Eleição nos EUA: após 'fiasco' de Iowa, disputa democrata começa a ganhar corpo em New Hampshire
A incerteza em torno do caucus de Iowa, realizado na semana passada e ponto de partida da corrida do Partido Democrata nas primárias eleitorais americanas, aumentou as expectativas quanto ao segundo Estado em disputa, nesta terça-feira (11/2): o pequeno e bucólico New Hampshire, com 1,3 milhão de habitantes e, geralmente, pouca influência em âmbito nacional.
O caucus de Iowa, em 3 de fevereiro, foi considerado desastroso e um fiasco até mesmo por seus organizadores, além de evidenciar a divisão do Partido Democrata enquanto define o candidato que enfrentará Donald Trump nas urnas em novembro.
Problemas no aplicativo que controlava os resultados fizeram com que fossem necessários dias (em vez de poucas horas) para conhecer-se o vencedor da disputa - por enquanto, Pete Buttigieg é apontado como o candidato com mais votos em Iowa, mas a campanha de Bernie Sanders, segundo colocado, pediu oficialmente, na segunda-feira (10/2), uma recontagem parcial da apuração.
Embora esses dois Estados iniciais tenham importância limitada (por seu tamanho e composição demográfica, com ampla maioria de brancos e população muito menos diversa que o restante dos EUA), eles ajudam candidatos a ganhar - ou perder - ímpeto e visibilidade na corrida eleitoral, explica à BBC News Brasil o cientista político americano Hans Noel, professor-associado da Universidade Georgetown.
"Em geral, o papel de Iowa e New Hampshire é moldar uma narrativa, que pode se fixar na mente das pessoas", diz ele. Dessa forma, "os candidatos que saem na frente começam a ganhar mais atenção."
E, com a "bagunça" em Iowa, "não recebemos um sinal claro do eleitorado. Então New Hampshire deverá ser, esperamos, esse primeiro sinal", prossegue Noel.
O que deve acontecer em New Hampshire?
Em âmbito nacional, quem é apontado como favorito ainda é Joe Biden, ex-vice de Barack Obama, citado por muitos como nome mais forte para vencer Donald Trump nas urnas. O problema é que Biden teve um desempenho pífio em Iowa e tampouco deve ir bem em New Hampshire, segundo as pesquisas de opinião. Por enquanto, a percepção de analistas como Hans Noel é de que Biden ainda não conseguiu "energizar" o público nesses primeiros Estados em disputa.
Elizabeth Warren, senadora por Massachusetts, vive situação de certo modo semelhante: é apontada como uma candidata sólida e com algum potencial, mas também não foi bem em Iowa e tampouco é favorita em New Hampshire.
Isso começou a levantar questionamentos, segundo agências de notícias, entre os próprios democratas: será que as campanhas de Biden e Warren, vistas como promissoras, podem ter chegado a seu teto já na largada?
Para Hans Noel, é muito cedo para fazer tal afirmação, mas o perigo é que esse tipo de argumento converta-se em uma espécie de "profecia autorrealizável".
"Quando muita gente começa a dizer isso, vira uma profecia autorrealizável: as pessoas começam a procurar outras opções (entre os demais candidatos)", diz o analista, lembrando que boa parte do eleitorado democrata tenta pensar estrategicamente em qual candidato terá o maior apoio popular e, por consequência, a maior chance de vencer Trump. Por enquanto, as pesquisas apontam que não há clareza de qual será esse candidato, embora Biden ainda pareça ter vantagem.
Em New Hampshire, pequeno Estado da costa leste, o favorito nas pesquisas é Bernie Sanders, candidato mais à esquerda na disputa e senador pelo Estado vizinho de Vermont. Essa proximidade, e o perfil demográfico parecido entre Vermont e New Hampshire, ajudam a explicar a liderança de Sanders. Ao mesmo tempo, Sanders, por suas posições mais à esquerda que os demais, é visto com desconfiança pela ala mais convencional do Partido Democrata, aponta Hans Noel.
Por tudo isso, o cientista político adverte para que os resultados iniciais das primárias sejam lidos com cuidado: embora sejam importantes para começar a afunilar a corrida democrata, eles não podem ter sua importância exagerada.
Só ficará mais claro quem de fato lidera a busca pela candidatura democrata nas semanas seguintes, quando começam as primárias de Estados maiores e mais racialmente diversos, como Nevada e Carolina do Sul, e a partir de 3 de março, quando será realizada a chamada SuperTerça, em que 16 Estados disputam simultaneamente suas primárias.
O ímpeto de Buttigieg
Dito isso, quem tem surpreendido - e, por consequência, ganhado fôlego e atenção da mídia - é Pete Buttigieg, moderado, veterano da guerra no Afeganistão e abertamente gay. Visto como um candidato moderado e conciliador, ele tem sido alvo de seus concorrentes democratas pelo que parece ser seu principal ponto fraco: com apenas 38 anos, ele não tem experiência político-administrativa para além de ter sido prefeito da pequena cidade de South Bend (Indiana).
As grandes questões em torno da candidatura de Buttigieg, diz o correspondente da BBC nos EUA Anthony Zurcher, são como lidar com sua aparente incapacidade de atrair as diferentes minorias raciais e étnicas dos EUA e como carregar seu ímpeto para além de New Hampshire.
Com a corrida ainda embolada, aumentaram as trocas de farpas entre os candidatos democratas no debate televisivo que antecedeu a primária de New Hampshire. Isso, somado à crise gerada pelo caucus de Iowa, fez o jornal The Washington Post afirmar que os candidatos estão "à beira da guerra entre si, depois de uma série de reveses que podem colocar em risco as chances do partido (Democrata) contra Trump".
O processo das prévias eleitorais, porém, ainda tem uma longa estrada pela frente: só terminará em junho, quando todos os 50 Estados, o Distrito de Colúmbia (Washington) e Porto Rico tiverem realizado suas primárias (ou caucus) para definir qual candidato terá mais apoio para receber a nomeação do partido.
Até lá, até outros candidatos podem ganhar força na disputa, entre eles Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, que tem investido somas milionárias do próprio bolso em sua campanha. Bloomberg tem se abstido das primárias nos primeiros Estados e focado apenas nos que considera estratégicos, criando o que a agência Associated Press chamou de "corrida paralela sem precedentes à nomeação" democrata.
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