Ataque de atirador no Texas: 'Eu perdoo o homem que matou meu filho e sua esposa'
Gilbert Anchondo diz que o filho morreu como um herói no massacre, que deixou pelo menos 22 mortos no Texas.
Faz menos de 24 horas que Gilbert Anchondo descobriu que seu filho caçula, Andre, morreu no ataque de um atirador a um supermercado da rede Walmart em El Paso, no Texas, no último sábado.
Pelo menos 22 pessoas foram mortas e outras 26 ficaram feridas no massacre - o pior incidente com armas de fogo registrado desde novembro de 2017 nos EUA.
Foram momentos de espera agonizantes, enquanto a família tentava ligar desesperadamente para o celular de Andre, sem resposta.
Mas Gilbert, que já voltou a trabalhar na oficina de carros que administra há quase 40 anos, tem uma mensagem para o atirador.
"O agressor poderia ser meu filho", diz ele.
"Eu o perdoo porque ele não estava em seu juízo. Estava com o diabo dentro dele. Sou um homem de fé e perdoo o que ele fez."
Um rapaz de 21 anos foi detido sob suspeita de ser o atirador. As autoridades atribuem a ele a autoria de um "manifesto" nacionalista branco que foi compartilhado em um fórum na internet.
Andre, de 23 anos, e a esposa, Jordan, de 24 anos, tinham uma rotina aos sábados.
O casal saía da casa nova, que Andre acabara de construir, com o filho Paul, de dois meses, e deixava a filha de Jordan, Skylin, na aula de líder de torcida. Depois, fazia compras, geralmente no Walmart ao lado do ginásio.
No último sábado, a menina estava ainda mais animada - era seu aniversário de cinco anos.
Naquela noite, haveria uma festa na casa do casal para comemorar o aniversário de Skylin, assim como o aniversário de casamento de Anchondo - seria também um pretexto para inaugurar a casa nova.
O casal estava comprando carne para churrasco e material escolar, como muitas outras pessoas naquele dia. Paul estava com eles, enquanto a outra filha de Jordan, Victoria, estava com o pai.
Gilbert estava atrasado para abrir a oficina naquela manhã e viu a família quando passou dirigindo pela casa deles. Observou o horário por algum motivo. Eram 9h15 da manhã.
"Eu vi meu filho e a esposa. Jordan estava fechando a porta. Andre estava carregando o bebê recém-nascido em seus braços. Eles estavam se preparando para sair."
Pouco mais de uma hora depois, chegariam as primeiras notícias do ataque.
"Eu tenho um arrependimento - não parei e dei um abraço nele, uma bênção, um beijo. Mas vi que estavam felizes. Não queria incomodá-los, estourar a bolha da felicidade", afirmou.
'Andre não está mais entre nós'
O que aconteceu depois no supermercado ainda não está tão claro. Mas o que se sabe é que um atirador entrou no Walmart no horário mais movimentado e começou a atirar.
Depois de tentar entrar em contato com Andre e Jordan, o irmão de Andre, Tito, recebeu uma ligação de um número desconhecido.
O número dele estava aparecendo no smartwatch de Jordan e perguntaram, por telefone, se ele poderia identificá-la. Foi quando recebeu a notícia que ela havia morrido.
"Não conseguíamos acreditar", diz Tito.
A família descobriu então que Paul estava no hospital - o bebê quebrou dois dedos, mas já recebeu alta.
A morte de Andre só foi confirmada no domingo. Até então, enquanto alguns ainda tinham esperança, Gilbert conta que estava com um mau pressentimento.
Seus piores temores se concretizaram em um centro de reagrupamento familiar montado em uma escola local.
"Me disseram que o Andre não estava mais entre nós", relembra Gilbert. "E disseram que eu tinha feito um bom trabalho na criação dele, porque ele tinha protegido sua família. Tinha ficado entre as balas, voando entre sua esposa e filho. E Jordan fez o que deveria, protegendo o pequeno Paul."
"Isso me faz sentir orgulhoso. Se ele morreu sob essas condições, eu posso viver com isso."
Ato final de bravura
Tito foi informado de que havia imagens das câmeras de segurança que mostravam os momentos finais do casal.
"Ele estava realmente tentando deter o atirador", diz Tito.
"Ele avançou para pegar a arma. Então a bala passou por ele e a esposa. Estou muito orgulhoso do meu irmão. Ele morreu como um herói. Mas estou triste e com raiva do que aconteceu."
"Não há palavras para descrever o que estamos sentindo. Não é um buraco que ele deixou, é um vazio."
Tito, que trabalha com o pai, quer assistir à gravação, para ver o ato final de bravura do irmão com os próprios olhos. Ele sabe que vai ser difícil, mas acrescenta: "Preciso ver os últimos momentos da vida do meu irmão".
"Vou lembrar sempre que ele morreu dando a própria vida para salvar a esposa e o filho - e talvez até mais pessoas. Ele era muito heroico nos atos dele. Sempre foi assim, desde pequeno."
"Ele não era alguém que se intimidava. Era forte, foi assim a vida toda", acrescenta Gilbert.
Tito mostra fotos do irmão fazendo taekwondo na infância. E conta que ele chegou a se aventura no fisiculturismo - tentando, diz Tito, imitar o pai, que no passado ganhou o título de Mr El Paso.
"Ele era muito extrovertido. Sempre fomos próximos. Tivemos altos e baixos como qualquer um. É difícil imaginar o resto da minha vida sem ele. Ele era um pai muito bom, um irmão muito bom e um filho muito bom. "
A oficina está repleta de fotos dos meninos e de sua irmã, Deborah, na infância.
Tem também um quadro com uma pintura da mão do pequeno Andre - que ganhou um significado ainda mais especial para Gilbert agora.
Andre brincava que a mulher de Tito ficou grávida ao mesmo tempo que Jordan, porque Tito estava tentando copiar seu irmão mais novo.
Os bebês nasceram com um mês de intervalo.
Tito diz agora que pretende adotar Paul.
"Eu gostaria de dizer a ele: Seu pai morreu protegendo sua vida, e quero que você viva fazendo jus ao nome dele, porque ele era um grande homem. Quero que você seja tão bom quanto seu pai era."
Todas as crianças são novas demais para entender o que aconteceu. Mas ele fica triste ao pensar que Skylin "sempre vai se lembrar do seu aniversário como o dia em que sua mãe morreu".
O resto da família está lutando para aceitar a morte de Andre. Sua mãe, Brenda, está devastada, diz Tito.
'Uma cidade boa, uma cidade segura'
Mas eles afirmam que não estão dispostos a mudar seu estilo de vida. Também querem deixar a política fora disso.
"Meu irmão morreu por sua família, mas as pessoas estão fazendo disso um ato político", diz Tito.
O debate não deveria ser sobre raça ou imigração, mas sobre doença mental, ele acrescenta, uma vez que "sair atirando não é algo que qualquer pessoa sensata faria".
E, ele observa, se o atirador estava mirando a comunidade hispânica, como sua cunhada - uma americana loira de olhos azuis - foi atingida?
O pai e o filho dizem que apoiam as declarações do presidente americano, Donald Trump, em relação ao ataque e agradecem seu apoio a El Paso, cidade a poucos quilômetros da fronteira entre os EUA e o México.
"Trump deu uma boa declaração. Ele está fazendo reformas, e nós agradecemos isso", diz Gilbert.
Agora é hora de a cidade se recuperar.
"Quero que o país saiba como vivemos aqui", acrescenta Tito.
"Não tenho medo de morar em El Paso. Sempre foi minha cidade natal e sempre será. E Andre sempre será meu irmão. Sempre o amarei."
"Isso não vai nos definir como uma cidade violenta", diz Gilbert. "Era uma pessoa de fora da cidade."
"É uma cidade boa, uma cidade segura. Como qualquer família, El Paso tem seus problemas. Mas somos pessoas trabalhadoras de todas as partes do mundo, amamos e respeitamos uns aos outros. O diabo entrou em El Paso e fez o que fez. Mas isso não vai nos destruir."
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