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Por que massacres no Texas e em Ohio podem levar EUA a revisar leis de armas

Anthony Zurcher - Correspondente da BBC News nos EUA

04/08/2019 21h54

Desde 2012, tragédias envolvendo armas de fogo não chegaram a se traduzir em uma resposta política do Congresso americano. Particularidades do momento atual, entretanto, podem fazer com que o desfecho seja diferente.

A cada novo ataque a tiros nos EUA a pergunta se repete: alguma coisa vai mudar depois disso?

A indignação com os atos de violência vai catalisar alguma espécie de resposta política, como aconteceu no Reino Unido após o massacre em uma escola em Dunblane, na Escócia, ou na Austrália depois dos assassinatos em Port Arthur ou, mais recentemente, na Nova Zelândia, em sequência aos ataques a tiros a mesquitas em Christchurch?

Entre os ativistas por um maior controle de armas no país existe uma certa resignação quando uma nova tragédia ganha as manchetes. A ideia é que, se a opinião pública não exerceu pressão suficiente em 2012, no episódio do massacre em Newtown, quando 26 pessoas, incluindo 20 crianças, foram mortas em uma escola em Connecticut, dificilmente o fará desta vez.

Algumas particularidades do momento atual, entretanto, podem fazer com que os ataques em El Paso, no Texas, e em Dayton, no Estado de Ohio, tenham desfecho diferente.

Nacionalismo branco

As causas apontadas para os ataques a tiros mais recentes nos EUA são várias, de juventude rebelde nos casos envolvendo escolas em Parkland, na Flórida, e em Santa Fe, no Texas, e distúrbios mentais, no episódio do ataque a um jornal em Annapolis, Maryland, a frustrações ligadas ao trabalho (caso do massacre em Virginia Beach) e brigas familiares, apontada como possível motivação para o massacre em uma igreja em Sutherland Springs, no Texas.

O mais mortal desses incidentes, o tiroteio em uma casa noturna em Las Vegas em 2017, que deixou 58 mortos, ainda não tem uma motivação concreta clara.

No caso deste fim de semana, entretanto, todas as evidências indicam que o massacre em El Paso foi uma ação premeditada e alimentada pela retórica do nacionalismo branco que tem ganhado cada vez mais destaque na política americana.

E, nesse sentido, ele se aproxima tanto do ataque a tiros a uma sinagoga em Pittsburgh no último mês de outubro, que provocou discussões sobre o aumento do antissemitismo nos EUA, quanto dos episódios de violência em uma marcha de supremacistas brancos em Charlottesville em 2017, uma demonstração chocante de força desse movimento.

Ainda que a autoria do manifesto racista postado na internet pouco antes dos ataques e atribuída ao suspeito de ser o atirador, Patrick Crusius, ainda tenha que ser confirmada, alguns fatos importantes sobre o caso devem ser levados em consideração.

O atirador não realizou o ataque em sua cidade natal - mas dirigiu por pelo menos oito horas, do norte do Estado do Texas à cidade que está a poucos quilômetros da fronteira com o México, e abriu fogo em uma área sabidamente frequentada por hispânicos.

Por essa razão, as autoridades locais estão caracterizando o caso como um episódio de "terrorismo doméstico".

Isso coloca o incidente no centro do atual debate nos EUA sobre imigração, segurança de fronteiras e identidade nacional. Os americanos costumavam se perguntar o que levavam jovens em outras partes do mundo a se envolverem em atos de violência política contra inocentes. Agora veem o fenômeno acontecer no próprio país.

A natureza do ataque em El Paso pode desencadear uma reflexão sobre a ameaça doméstica representada por grupos nacionalistas brancos e sobre caminhos para frear o avanço desses movimentos - inclusive medidas de controle de venda e compra e de posse e porte de armas.

Desta vez, além de manifestações de políticos do Partido Democrata, vozes mais conservadoras também protagonizaram as críticas.

Senador pelo Texas, Ted Cruz, que concorreu contra Trump nas prévias republicanas das eleições presidenciais de 2016, condenou a "intolerância contra os hispânicos" do atirador e chamou o episódio de "um ato hediondo de terrorismo e supremacia branca".

O comissário do Escritório Geral de Terras do Texas, George P Bush, filho do também pré-candidato republicano à presidência em 2016 Jeb Bush, publicou uma declaração afirmando que "terroristas brancos" são "ameaça real e atual".

Se a ideia de que o nacionalismo branco representa uma ameaça se tornar consenso, a questão passará a ser como confrontá-lo.

O barril de pólvora da corrida presidencial

Assim como no caso do massacre na sinagoga em Pittsburgh, políticos de oposição voltaram a criticar Trump e outros republicanos com cargos no governo por empregarem uma retórica que incentivaria nacionalistas brancos a cometerem atos de violência.

O presidente americano repetidamente caracteriza os imigrantes ilegais como "uma invasão" e já chegou a dizer que a imigração na Europa estaria mudando o "estrutura" do continente - e "não de uma maneira positiva".

Em um comício na Flórida em maio, uma pessoa na plateia gritou "atira neles!" quando Trump perguntava como eles poderiam frear a imigração ilegal. Ele respondeu ao comentário com uma piada.

Cerca de um mês atrás, o senador pelo Texas John Cornyn tuitou que seu Estado estaria recebendo "nove habitantes hispânicos para cada novo habitante branco".

As críticas à resposta do Partido Republicano - ou falta dela - aos massacres não são novidade. A diferença desta vez é que elas estão sendo amplificadas pelas primárias do Partido Democrata.

A eleição do candidato democrata à presidência não acontecerá pelo menos nos próximos seis meses, mas a disputa já começou e os debates estão a todo vapor.

Mais de 20 postulantes a cabeça de chapa têm, portanto, um incentivo para se diferenciar dos concorrentes com uma postura agressiva em relação à demanda por mudanças nas leis de controle às armas e na condenação veemente ao que veem como uma retórica racista incendiária.

Beto O'Rourke, nascido em El Paso, atribuiu ao presidente parte da culpa pela tragédia em sua cidade natal. Pete Buttigieg, prefeito de South Bend, no Estado de Indiana, culpou a ideologia de um terrorismo nacionalista branco que tem sido "tolerada nos níveis mais altos do nosso governo".

Praticamente todos os candidatos se manifestaram com algum tipo de clamor por um maior controle de armas no país.

O senador por Nova Jersey Cory Booker, que propôs a criação de uma lei que obrigue os proprietários de armas a terem licença, disse que os americanos "têm o poder de frear isso" - mas que as soluções têm sido barradas "por políticos covardes e lobistas da indústria das armas".

No debate entre os pré-candidatos democratas na última semana em Detroit, essa questão foi tocada apenas de forma superficial.

A comoção com os massacres deste fim de semana, entretanto, e a ligação que muitos dos políticos de oposição fizeram entre os episódios e o comportamento do presidente devem trazer o tema de volta aos holofotes, assim como a discussão sobre medidas para evitar que novas tragédias aconteçam.

Um passo mais perto no Congresso

Logo após o massacre em uma escola em Newtown em 2012, o Congresso estudou instituir uma série de medidas para endurecer o controle de armas do país, entre elas a ampliação da checagem de antecedentes criminais dos compradores de armas.

Apesar de a medida ter sido apoiada pelos partidos Democrata e Republicano no Senado, uma minoria conseguiu bloquear a tramitação por meio de procedimentos regimentais. O texto não chegou nem a ser apreciado pela Câmara de Deputados, então controlada pelos republicanos.

Essa dinâmica, pelo menos em uma das Casas do Congresso, hoje é diferente.

Quando os democratas reassumiram o controle da Câmara em janeiro deste ano, não demorou para que conseguissem aprovar medidas parecidas com a proposta de 2013 - a primeira vez em 25 anos que a Casa votou a favor de leis mais abrangentes para instituir maior controle sobre o mercado de armas de fogo.

Após os massacres em El Paso e Dayton, aumenta a pressão para que a proposta passe também pelo Senado, controlado pelos republicanos - algo que, até agora, o senador Mitch McConnell, líder da maioria, se recusava a apoiar.

Ele pode conseguir resistir à pressão. E, mesmo que a medida seja colocada em votação, a norma regimental permite que um grupo de apenas 41 republicanos (a casa conta com 100 senadores) bloqueie a tramitação.

Por outro lado, vários dos senadores que apoiaram a medida bipartidária em 2013 ainda têm cargo eletivo. Com uma proposta concreta sobre a mesa da Casa, o Senado é o passo final para que a medida chegue à mesa do presidente, não o primeiro.

NRA mais fraca

Em 2012, a Associação Nacional de Rifles (NRA, na sigla em inglês) estava no auge de seu poder e influência na política americana. Em décadas de atuação, o grupo - que representa tanto os proprietários de armas como a indústria de armamento - transformou a ideia do direito às armas para muitos americanos em um símbolo do país.

Muitos democratas viam a questão na época como algo que poderia lhes custar muitos votos - atribuindo inclusive parte da derrota de Al Gore nas acirradas eleições do ano 2000 ao tema delicado.

Em várias regiões dos EUA, um candidato que tivesse a NRA como inimiga podia ter como certo que a campanha do rival receberia milhões da organização, enquanto a sua seria alvo de uma oposição ferrenha.

Mesmo depois do massacre em Newtown, a tendência na legislação aprovada em diversos Estados era de maior liberdade para os donos de armas - como o direito ao porte oculto, que permite que qualquer cidadão carregue uma arma em local público, ainda que ela não esteja visível.

Em 2016, o apoio dado pela NRA a Trump logo no início da campanha, considerada na época uma aposta arriscada, foi recompensada com a vitória do empresário.

Mais recentemente, entretanto, a associação vem enfrentando uma série de adversidades. A redução do número de novos membros e das contribuições fizeram a receita encolher em US$ 56 milhões em 2017.

Sua imagem tem sido arranhada por uma disputa de poder que chegou aos tribunais com denúncias de corrupção em Nova York e Washington.

Seu poder econômico antes considerado decisivo em eleições, por sua vez, também começa a ser questionado. Nas eleições legislativas de 2018, o volume de doações feitas pelo grupo foi ultrapassado pelas contribuições de grupos pró-controle de armas apoiados por personalidades como o ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg.

Muitos políticos que têm como bandeira o controle de armas, como a deputada pela Georgia Lucy McBath, venceram disputas acirradas.

O NRA de hoje não é o mesmo que conseguiu bloquear o avanço das medidas que ampliavam a checagem de antecedentes criminais dos donos de armas mesmo depois do massacre em Newtown.

A organização ainda tem força, mas as rachaduras em seu alicerce são visíveis.

Obstáculos antigos

Ainda há, entretanto, uma série de fatores que podem fazer com que o cenário da legislação de armas no EUA permaneça inalterado mesmo depois dos massacres em El Paso e Dayton.

As obstruções do Senado à tramitação de medidas de restrição podem ser decisivas nesse sentido. A Casa está em recesso até setembro e, se o passado serve como parâmetro, a intensidade do clamor popular tende a diminuir à medida que as tragédias vão sendo apagadas na memória.

O apoio do presidente - e mesmo sua assinatura para promulgação de novas medidas - também não é garantido.

Depois do ataque a tiros em uma escola em Parkland, na Flórida, Trump demonstrou maior inclinação para apoiar uma legislação de maior controle a armas, declarando inclusive ser a favor de uma checagem de antecedentes criminais detalhada apesar da oposição da NRA.

Após se reunir com líderes da organização, entretanto, o presidente rapidamente recuou, afirmando na convenção anual do grupo que os direitos a armas garantidos pela Segunda Emenda estariam "sob cerco", mas que ele sempre as defenderia como presidente.

Apesar de Trump ter tuitado condenando o ataque em El Paso como um "ato odioso", ele será pressionado para ir além e se manifestar sobre o nacionalismo branco. O fato de democratas o estarem acusando de contribuir ao ambiente retórico que encoraja atos de violência pode desincentivar o presidente a tomar medidas mais concretas.

Ele poderia ver algo nesse sentido como uma possível admissão de responsabilidade ou culpa - algo que ele tem se mostrado relutante em fazer.

Nesse caso, a situação atual poderia acabar como uma espécie de reprise da resposta presidencial à violência protagonizada em Charlottesville em 2017 por supremacistas brancos - após condenar as ações de simpatizantes do neonazismo, Trump declarou em uma coletiva de imprensa que a culpa era "dos dois lados".

Quanto mais candidatos democratas como O'Rourke acusarem o presidente, maior a probabilidade de que ele retruque e coloque lenha na fogueira - um ambiente pouco fértil para uma solução bipartidária no Congresso.