Punição sofrida por Dallagnol é 'incomum', mas não afetará carreira, dizem procuradores
O CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) decidiu, na tarde de hoje, aplicar a pena de "censura" ao procurador da República Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.
Uma punição deste tipo não é algo comum na carreira de um membro do MPF — a maioria dos cerca de 1.150 procuradores em atividade no país terminará suas carreiras sem passar por algo parecido. Por outro lado, a nova punição no CNMP não afetará seriamente a carreira de Dallagnol: não impedirá que ele seja promovido, dizem procuradores consultados pela BBC News Brasil.
A punição nem sequer atrasará a progressão de Dallagnol na carreira, segundo um subprocurador-geral ouvido pela BBC. A pena imposta pelo CNMP impede que Dallagnol seja promovido no período de um ano — o que já não aconteceria de toda forma, porque ele não está inscrito para tentar uma promoção no futuro próximo.
Nesta terça-feira, os conselheiros do CNMP decidiram punir Dallagnol por causa de postagens dele no Twitter no começo de 2019. Na época, Dallagnol usou seu perfil na rede social, com 1,3 milhão de seguidores, para criticar o senador Renan Calheiros (MDB-AL). As postagens faziam referência à eleição para a presidência do Senado, na qual o alagoano era candidato.
Segundo disse o procurador paranaense à época, a eventual eleição de Calheiros para o comando do Senado travaria qualquer projeto anticorrupção no Legislativo. Dallagnol também pediu a seus seguidores que assinassem um abaixo-assinado a favor do voto aberto para a presidência do Senado — o que prejudicaria o emedebista na disputa.
Nesta terça, a maioria dos conselheiros do CNMP aceitou a queixa contra o procurador, apresentada por Calheiros. Prevaleceu o entendimento de que Dallagnol extrapolou os limites da liberdade de expressão, e agiu de modo a interferir no funcionamento do Poder Legislativo. Foram 9 votos a 1 contra Dallagnol.
"Reduzir este caso a um debate sobre liberdade de expressão é ignorar o imenso risco à democracia quando se abrem as portas para agentes não eleitos, vitalícios e inamovíveis, disputarem espaços, narrativas e, em última análise, o poder, com agentes eleitos, dependentes do sufrágio popular periódico", disse o relator do caso no CNMP, o conselheiro Otávio Rodrigues, indicado pela Câmara dos Deputados.
"O membro do Ministério Público deve se abster de realizar manifestações públicas, pois ao fazê-lo, também compromete a isenção perante a sociedade", disse Rodrigues.
Após a sessão do CNMP, os demais integrantes da Lava Jato paranaense manifestaram solidariedade a Dallagnol e contrariedade com a decisão do Conselho.
"A reprovação de publicação sobre votação para presidente do Senado Federal diminui o espaço de contribuição de membros do Ministério Público para a democracia do país. Coibir manifestação pública, que não fira a ética e que seja engajada com a pauta de atuação funcional, acaba fixando a todo procurador e promotor uma possibilidade de participação em debates sociais e um direito de liberdade de expressão menores do que de outros cidadãos", disseram os procuradores, em nota.
Os integrantes da Lava Jato também disseram que punições como a imposta a Dallagnol podem ser um "desestímulo à posição altiva e independente" que se espera dos membros do MP.
Outros procuradores também usaram as redes sociais para criticar a decisão do CNMP. Na visão deles, as decisões contra Deltan Dallagnol e outros membros do MPF por causa de postagens em redes sociais põem em risco o direito à liberdade de expressão ? que é assegurado aos procuradores.
Esta é a segunda vez que o Conselho do Ministério Público aplica algum tipo de sanção a Deltan Dallagnol por causa de suas opiniões públicas. Em novembro do ano passado, o CNMP aplicou-lhe a pena de advertência depois que o procurador criticou ministros do Supremo Tribunal Federal em uma entrevista à rádio CBN.
Na entrevista, concedida em agosto de 2018, Dallagnol criticou ministros do STF por enviarem trechos das delações de executivos da empreiteira Odebrecht para a Justiça Federal em Brasília, retirando a investigação sobre esses casos do Paraná. Segundo Dallagnol, a decisão dos ministros enviava uma forte mensagem "a favor da corrupção".
O advogado de Deltan Dallagnol, Alexandre Vittorino, disse que vai ao STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar anular a punição sofrida pelo procurador.
A defesa alegará, entre outros pontos, não ter sido notificada depois que uma decisão do ministro do STF Gilmar Mendes permitiu a continuidade do julgamento no Conselho. O caso estava parado por causa de uma decisão anterior de outro ministro da Suprema Corte, Celso de Mello.
O que pode acontecer com Dallagnol?
A punição de "censura" sofrida por Dallagnol é a segunda mais branda existente na Lei Complementar nº 75, de 1993, que regulamenta a carreira dos procuradores. A mais leve é a "advertência".
As punições aos procuradores normalmente seguem uma gradação: quem recebe uma advertência, e depois volta a cometer outra falta punível com a mesma pena, recebe uma pena de censura. Duas faltas puníveis com a censura dão margem para uma suspensão do serviço, por até 45 dias.
A pena mais dura é a de demissão, reservada a casos graves — condenações na Justiça ou lesão aos cofres públicos, por exemplo. Os reincidentes na pena de suspensão também podem ser punidos com a demissão do cargo.
No caso de Deltan Dallagnol, a tendência é que a punição seja esquecida com o tempo e não afete diretamente a carreira dele, segundo um subprocurador ouvido pela BBC News Brasil sob condição de anonimato.
"Punições como essas são raras. Mas é um embaraço, sem dúvida. Por outro lado, é algo que depois de certo tempo deixa de ter maior significado", diz o profissional. A "censura" não impediria Dallagnol de chegar, por exemplo, ao posto de subprocurador-geral da República, que é o último dos três níveis na carreira do MP.
"Não é algo comum (a punição), mas também não há tantos efeitos. O fato é que ele já terá um 'antecedente' disciplinar (em futuros julgamentos no CNMP)", diz outro procurador.
As promoções no Ministério Público se dão de duas formas: por antiguidade no cargo e por merecimento. No segundo caso, as punições a Dallagnol no CNMP podem ser levadas em conta, acrescenta o mesmo procurador.
Punição divide o mundo político
A punição aplicada contra Dallagnol repercutiu fortemente entre os políticos nesta terça-feira (8). Defensores do procurador — e da operação Lava Jato — criticaram a decisão do CNMP. Já os críticos de Dallagnol elogiaram a medida.
A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) disse que a penalidade "atrasa a progressão na carreira". Também afirmou, erroneamente, que a censura é a "segunda mais grave" das penalidades possíveis — na verdade, é a segunda menos pesada.
O senador Alvaro Dias (Podemos-PR), por sua vez, disse que a decisão do CNMP representava uma "inversão de valores", e que o CNMP está sendo "utilizado para condenar os que combatem a corrupção".
Autor da representação que resultou na punição a Dallagnol, Renan Calheiros celebrou a decisão do CNMP no Twitter. Segundo ele, a medida adotada pelo Conselho "é branda", diante da "odiosa perseguição de Deltan" contra si. O senador também disse que irá à Justiça contra o procurador, pedindo reparação por danos morais.
Ex-líder da bancada do PT na Câmara, o deputado federal Paulo Pimenta (RS) disse que Dallagnol foi punido por "cometer abusos e influenciar na eleição do Senado".
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