Por que Trump ameaça "destruir" a economia da Turquia após retirar tropas da Síria
Em uma série de tuítes agressivos, Trump defendeu retirada das tropas americanas do norte da Síria, medida que pode abrir brecha para os turcos atacarem tropas curdas na região fronteiriça.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou destruir a economia da Turquia se o país "passar dos limites" na esteira da sua surpreendente decisão de retirar as tropas americanas do norte da Síria.
Em uma série de tuítes agressivos, Trump defendeu sua medida, que pode abrir uma brecha para que os turcos passem a atacar tropas curdas na região fronteiriça.
"Como já afirmei antes veementemente, e apenas para reforçar, se a Turquia fizer alguma coisa que eu, no meu enorme e incomparável conhecimento, considerar que eles passaram dos limites, eu vou destruir e varrer completamente a economia turca (como eu já fiz antes)", escreveu.
A retirada militar da Síria foi criticada até mesmo pelos membros do Partido Republicano, ao qual Trump é filiado.
"É um desastre em potencial", definiu o senador Lindsey Graham. O braço humanitário da Organização das Nações Unidas afirmou estar se preparando para o pior.
As forças curdas foram um aliado-chave dos Estados Unidos na vitória contra o Estado Islâmico em território sírio.
Mas a Turquia classifica as milícias curdas de terroristas.
Os Estados Unidos têm quase mil soldados na Síria, mas apenas duas dezenas foram retiradas na fronteira, segundo um membro do alto escalão do Departamento de Estado americano.
Qual é a posição do presidente Trump?
Na segunda-feira (7), o líder americano escreveu no Twitter que ele foi eleito prometendo retirar os Estados Unidos dessas "guerras ridículas e intermináveis" e que "Turquia, Europa, Síria, Irã, Iraque, Rússia e curdos vão ter que resolver a situação".
A mensagem foi publicada no dia seguinte a um telefonema entre Trump e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan, depois que a Casa Branca afirmou que a Turquia "avançaria com sua planejada operação no norte da Síria" e que as tropas americanas "não estariam mais nessa área".
Acusado pelos curdos de "apunhalá-los nas costas" e criticado por grande parte do espectro político dos Estados Unidos, Trump escreveu mais tuítes na segunda-feira, alertando a Turquia a não se aproveitar da decisão americana. O presidente americano ameaçou, caso isso ocorra, destruir e varrer a economia turca.
No ano passado, os Estados Unidos elevaram a tributação de alguns produtos turcos e impuseram sanções a oficiais do alto escalão do país. A relação entre os dois países, membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), tem piorado por uma série de fatores.
Ao elaborar mais sobre o que considera "passar dos limites", Trump afirmou que a Turquia "não deveria fazer além do que ele considera humano".
O presidente americano disse ainda que haveria "bastante problema" se "algum dos nossos se ferir".
Em comunicado, o porta-voz do Pentágono, Jonathan Hoffman, declarou que "o Departamento de Defesa deixou claro à Turquia ? e ao seu presidente ? que não endossava a operação turca no norte da Síria".
O que a Turquia pretende fazer na Síria?
Na Assembleia Geral das Nações Unidas, no mês passado, o presidente turco apresentou um mapa com uma área de 480 km de largura por 30 km de comprimento na Síria na qual ele quer implementar uma "zona segura" na região fronteiriça a ser controlada pela Turquia.
A medida levaria ao deslocamento de 2 milhões dos 3,6 milhões de refugiados sírios que vivem atualmente na Turquia.
Na segunda-feira, o ministro da Defesa da Turquia afirmou que "toda a preparação para a ofensiva estava concluída", acrescentando que a zona apresentada por Erdogan era "essencial" para os sírios e a paz na região.
Mas o governo turco tem ameaçado repetidamente atacar as forças curdas na região da fronteira no nordeste da Síria.
A Turquia considera a milícia curda YPG ? líder na aliança militar com os americanos na Síria (SDF, na sigla em inglês) ? uma extensão do banido Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), que lutou por três décadas pela autonomia curda na Turquia.
O YPG e o PKK compartilham a ideologia, mas afirmam ser entidades separadas.
O primeiro é a força dominante na aliança que envolve os EUA na guerra na Síria. E com a ajuda de ataques aéreos, armamentos e consultorias, a coalizão conquistou do Estado Islâmico milhares de quilômetros quadrados no nordeste da Síria.
Uma administração autônoma foi implementada na região, onde vivem entre 500 mil e 1 milhão de curdos e 1,5 milhão de árabes.
A Turquia se opôs duramente à coalizão SDF e seu avanço sobre o território sírio.
Para os curdos, a decisão americana vai levar a região a se transformar em uma zona de guerra e dá espaço para o ressurgimento do Estado Islâmico.
Em 2018, a Turquia atacou Afrin, uma região controlada pelos curdos, no oeste da Síria.
Segundo o Observatório Sírio para Direitos Humanos, grupo de monitoramento baseado no Reino Unido, quase 300 civis foram mortos em oito semanas de batalha naquela ocasião, além de 1,5 mil militares curdos, 400 guerrilheiros pró-Turquia e 45 soldados turcos. Ao menos 137 mil civis precisaram deixar suas casas.
Na Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente Erdogan afirmou que pretendia eliminar a "estrutura terrorista PKK-YPG" e estabelecer um "corredor de paz", onde propunha construir dez "distritos" e 140 "vilas" para abrigar ao menos 1 milhão de refugiados da Síria.
"Ataques não provocados a nossas áreas vão gerar um impacto negativo em nossa luta contra o Estado Islâmico e à estabilidade e à paz que instauramos na região nos últimos anos", afirmou a aliança militar liderada pelos curdos. "Estamos determinados a defender nossas terras a qualquer custo."
Quais foram as reações à retirada americana?
O senador Mitch McConnell, líder republicano no Congresso, está entre aqueles que criticaram a decisão de Trump. Para ele, a "retirada precipitada das forças americanas da Síria só vai beneficiar Rússia, Irã e o regime de Assad".
O também republicano Lindsey Graham, aliado próximo do presidente americano, classificou a decisão de desastrosa e disse temer o ressurgimento do Estado Islâmico.
Nikki Haley, ex-embaixador dos EUA na ONU, afirmou que os curos foram fundamentais na bem-sucedida luta contra o Estado Islâmico e que "abandoná-los para morrer foi um grande erro".
A presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi, afirmou que Trump "deveria reverter sua perigosa decisão", descrita por ela de "inconsequente" e "desorientada".
Brett McGurk, ex-enviado especial da Presidência americana na coalizão contra o Estado Islâmico, afirmou que o anúncio demonstra um "completo desconhecimento sobre tudo que está acontecendo na região".
Qual é a situação dos campos entre a Síria e a Turquia?
As forças curdas operam diversos campos de refugiados para desabrigados e campos de detenção para familiares de pessoas suspeitas de ligação com o Estado Islâmico tanto dentro quanto fora da prometida "zona segura".
Mulheres e filhos de suspeitos de elo com o Estado Islâmico são mantidos em Ein Issa e Roj dentro dessa área, mas o maior é o al-Hol, próximo à fronteira com o Iraque e quase 60km ao sul da Turquia. Há 70 mil pessoas detidas em al-Hol, quase 90% mulheres e crianças, incluindo 11 mil estrangeiros. Os suspeitos de serem guerrilheiros do EI são mantidos em Raqqa, mais ao sul.
Os curdos dizem que não vão processar mulheres e crianças, e tem havido pouca iniciativa da comunidade internacional para repatriar os estrangeiros.
A Casa Branca afirmou que a Turquia assumirá a responsabilidade sobre os acusados de ligação com o Estado Islâmico que foram presos pelas forças curdas.
Mas se os curdos forem atacados, a capacidade e a disposição de cuidar desses campos serão colocados em xeque, e governos europeus particularmente teme que jihadistas e seus familiares sejam soltos e retornem aos países de origem.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.