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Coronavírus: por que um lockdown rigoroso não impediu explosão de casos no Peru

Pierina Pighi Bel e Jake Horton

Da BBC Reality Check

26/06/2020 19h03

O Peru impôs um dos primeiros e mais rigorosos lockdowns da América Latina para impedir a propagação do novo coronavírus — mas agora tem o sexto maior número de casos confirmados no mundo.

O presidente do Peru, Martín Vizcarra, diz que as coisas estão melhorando, mas afirmou anteriormente que os resultados do bloqueio "não foram exatamente o que esperávamos".

Então, por que o Peru foi tão afetado?

Fechamento de fronteiras e toque de recolher

O governo peruano impôs um lockdown no dia 16 de março, antes do Reino Unido e de outros países europeus.

As fronteiras do país foram fechadas, toques de recolher foram impostos e as pessoas podiam deixar suas casas apenas para fazer tarefas essenciais, mas as infecções e mortes continuaram aumentando.

O bloqueio no Peru foi prorrogado até o final de junho — tornando-o um dos mais longos do mundo.

Os casos relatados diariamente estão caindo agora — mas o número de mortes permanece alto.

Oficialmente, cerca de 8.500 pessoas morreram com coronavírus no país.

Mas o país tem uma das maiores taxas de mortalidade em excesso do mundo — o número de mortes acima da média nos anos anteriores ? o que sugere que o impacto excede em muito os números oficiais.

Entre 16 de março e 31 de maio, os últimos dados disponíveis, o número total de mortes no Peru foi 87% superior do que seria esperado em um ano normal, segundo a análise da BBC News.

Por que as medidas foram ineficazes?

O Peru registrou mais casos que todos os países europeus, exceto o Reino Unido, apesar de testar apenas cerca de seis pessoas em cada 1.000 — mais do que alguns países da América Latina, mas muito menos que a Itália, por exemplo, que testou cerca de 80 em cada 1.000.

Especialistas dizem que o sistema de saúde do Peru estava despreparado, levando a mais mortes. Mas vários outros fatores sociais e econômicos podem ajudar a explicar por que o Peru está lutando para conter o surto.

Listamos quatro deles.

1. Mercados

Mais de 40% das famílias no Peru não têm geladeira, de acordo com uma pesquisa feita neste ano pelo governo.

Muitas famílias "não têm uma logística que lhes permita estocar alimentos por muitos dias", diz o economista peruano Hugo Ñopo.

"Eles precisam sair para fazer compras com frequência, principalmente nos mercados", acrescenta.

O presidente Vizcarra disse que os mercados do país foram "as principais fontes de contágio".

E no mercado de frutas de La Victoria, em Lima, capital do Peru, por exemplo, 86% dos fornecedores tinham covid-19 em maio, segundo estatísticas oficiais.

O presidente Vizcarra disse: "Tínhamos mercados com 40, 50, 80% dos vendedores infectados".

"Você compraria, seria infectado, voltaria para casa com o vírus e o espalharia para toda a família."

E isso foi agravado pela restrição do horário de abertura, tornando os mercados mais movimentados, segundo o pesquisador social peruano Rolando Arellano.

O governo agora reorganizou os mercados para controlar a disseminação.

Mas especialistas dizem que as autoridades foram muito lentas para lidar com os riscos.

2. Economia informal

Cerca de 70% da população empregada no Peru trabalha no setor informal, uma das taxas mais altas da América Latina.

Esses empregos são imprevisíveis por natureza e geralmente estão em ambientes que dificultam o distanciamento social.

"Os peruanos que saíam para trabalhar tinham que usar o transporte público e vender mercadorias em mercados muito movimentados", diz Ñopo.

3. Bancos

O presidente Vizcarra também reconheceu os bancos como "pontos críticos" de infecção no início da pandemia.

"Outro grande problema que temos é alcançar as pessoas para fornecer ajuda", disse ele.

"Seria mais fácil se todos tivessem uma conta bancária."

O Peru alocou até 12% do seu PIB para ajudar as pessoas que perderam o emprego e as empresas que perderam a renda por causa das medidas de bloqueio.

O pacote econômico do governo foi amplamente elogiado.

Mas apenas 38% dos adultos peruanos têm uma conta bancária, tornando os pagamentos digitais praticamente impossíveis.

E muitos dos desempregados tiveram que ir pessoalmente aos bancos para receber seus benefícios, causando grandes filas.

O governo agora estendeu o horário bancário, para impedir aglomerações.

4. Distanciamento social

A última Pesquisa Nacional de Famílias sugere que 11,8% das famílias pobres no Peru vivem em casas superlotadas.

Algumas autoridades também observaram a falta de distanciamento social em locais públicos.

O ministro da Defesa do Peru, Walter Martos, disse: "A polícia e as forças armadas não se cansarão de trabalhar nas ruas, mercados, bancos e pontos de ônibus para ajudar a criar essa nova cultura de respeito às regras para aprender a viver com o vírus."

E quando a economia começar a reabrir, diz Arellano, será necessário "educar sobre o distanciamento entre os cidadãos e melhorar o marketing, o transporte e outros sistemas para facilitar o distanciamento".