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O muro de Trump: situação na fronteira dos Estados Unidos com o México justifica a 'emergencial nacional' a ser decretada?

Garota da Guatemala próxima junto à cerca da fronteira entre EUA e México, na cidade de Tijuana - Guillermo Arias / AFP
Garota da Guatemala próxima junto à cerca da fronteira entre EUA e México, na cidade de Tijuana Imagem: Guillermo Arias / AFP

Da redação* - BBC News Mundo

17/02/2019 10h59

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, confirmou nesta sexta-feira (16) que vai realmente decretar estado de emergência nacional no país. A medida lhe permitirá usar dinheiro de outras áreas do orçamento para cumprir sua promessa de erguer um muro na fronteira com o México.

Ao anunciar a medida na Casa Branca, Trump usou várias vezes o termo "invasão" para descrever a situação na fronteira sul dos EUA.

Com o estado de emergência, Trump conseguirá passar por cima da oposição do Partido Democrata no Congresso - e usar dinheiro da área militar para concretizar seus planos.

Mas o próprio presidente dos EUA reconheceu que a medida deverá enfrentar questionamentos jurídicos.

Os críticos do republicano dizem que a "emergência" criada por Trump é uma "crise fabricada", e afirmam que há muito menos gente atravessando a fronteira ilegalmente hoje do que em décadas passadas.

Mas o que está acontecendo realmente na fronteira sul dos EUA?

Quantas pessoas cruzam a fronteira ilegalmente?

É impossível saber com certeza este número.

Oficiais da Agência de Aduanas e Proteção Fronteiriça americana (CBP, na sigla em inglês) prenderam um total de 396.579 pessoas na fronteira sul no ano de 2018 - e 303.916 em 2017.

O número (de detidos) tinha caído drasticamente no primeiro ano de governo de Trump - 2017 - mas voltou a crescer em 2018.

Numa perspectiva mais ampla, os números mostram uma forte queda no número de pessoas presas tentando cruzar a fronteira nos últimos 18 anos.

Então, há realmente uma "crise" de imigração ilegal na fronteira sul dos EUA?

"Não", diz Jacinta Ma, diretora de Políticas de Apoio do Fórum Nacional de Imigração, uma organização norte-americana de apoio aos imigrantes.

"Mesmo com o aumento do último ano, os números estão muito abaixo daqueles do começo da década de 2000", diz ela.

Vistos vencidos são 'problema' maior que a fronteira

Em primeiro lugar, a entrada de imigrantes ilegais nos Estados Unidos não acontece só na fronteira com o México.

Em 2017, por exemplo, as autoridades norte-americanas detiveram 3.027 pessoas que tentavam entrar ilegalmente pela fronteira com o Canadá. Outras 3.588 foram presas enquanto tentavam entrar pela costa americana.

Além disso, a maioria dos imigrantes ilegais vivendo hoje nos Estados Unidos são aqueles que entraram de forma legal - mas permaneceram no país depois que seus vistos venceram.

De acordo com as informações mais recentes do Departamento de Segurança Nacional (Homeland Security, ou DHS na sigla em inglês) e do Centro de Estudos da Migração (um grupo de especialistas apartidários), o número anual de pessoas que fica além do prazo do visto supera desde 2007 o de imigrantes que atravessam a fronteira ilegalmente.

Em 2017, os canadenses formaram o maior grupo de imigrantes que entraram nos EUA por via aérea ou marítima e permaneceram ilegalmente no país, seguidos pelos mexicanos.

É preciso levar em conta ainda que a maioria dos canadenses e mexicanos entra nos EUA (legalmente) por terra - mas as informações sobre pessoas que ficam além do que permitem seus vistos só contabiliza aqueles que chegam de avião ou barco.

Em 2016, pelo menos 739.478 pessoas permaneceram no país depois que seus vistos tinham expirado - no mesmo ano, 562.204 pessoas atravessaram a fronteira ilegalmente.

Também é importante levar em conta que o número de imigrantes sem documentos vivendo nos EUA na verdade caiu desde 2007, segundo informações do Pew Research Center. E parte significativa desta redução se deve ao menor número de pessoas vindo do México.

O número de detenções na fronteira sul dos EUA alcançou o ponto máximo no ano 2000, quando 1,6 milhão de pessoas foram detidas.

Segundo a estimativa do Pew Research Center, havia 10,7 milhões de imigrantes ilegais vivendo nos EUA em 2016.

Mais gente pedindo asilo

Os números de detenções divulgados pela agência fronteiriça americana, a CBP, incluem também as pessoas que estão na verdade pedindo asilo nos EUA.

No ano fiscal de 2018, as autoridades norte-americanas consideraram que 92.959 pessoas na fronteira estavam realizando pedidos de asilo com motivações críveis.

É um grande salto em relação a 2017, quando se contabilizaram 55.584 pedidos de asilo.

Kate Jastram é advogada e comanda o Centro de Estudos de Gênero e Refugiados da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia. Segundo ela, famílias fugindo da violência na América Central começaram a formar uma parte maior das pessoas que tentam atravessar a fronteira a partir de 2014.

"Agora o que vemos são famílias e crianças que buscam proteção", disse ela.

Em novembro, uma caravana com sete mil migrantes chegou à fronteira dos EUA com o México - muitos deles diziam estar fugindo da violência em países como Honduras, Guatemala e El Salvador.

Trump, por sua vez, chamou a caravana de "invasão".

Em geral, a taxa de pedidos de asilo recusados nos EUA tem aumentado nos últimos seis anos.

O que o governo Trump tem feito a respeito?

Nos últimos dois anos, Trump e seu governo aprovaram diversas medidas dissuasórias - que afetam tanto os imigrantes que cruzam ilegalmente a fronteira quanto os que pedem asilo político.

Algumas das medidas são:

  • Solicitantes de asilo pegos atravessando ilegalmente a fronteira esperam o resultado de seus pedidos no México;
  • Funcionários reduziram a quantidade de casos de asilo que processam a cada dia;
  • Em junho passado, o então procurador-geral Jeff Sessions anunciou que ser vítima de violência doméstica ou gangues - como a Mara Salvatrucha, de El Salvador - não serviria mais de motivo para pedidos de asilo.
  • Em meados de 2018, agentes da fronteira separaram milhares de crianças migrantes de seus pais, como parte da política de "tolerância zero" contra imigrantes ilegais.

'Terroristas?'

Num informe recente, a Casa Branca afirmou que, em 2017, as autoridades impediram a entrada de 3.755 "terroristas" ou "suspeitos de terrorismo" nos EUA.

Mas este número inclui os suspeitos detidos em qualquer fronteira dos EUA, e a maioria deles foi detida nos aeroportos.

"O debate é sobre um muro fronteiriço terrestre. Incluir estatísticas de aeroportos é irrelevante e enganoso", disse Todd Bensman, do Centro de Estudos da Imigração.

Bensman é um ex-agente de inteligência antiterrorista, que atuou na fronteira sul do Texas. Analisando dados de "uma fonte confiável da comunidade de inteligência", ele concluiu que algo em torno de 100 migrantes suspeitos de terrorismo foram detidos na fronteira sul dos EUA entre os anos de 2012 e 2017.

Segundo David Bier e Alex Nowrasteh do Instituto Cato, um think-tank sediado em Washington D.C., não há um único ataque terrorista em território americano que tenha sido realizado por imigrantes ilegais da fronteira sul, entre os anos de 1975 e 2017.

*Participaram desta apuração os repórteres da BBC Micah Luxen, Jessica Lussenhop e Rajini Vaidyanathan.

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