir um manual de pedofilia. As 51 acusações restantes permanecem arquivadas.

Um dos agentes envolvidos na operação de captura dele, Will Kerr, da NCA, disse que, em 28 anos de polícia, nunca se deparou com um "indivíduo mais perigoso".

O agente de supervisão de investigações, Scott Crabb, da Homeland Security, nos EUA, o descreveu como "monstro" e a seus atos, de "pura crueldade".

"Falder é absolutamente o pior explorador infantil e chantageador que já vi", disse.

A NCA afirma que o homem de 29 anos simplesmente gostava de infligir dor. E o descreve como um dos criminosos mais "atuantes e depravados" que encontrou até agora.

Ao comentar sobre o julgamento, o Gumtree disse, por meio de porta-voz, que aplaudia a condenação pelos "crimes terríveis" que cometeu, acrescentando que o site leva "a segurança de seus usuários extremamente a sério".

A Universidade de Cambridge, por sua vez, informou que estava "buscando ativamente" retirar as qualificações acadêmicas que Falder obteve.