A crise que derrubou o ministro Vélez em 9 tuítes
À frente do Ministério da Educação, o colombiano Ricardo Vélez ficou sob fogo cruzado de polêmicas e disputas internas na pasta.
O ministro da Educação, Ricardo Vélez, foi demitido do posto na manhã desta segunda-feira, depois de uma série de polêmicas e desgastes que marcaram seus 97 dias na gestão do MEC.
A polêmica mais recente foi uma entrevista ao jornal Valor Econômico, no início de abril, em que Vélez afirmou que pretendia mudar a forma como o golpe de 1964 e a ditadura militar são retratados nos livros didáticos, "para dar uma visão mais ampla da história".
Na sexta-feira, em café da manhã com jornalistas em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que Vélez é "uma boa pessoa", mas que "está bastante claro que não está dando (sua gestão do MEC)" e indicou que o removeria do ministério hoje. Nesta segunda-feira, Bolsonaro confirmou por meio do Twitter que o colombiano naturalizado brasileiro não ocupa mais o cargo.
Como este desfecho, boa parte dos principais episódios que agora culminaram na demissão de Vélez passaram pelas redes sociais.
E alguns dos personagens mais importantes dessa trama também recorreram primeiro às redes para escancarar ou botar panos quentes nas crises que marcaram a gestão do colombiano.
A própria nomeação de Vélez foi anunciada por Bolsonaro no Twitter em novembro, ainda durante o período de transição.
Como pano de fundo da demissão, há no ministério uma disputa entre técnicos, um grupo relacionado aos quadros do Centro Paula Souza - autarquia do governo estadual de SP que administra escolas técnicas no Estado -, nomes ligados ao escritor Olavo de Carvalho e militares. Vale lembrar que, em especial, os dois últimos grupos são das bases mais importantes da gestão de Bolsonaro.
Relatos de que havia um quadro implosivo dentro do ministério irritaram Vélez, que no dia 15 escreveu no Twitter atacando a imprensa: "A mídia cumpriria seu papel com os cidadãos deste país se sua real preocupação fosse informar. Qual o interesse de vocês em fomentar uma atmosfera apocalíptica? Torcer pelo sucesso do Governo é uma opção, mas vocês querem manchetes escandalosas".
Com a concretização, na vida real, de uma crise que exibia rusgas nas redes, a BBC News Brasil listou os tuítes que ajudam a entender os principais marcos desta crise.
18 de fevereiro: Pedido de desculpas e declaração de amor
Em 279 caracteres, Vélez incluiu em um tuíte uma declaração de amor e um pedido de desculpas.
"Amo o Brasil e o nosso povo, de forma incondicional, desde a minha chegada aqui, em 1979 e, especialmente, desde a minha naturalização como brasileiro, em 1997", escreveu.
Era um posicionamento em relação a uma polêmica fala sua publicada 17 dias antes, no primeiro dia de fevereiro, pela revista Veja. O ministro disse que "o brasileiro, viajando, é um canibal": "Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola".
Publicada a entrevista, Vélez disse no Twitter que a Veja colocou palavras suas "fora de contexto" e pediu perdão "a quem tiver se sentido ofendido". A revista negou ter descontextualizado a fala de Vélez e publicou a gravação da entrevista.
Episódios como este, ao longo dos meses, criaram em parte do governo a percepção de que Vélez era uma pessoa de temperamento explosivo, segundo disse um interlocutor à BBC News Brasil.
26 de fevereiro: o hino e a carta
"Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!".
A mensagem escrita por Vélez Rodríguez, deveria, segundo carta por ele assinada e enviada a diretores de escolas em 25 de fevereiro, ser replicada em colégios de todo o país.
O ministro orientava que "no primeiro dia da volta às aulas, seja lida a carta que segue em anexo nesta mensagem" - com a presença de "professores, alunos e demais funcionários da escola, com todos perfilados diante da bandeira nacional (se houver)".
"Que seja executado o hino nacional" e "que um representante da escola filme trechos curtos" da leitura e da reprodução do hino, acrescentava o documento.
Já a parte final da mensagem é o bordão usado por Bolsonaro nas eleições de 2018 - por isso, ele foi acusado de levar uma mensagem eleitoral para dentro das escolas e de pedir filmagens de crianças sem que houvesse autorização dos pais para tal.
A reação foi ruim: no dia seguinte, o vice-presidente Hamilton Mourão criticou a inclusão do slogan de campanha na mensagem. "Foi o único problema que o ministro teve quando redigiu isso aí. É contra a legislação", disse.
Naquele dia 26, Vélez reconheceu o erro. No Twitter, o MEC anunciou o envio de uma nova carta do ministro, "atualizada", em que agora os diretores eram convidados a fazer filmagens "voluntariamente": "A atividade faz parte da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais e a participação é voluntária".
8 de março: a degola dos 'olavetes'
No começo de março, o feriado de Carnaval ajudou a abaixar a temperatura das tensões no Ministério da Educação. Foi só na volta do recesso que o episódio da carta produziu seus primeiros efeitos na estrutura do ministério.
Parte do corpo do MEC, de origem técnica ou vinculada aos militares, responsabilizou os alunos e seguidores de Olavo de Carvalho - grupo conhecido como os "olavetes" - pela ideia da carta.
No Facebook, o então assessor especial da pasta Silvio Grimaldo anunciou ele próprio que deixaria o governo, como parte de um "expurgo de alunos do Olavo de Carvalho" - "a maior traição dentro do governo Bolsonaro que se viu até agora", escreveu.
Ainda na rede social, Grimaldo afirmou que ficou sabendo durante o Carnaval que perderia suas funções no gabinete e seria transferido para a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) - em suas palavras, "apenas um prêmio de consolação pelos serviços prestados, uma política comum com os que se tornam indesejados no MEC". Insatisfeito com a oferta, o aluno de Olavo afirmou que havia pedido sua exoneração.
De fato, sua exoneração e a de mais cinco pessoas - incluindo Tiago Tondinelli, chefe de gabinete - seria consolidada nos dias seguintes.
Nessa leva saiu também o coronel Ricardo Roquetti, então assessor. Ele ganhou a antipatia dos "olavetes", que propagaram nas redes sociais a hashtag #ForaRoquetti.
No dia 8, o próprio Olavo também colocou a boca no trombone - do Twitter. Apesar de depois dizer que não havia rompido com o governo, o escritor disse que todos os seus alunos que ocupavam cargos vinculados ao Planalto deveriam "abandoná-los o mais cedo possível e voltar à sua vida de estudos": "O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo".
"Jamais gostei da ideia de meus alunos ocuparem cargos no governo, mas, como eles se entusiasmaram com a ascensão do Bolsonaro e imaginaram que em determinados postos poderiam fazer algo de bom pelo país, achei cruel destruir essa ilusão num primeiro momento", escreveu.
12 de março: cai o primeiro 'número dois'
Por sua vez rechaçado pelos "olavetes", Luiz Antonio Tozi, então secretário-executivo da pasta, teve sua demissão anunciada no Twitter por Vélez: "Dando sequência às mudanças necessárias, agradecemos a Luís Antônio Tozi pelo empenho de suas funções no MEC (...)".
O cargo é considerado o "número dois" do MEC. Tozi fazia parte de outro grupo influente na pasta, com origens no Centro Paula Souza.
No mesmo tuíte, Vélez anunciou que assumiria a vaga o então secretário adjunto, Rubens Barreto da Silva. Mas isso duraria pouco.
14 de março: a terceira 'número dois'
"Olavetes" não gostaram da indicação de Barreto, que acabou não concretizada.
Em 14 de março, Vélez anunciou no Twitter um novo nome: "De volta a Brasília, confirmo que Iolene Lima (@iolenemlima), da Secretaria de Educação Básica, assumirá a Secretaria Executiva do Ministério da Educação".
O bastão também ficaria nas mãos de sua nova dona, uma educadora ligada a uma igreja batista e que já ocupava outro cargo no MEC, por pouco tempo.
22 de março: um 'quadro bastante confuso'
Mal havia criado uma conta no Twitter, Iolene teve de usar a rede para anunciar que também deixaria o ministério - ela teve dificuldades em ser aceita pelo governo Bolsonaro e seus principais apoiadores.
"Diante de um quadro bastante confuso na pasta, mesmo sem convite prévio, aceitei a nova função dentro do ministério. Novamente me coloquei à disposição para trabalhar em prol de melhorias para o setor. No entanto, hoje, após uma semana de espera, recebi a informação que não faço mais parte do grupo do MEC", escreveu, em uma mensagem que não está mais no ar.
27 de março: prenúncios da demissão
No início da semana, uma portaria do MEC anunciou que uma prova que avaliaria a alfabetização de crianças, parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), não seria mais realizada em 2019 - apenas em 2021.
O episódio levou a mais atritos, demissões e recuos no ministério - que voltou atrás e, depois, revogou a portaria.
A crise foi vista como a gota d'água para a sobrevivência de Vélez à frente da pasta, e o canal GloboNews chegou a anunciar que Bolsonaro havia decidido demitir o ministro.
Poucas horas depois, no dia 27, Bolsonaro foi ao Twitter negar e acusar a imprensa: "Sofro fake news diárias como esse caso da 'demissão' do Ministro Velez. A mídia cria narrativas".
Vélez retuítou a mensagem do presidente.
8 de abril: confirmação da queda
Após dar sinais claros em entrevistas de a posição de Vélez no ministério estava em risco, o presidente Bolsonaro confirmou nesta segunda-feira a demissão.
"Comunico a todos a indicação do Professor Abraham Weintraub ao cargo de Ministro da Educação. Abraham é doutor, professor universitário e possui ampla experiência em gestão e o conhecimento necessário para a pasta. Aproveito para agradecer ao Prof. Velez pelos serviços prestados", escreveu o presidente.
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