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Por que o controle do vale do Jordão é chave para conflito entre Israel e Palestina

José Carlos Cueto

Da BBC News Mundo

15/09/2019 15h24

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, agitou ainda mais o conflito entre seu país e os palestinos com sua mais recente e controversa promessa eleitoral: anexar o vale do Jordão.

A menos de uma semana das eleições, no dia 17, o primeiro-ministro fez uma oferta que parece buscar o voto dos setores mais conservadores de seu país. O pleito ocorrerá porque Netanyahu, eleito em abril deste ano, não conseguiu montar uma coalização com maioria no Parlamento para poder formar um governo.

"Se eu receber de vocês, cidadãos de Israel, um mandato claro para fazê-lo, anuncio que minha intenção é, com a formação do novo governo, aplicar a soberania de Israel sobre o vale do Jordão e o norte do mar Morto", disse Netanyahu.

A promessa, anunciada na televisão, foi condenada por diversos envolvidos, como a Organização das Nações Unidas (ONU), países árabes, palestinos e adversários políticos em Israel.

Por que esta área é chave no conflito entre israelenses e palestinos?

Israel capturou a Cisjordânia, Jerusalém Oriental, Gaza e as Colinas de Golã na Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Jerusalém Oriental foi anexada a Israel em 1980 e as Colinas de Golã, em 1981. Nenhum desses movimentos foi reconhecido internacionalmente por décadas.

Em 2017, no entanto, o governo Donald Trump contrariou políticas anteriores dos EUA em relação aos territórios e reconheceu as duas anexações.

Em avanço dessa política, Netanyahu passou a defender que Israel tem uma "grande oportunidade" diante do vale do Jordão.

"É uma oportunidade histórica e única de aplicar a soberania de Israel em nossos assentamentos... E em outros lugares importantes para nossa segurança, patrimônio e futuro."

O domínio da Cisjordânia tem sido o coração do conflito palestino-israelense. Israel construiu ali 140 assentamentos que são considerados ilegais sob o direito internacional - o país nega qualquer ilegalidade.

O vale em questão vai da cidade israelense de Beit Shean (90 km ao norte de Jerusalém) até o extremo norte do mar Morto, cobrindo cerca de 2.400 km², quase um terço da Cisjordânia.

Trata-se de uma terra fértil que faz fronteira com a Jordânia. Vivem ali cerca de 53 mil palestinos e 12,8 mil colonos judeus, segundo a ONG israelense anti-ocupação Paz Agora.

Jericó é a principal cidade palestina da região, que tem pouco menos de 30 localidades menores e algumas comunidades beduínas.

Atualmente, os palestinos estão proibidos de entrar ou usar aproximadamente 85% do território, de acordo com o grupo israelense de direitos humanos B'Tselem.

"Isso ocorre porque a maior parte do território foi designada como 'Área C' sob os acordos de paz de Oslo de 1993, o que significa que está sob controle total de Israel", lembra Barbara Plett-Usher, correspondente da BBC no Oriente Médio.

Embora o acordo tenha sido assinado em 1993, desde 1967 o Vale do Jordão permanece sob o controle das tropas israelenses, que se recusam a deixar o território alegando questões de segurança.

"Controlar o vale do Jordão sempre foi fundamental para Israel. A fronteira entre Israel e a Jordânia é uma espécie de porta para o resto dos países do Oriente Médio", disse à BBC News James Sorene, analista do Centro de Comunicações e Pesquisa de Israel no Reino Unido.

"Nas últimas negociações de paz, o vale foi um ponto de desacordo, já que Israel pretendia permanecer lá por pelo menos meia década e os palestinos queriam reduzir esse tempo. Manter o controle militar é um requisito mínimo de Israel nas negociações", diz ele.

A área da Cisjordânia e do vale do Jordão, de acordo com o analista, também tem muito significado para os judeus ortodoxos porque parte de sua herança histórica transcorreu nela.

Campanha eleitoral

As eleições de 17 de setembro serão as segundas do ano, já que em abril Netanyahu não teve apoio parlamentar suficiente para formar um governo.

Nas pesquisas de intenção de voto, o Likud (partido) de Netanyahu aparece, como em abril, em disputa acirrada com a coalizão centrista Azul e Branco.

Os críticos de Netanyahu veem a proposta sobre o vale do Jordão como uma tentativa de obter votos mais à direita.

Yair Lapid, da Azul e Branco, criticou o primeiro-ministro dizendo que "ele não deseja anexar territórios, e sim votos". "É um truque eleitoral e nem mesmo particularmente exitoso, porque a mentira é clara demais", completou.

Sorene endossa a leitura de que o projeto para o vale do Jordão seja uma oportunidade eleitoral.

"Anexar o vale do Jordão e outros assentamentos israelenses na Cisjordânia são promessas da campanha. Ele (Netanyahu) fala de soberania, mas seu discurso é bastante ambíguo e não explicita como as coisas seriam feitas", diz o analista.

"Se ele vencer as eleições, essa promessa terá um longo caminho até ser realizada", diz ele. Sorene acrescenta que, se concretizada, "as implicações seriam muito graves porque violariam qualquer acordo bilateral anterior".

Esse plano também pode quebrar acordos de cooperação de que Netanyahu precisa para combater o grupo islâmico palestino Hamas, aponta o analista.

Retaliação internacional

Diversos atores da comunidade internacional condenaram as declarações de Netanyahu.

Um porta-voz da ONU disse que a anexação "não teria efeito legal em nível internacional".

A Liga Árabe, uma organização que inclui 22 Estados, descreveu os planos de Netanyahu como "perigosos" e considerou que eles "torpedeariam" os fundamentos da paz.

Por outro lado, o ministro das Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, alertou que a anexação poderia "levar toda a área à violência" e seu colega na Turquia, Meylut Cayusoglu, disse que a intenção era "racista" e "agressiva" no contexto pré-eleitoral.

O primeiro-ministro da Autoridade Nacional Palestina, Mohammad Shtayyeh, havia declarado em um comunicado antes do anúncio sobre o vale do Jordão que o presidente de Israel era um "destruidor do processo de paz".

Palavras ecoadas pela deputada palestina Hanan Ashrawi, que disse à agência de notícias AFP que a promessa de Netanyahu "não apenas destrói a solução dos dois Estados, mas também qualquer oportunidade de paz."