Nem Congresso nem militares querem derrubar Bolsonaro, diz consultor cotado para embaixador nos EUA
O Congresso "não quer emparedar" o governo de Jair Bolsonaro, e a hipótese de um articulação dos militares para derrubar o presidente é "lunática".
Essa é a avaliação do presidente da Arko Consultoria, Murillo de Aragão, que após quase quatro décadas de atuação como consultor político em Brasília se tornou um interlocutor privilegiado junto a autoridades dos três Poderes da República.
Em entrevista à BBC News Brasil sobre a turbulência prematura do governo, Aragão atribui as dificuldades de Bolsonaro à "narrativa agressiva" mantida pelo presidente após a eleição.
Evitando fazer previsões sobre as manifestações convocadas por apoiadores do presidente para o domingo --mobilização que ganhou forte caráter de crítica ao Congresso--, ele ressalta que a opção de Bolsonaro de não formar uma coalizão com diferentes partidos deu mais independência ao Congresso.
Ainda assim, Aragão acredita que pautas de interesse do governo, como a reforma da Previdência, serão aprovadas, após alguns ajustes.
"Pelo que eu converso [com parlamentares], e eu conversei com o Rodrigo Maia [presidente da Câmara] várias vezes nos últimos tempos, não vejo a menor disposição do Congresso de emparedar o governo", ressalta Aragão, que desde 2017 preside também o Conselho de Comunicação Social do Congresso.
"E os militares vão apoiar o Bolsonaro até o final porque são disciplinados, leais e hierarquizados. Eles podem não estar gostando, mas [imaginar] que eles conspirariam [contra Bolsonaro] jamais", reforça.
A interlocução com empresários e investidores americanos levou Aragão a ser cotado para cargo de embaixador brasileiro nos Estados Unidos, país onde há quase três décadas atua como palestrante.
Em 2017, começou a dar aulas sobre sistema político brasileiro na Universidade Columbia, em Nova York.
Aragão confirma ter a simpatia de setores da equipe econômica e da ala militar do governo para assumir o posto. O chanceler Ernesto Araújo, porém, tenta emplacar Nestor Forster, diplomata que o apresentou para o escritor Olavo de Carvalho, segundo a imprensa brasileira.
A disputa levou Aragão a também ser alvo de ataques do grupo dos chamados "olavistas". Em março, Carvalho chamou o consultor de "petista" e "homem de Lula" por sua atuação no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, que periodicamente reunia representantes de diversos segmentos da sociedade para discutir temas conjunturais no Palácio do Planalto.
Aragão integrou o órgão de 2007, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, até 2018, no governo de Michel Temer. Bolsonaro extinguiu o conselho.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Sem base política, o presidente Bolsonaro tenta se fortalecer frente ao Congresso por meio da mobilização popular. A convocação de protestos com esse mote é uma jogada arriscada? Quais podem ser os efeitos dessas manifestações?
Murillo de Aragão - Temos que ter cautela nesse momento para analisar qualquer desdobramento dessa questão. Em primeiro lugar, o Bolsonaro está sendo coerente com o discurso político que o elegeu, de nova política. Isso não surpreende. O segundo ponto é que esse discurso obviamente tem consequência, ele gera uma autonomia maior por parte do Congresso Nacional.
É um processo que vem ocorrendo desde quando a Dilma Rousseff assumiu [como presidente, em 2011] e tinha dificuldades de estabelecer um relacionamento político com o Congresso, o que gerou uma autonomia do Legislativo.
Na hora que o governo [Bolsonaro] propõe um novo tipo de relacionamento, mas esse relacionamento não está ainda muito claro, o Congresso se sente liberado para exercer suas competências. E o Congresso é tão legítimo quanto o presidente porque o Congresso também foi eleito, também é governo.
Na verdade, o que a gente tem não é uma crise de relacionamento, mas uma afirmação institucional do Congresso frente um novo modelo de política que ainda não está claro.
O presidente parece não reconhecer essa legitimidade ao atacar o Congresso.
Aragão - Essa narrativa eu não concordo inteiramente. Tanto que ele falou: "se o Congresso tem uma proposta de reforma da Previdência melhor, que coloque em votação". O discurso central do Bolsonaro é contra o toma lá da cá que existiu nos governos anteriores, na concepção dele, mas não contra a autonomia do Congresso.
Agora, como ele adota uma narrativa mais agressiva, isso gera uma reação porque o Brasil funciona com o software do consenso, não com o software do confronto. Essa narrativa que existiu na campanha eleitoral e ainda contamina a atitude do governo no seu início gera desconforto, ela gera mais calor do que luz, isso cria esse ambiente de confusão institucional.
O governo tem batalhas importantes nos próximos dias e semanas, como aprovar a medida provisória que mudou a estrutura do governo e o crédito suplementar para não desrespeitar a regra de ouro (que impede que o governo se endivide para pagar despesas correntes). Como vê a disposição do Congresso para aprovar essas pautas?
Aragão - O Congresso vai aprovar as pautas em discussão. Isso vai acontecer. Mas o Congresso irá promover mudanças nessas pautas.
Pelo que converso [com parlamentares], e eu conversei com o Rodrigo Maia [presidente da Câmara] várias vezes nos últimos tempos, não vejo a menor disposição do Congresso de emparedar o governo.
O Congresso não quer emparedar o governo, mas que exercer sua autonomia e as suas prerrogativas de dar opiniões sobre as questões, porque, do contrário, não precisava do Congresso.
Com relação à Previdência, o Congresso está totalmente comprometido em aprovar uma reforma consistente, isso deve acontecer até o final do ano nas duas Casas [Câmara e Senado].
Passando essas pautas difíceis, a relação entre governo e Congresso talvez possa se distender um pouco?
Aragão - Eu não sei se a palavra certa é distender, mas tenho certeza de que o Congresso passará a ter algumas prerrogativas, algumas atitudes de maior independência com relação ao governo. Acho que isso não tem volta.
Por exemplo, além da discussão sobre tornar o Orçamento totalmente impositivo [o que tornaria obrigatória a execução do Orçamento exatamente como aprovado pelo Congresso], há um debate sobre o controle das alíquotas de IPI, que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) está propondo [para limitar a capacidade do governo de mexer no Imposto sobre Produtos Industrializados]. Já há também um debate sobre uma emenda parlamentarista [para alterar o regime de governo do país, criando o cargo de primeiro-ministro].
O Congresso pode também impor restrições à edição de medidas provisórias, que ainda é muito relaxada, pode revogar iniciativas do Executivo via decreto legislativo [como o decreto recente de Bolsonaro para flexibilizar o acesso a armas].
Então, o que eu vejo é que, na medida que o Bolsonaro não propõe um governo de coalizão [com os partidos presentes no Legislativo], mas sim um governo de agendas, as agendas serão feitas em comum acordo com o Congresso, isso dará independência ao Congresso. Isso é absolutamente democrático. A gente pode não gostar do Congresso, mas a democracia funciona assim.
Um governo de agenda ou um governo de enfrentamento?
Aragão - O enfrentamento é natural. Como o Brasil é um país que sempre funcionou no consenso, na hora que você tem um software de enfrentamento, um software de discussão, isso gera esse tipo de estranhamento. Mas eu vejo que essa questão é muito importante hoje para o Brasil, porque nunca antes na história do Brasil, para repetir [a expressão do] Lula, as questões foram colocadas de forma tão grande.
A gente discute a reforma da previdência há 30 anos, mas sempre assim, à meia boca, não querendo ofender os funcionários públicos, não querendo ofender aqueles que têm privilégios, sempre um negócio meio devagar.
E hoje você tem um ministro [Paulo Guedes, da Economia] que diz o seguinte: "olha, nós estamos quebrados, o Judiciário tem aposentadoria média de tantos mil [R$ 18 mil, segundo dados de 2017] e para o trabalhador privado é pouco mais de mil reais. Vocês estão topando pagar isso aí?".
Essas questões colocadas assim estão desnudando problemas do Brasil que sempre foram meio encobertos. Isso é novo na política brasileira, e não é ruim, desde que, claro, se mantenha dentro da boa educação, o que algumas vezes não parece existir, e dentro das regras da democracia. E que vença quem tiver mais voto.
Mas essa política de enfrentamento do Bolsonaro em várias frentes, com discurso radicalizado, não gera certa paralisia no governo, afetando a disposição dos empresários para investir?
Aragão - É verdade. Como eu disse, faz parte da democracia [o conflito], desde que as coisas ocorram com boa educação e nos limites da democracia. Eu não gosto, obviamente, da mediatização excessiva dos confrontos, dos ataques, das perseguições, do uso das redes sociais para vilanizar os adversários. Isso é muito feio e isso é ruim, porque tem efeito colateral importante.
O Brasil tem outra característica também: não tolera o mau humor. O governo Dilma tinha uma imensa carga de mau humor, isso contaminou o país, tanto que as manifestações eram robustas. Contra o Temer, que teve problemas até mais graves que a Dilma, nunca conseguiram levar às ruas uma multidão porque ele não contaminou o país com mau humor.
Ele era um cara elegante, cordato. Essa lição o governo tem que aprender: tem que defender suas posições, mas não pode lançar mão da irritação, da agressividade, porque isso pode trabalhar contra ele.
Além dos problemas com o Congresso, o governo tem enfrentamentos internos. A ala mais ligada a Olavo de Carvalho considera que o vice-presidente Hamilton Mourão teria pretensões de ocupar o lugar de Bolsonaro. O senhor considera possível uma articulação dos militares para derrubar o presidente?
Aragão - Não, eu acho essa hipótese lunática. Jamais os militares iriam conspirar contra um presidente eleito. Por mais que setores deles tenham ficado insatisfeitos com ataques que os militares receberam do governo, eles são absolutamente hierárquicos, e o presidente da República é o comandante em chefe das Forças Armadas.
Essa noção de hierarquia está muito clara dentro do relacionamento deles com o presidente.
Outro ponto é que uma derrubada não nasce de um dia para o outro. Se você fizer uma analogia com o que ocorreu em 1964 [golpe militar que derrubou o presidente João Goulart], 64 é resultado de um caminhão de eventos que ocorrem desde os anos 20, que passa pela revolução de 30 [que levou Getúlio Vargas à Presidência], que passa pela Intentona Comunista [tentativa de derrubar Vargas], que passa pela redemocratização em 1945, pelo suicídio de Getúlio [em 1954], pela eleição de Jânio Quadros [em 1960], a vinda do João Goulart [vice-presidente que assume o comando do país em 1961 com a renúncia de Quadros], o tumulto que foi o governo Goulart, sobretudo econômico.
Tudo isso gerou 1964, não tem nada a ver com a situação que existe hoje. E os militares vão apoiar o Bolsonaro até o final porque são disciplinados, leais e hierarquizados. Eles podem não estar gostando, mas [imaginar] que eles conspirariam [contra Bolsonaro] jamais.
Não me refiro a um cenário como 1964. O senhor não vê a possibilidade de o Mourão fazer um papel parecido com o do Michel Temer, que se colocou disponível para assumir o governo e teria articulado o impeachment da Dilma?
Aragão - Eu estou em Brasília desde 1981, acompanhei de perto todos esses episódios, e muito de perto alguns deles, conversando com os protagonistas do processo. O Michel Temer não conspirou pelo impeachment. O impeachment foi resultado de uma absoluta incompetência da Dilma Rousseff que não conseguiu ter 200 votos a favor dela [dos 513 deputados federais]. Então, não houve uma conspiração, o que houve foi uma onda contra a Dilma para colocar o Michel.
O Michel surfou uma onda, mas ele não criou essa onda. Ele não chegou e disse "vamos derrubar a Dilma". Isso é quando aparece no seriado O Mecanismo [produção da Netflix sobre a crise política brasileira] o Michel e o Aécio [Neves, então senador e presidente do PSDB] brindando o impeachment como se fosse uma conspiração, isso não aconteceu. Isso é uma narrativa para boi dormir.
O que aconteceu é que o Aloizio Mercadante, como chefe da Casa Civil [de Dilma], prejudicou a coordenação política do Michel [durante o governo Dilma]. Então, o Michel diz à Dilma que vai abrir mão do cargo porque não tem condições de fazer a articulação política por falta de apoio, sobretudo do Mercadante e da equipe econômica dela.
Ali desmonta o governo, porque o Michel ajudou o governo quando era articulador. O Lula pediu a ele para assumir a articulação. Quando ele deixou de ter condições, ele sai, a Dilma assume [a articulação política] e bate nas pedras com o governo dela. Então, a conspiração ali não existiu, o que houve foi uma brutal incompetência.
Os militares parecem se ressentir da falta de uma ação maior de Bolsonaro para conter os ataques. O presidente precisa mediar melhor os conflitos internos?
Aragão - Não acho que isso seja uma questão dos militares, é um sentimento generalizado. Os investidores assistem isso e a imagem que passa é de fragilidade da Presidência, porque se você indica um ministro e esse ministro é trucidado por seus aliados, ou o ministro não serve ou os aliados têm que se convencer que aquela é uma escolha do presidente.
O que o mercado ressente é a ausência de contenção desses conflitos dentro de uma base de educação, de respeito, sobretudo ao presidente da República e a escolha que ele fez dos seus ministros.
Segundo a imprensa brasileira, seu nome foi cotado para assumir a embaixada brasileira nos Estados Unidos. Isso é verdade?
Aragão - Sim, meu nome foi especulado, mas eu não recebi nenhum convite. Obviamente fiquei muito honrado com a lembrança e não sei se isso vai acontecer, nem tenho uma posição firmada sobre esse tema.
Eu tenho quase 30 anos de relacionamento com investidores explicando o Brasil, mesmo antes do impeachment do [ex-presidente Fernando] Collor [em 1992] eu já fazia palestras em Wall Street [centro financeiro de Nova York], explicando a dinâmica econômica e política do Brasil para investidores. Talvez por isso eu tenha sido lembrado.
E o senhor aceitaria um convite?
Aragão - Isso eu não posso falar porque o convite não veio.
O seu nome foi levado ao presidente pela ala militar?
Aragão - Não, isso não é verdade. O que houve foi uma conjunção de setores que manifestaram que eu poderia ser um bom embaixador para dinamizar as relações econômicas e de investimento. Isso veio principalmente do setor privado, com a simpatia de setores da equipe econômica também.
Os militares tomaram conhecimento e alguns demonstraram simpatia, não um apoio, mas simpatia de que podia ser um bom nome. Mas não houve um apoio até porque a escolha é exclusiva do presidente Jair Bolsonaro, de mais ninguém.
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