O que significa para a Rússia que seus diplomatas já tenham sido expulsos de 27 países
Na mais séria crise diplomática entre Rússia e Ocidente desde a anexação da Crimeia, em 2014, um total de 27 países anunciaram a expulsão de mais de 140 diplomatas russos nos últimos dois dias.
A expulsão é uma retaliação ao ataque, com o gás nervoso novichok, de um ex-espião russo em solo britânico e sua filha - o Reino Unido alega que o envenenamento na cidade de Salisbury foi obra do governo russo, que nega ter participação no episódio.
Em solidariedade ao governo britânico, EUA, Canadá, Austrália, 23 países europeus e a Otan (aliança militar ocidental) também determinaram a saída de diplomatas russos de suas dependências.
O chanceler russo, Sergei Lavrov, afirmou que haverá uma reação oficial ao episódio e que "sobraram poucos países independentes no mundo moderno, na Europa moderna". Ele fez crítica específica aos EUA:
"Quando um ou dois diplomatas estão sendo expulsos desse ou daquele país, enquanto sussurram desculpas em nosso ouvido, sabemos com certeza de que se trata de uma pressão colossal, de uma chantagem colossal, que infelizmente é a principal ferramenta de Washington atualmente na área internacional."
E o que essa crise vai significar para a Rússia e suas relações internacionais?
Antes de mais nada, trata-se de uma significativa vitória diplomática para a primeira-ministra britânica Theresa May, em um momento de tensas negociações entre Reino Unido e União Europeia, por conta do Brexit.
A estratégia britânica foi bem-sucedida até agora em acusar Moscou desde o início, mas evitar entraves bilaterais ao lançar o assunto aos fóruns internacionais disponíveis - União Europeia, Otan, ONU e a Organização para a Proibição de Armas Químicas.
Além disso, o episódio parece evidenciar um endurecimento da posição do governo americano no que diz respeito à Rússia - apesar de, na semana passada, Trump ter pessoalmente ligado para Putin para parabenizá-lo pela vitória na questionável eleição presidencial russa.
Diplomatas 'agentes de inteligência'
Segundo Jonathan Marcus, especialista da BBC em assuntos diplomáticos, é possível presumir que parte ou a maioria dos russos expulsos são agentes de inteligência. Por isso, é possível que o impacto das expulsões nas atividades de espionagem russa no exterior seja considerável.
É possível, também, que a Rússia tenha se surpreendido com o grau de solidariedade recebido pelos britânicos no episódio.
"Sob os olhos de Moscou, o Reino Unido encontrava-se fraco e cada vez mais isolado internacionalmente; a UE estava distraída com seus próprios problemas; e o governo Trump continuava comprometido com a curiosa falta de vontade de Trump de punir (os russos)", prossegue Marcus.
"Isso pode ter sido um erro sério de Putin. Em muitos sentidos, estamos assistindo a uma surpreendente mostra de ação conjunta europeia, ainda que o presidente russo possa preferir destacar o fato de nem todos os membros do bloco europeu terem participado (da expulsão)."
Mas talvez a mudança de tom dos EUA é que seja a mais significativa: além de expulsarem 48 diplomatas e fechar o Consulado russo em Seattle, os EUA determinaram a saída de outros 12 diplomatas russos na ONU, que foram descritos pelo Departamento de Estado americano como "agentes de inteligência" que "abusaram de seu privilégio de residência nos Estados Unidos".
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Até pouco tempo atrás, Trump parecia estar deixando de lado o envenenamento ocorrido em solo britânico e planejava um novo encontro com Putin. Agora, a dúvida é se esse encontro vai se concretizar, e quando.
A crise diplomática internacional ocorre no momento em que a equipe que supervisiona a política externa americana está mudando significativamente - o ex-chefe da CIA Mike Pompeo vai assumir o Departamento de Estado e o diplomata John Bolton passará a chefiar o Conselho de Segurança Nacional.
Pompeo possivelmente tem conhecimento amplo da atividade de inteligência russa, e Bolton advoga há tempos pelo endurecimento de postura com relação a Moscou.
A Rússia agora está mais isolada diplomaticamente, e um período mais tenso entre Moscou e o Ocidente deve vir pela frente.
Mas, segundo Marcus, é também o momento de os governos ocidentais definirem exatamente qual é o "problema" russo - e como se comportar em relação a ele.
"Comparar a crise atual com a Guerra Fria é um exagero: a Rússia não é a União Soviética, um ator global com uma ideologia que mobiliza pessoas ao redor do mundo. O país tem fortalezas mas também fraquezas, incluindo sua economia. Nos anos recentes, Putin conseguiu focar nos temas onde o país tem fortes laços históricos ou diplomáticos", diz o analista.
"Essencialmente, Moscou é uma potência com alcance no que os russos chamam de 'exterior próximo', o que significa ameaças, sobretudo, a países vizinhos (onde há focos de rejeição à Rússia) como Geórgia e Ucrânia. A Síria (onde Putin tem forte influência) também pode ser incluída nessa definição."
É possível, segundo Marcus, que o poder russo esteja chegando a seu auge. "O país continua a ter uma habilidade extraordinária de causar perturbações internacionalmente por meio de hackers, guerra de informações e pelo apoio a partidos políticos extremistas. Para contrapor isso, governos ocidentais talvez precisem gastar mais em defesa, mas acima de tudo precisam tornar suas sociedades mais resilientes. O primeiro passo é chegar a um consenso sobre o problema. E o uso de gás nervoso na cidade de Salisbury parece ter colocado esse processo em prática."
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