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É tarde demais para conter influência global da China, diz dissidente e artista Ai Weiwei

Ai Weiwei: "O Ocidente deveria ter se importado com a China décadas atrás" - Getty Images
Ai Weiwei: "O Ocidente deveria ter se importado com a China décadas atrás" Imagem: Getty Images

John Simpson - Editor de Assuntos Internacionais da BBC

08/10/2020 05h24

O artista e dissidente chinês disse que o Ocidente deveria ter se preocupado com o crescimento do poder mundial de Pequim décadas atrás. Agora, qualquer país que desafie os interesses chineses "sofrerá as consequências", alerta.

O conhecido artista e dissidente chinês Ai Weiwei diz que a influência da China se tornou tão grande que não pode mais ser parada.

"O Ocidente deveria ter se importado com a China décadas atrás", diz ele. "Agora é um pouco tarde porque o Ocidente construiu seu sólido sistema a partir da China e interrompê-lo o prejudicaria profundamente. É por isso que a China é tão arrogante."

Ai Weiwei nunca fez rodeios ao falar sobre o país dele, que descreve como "um Estado policialesco".

O artista projetou o famoso estádio dos Jogos Olímpicos de 2008, em Pequim, popularmente conhecido como "O ninho do pássaro", mas mais tarde enfrentou sérios problemas quando criticou o governo da China.

Em 2015, o ativista deixou a China e se estabeleceu primeiro em Berlim e, desde o ano passado em Cambridge, na Inglaterra.

Ai acredita que a China está atualmente usando seu imenso poder econômico para impor sua influência política.

E podemos certamente dizer que a China se tornou muito mais assertiva nos últimos anos.

Influência crescente

Até cerca de uma década atrás, a China apresentava uma imagem modesta para o mundo. O slogan oficial do governo era "esconder a força e aguardar o momento".

Os ministros chineses insistiram que o país ainda era uma nação em desenvolvimento que tinha muito a aprender com o Ocidente.

Então Xi Jinping assumiu o poder. Ele se tornou secretário-geral do Partido Comunista em 2012 e presidente do país no ano seguinte.

A velha modéstia se desvaneceu e um novo slogan emergiu: "Esforce-se para ter êxito".

Destaques da entrevista com Ai Weiwei

— Sobre a situação atual na China: "A geração jovem entende o desafio atual (...) Mas eles não podem controlar a situação porque a China é basicamente uma potência militar."

— Sobre o governo e seu controle sobre os cidadãos: "Qualquer coisa que for colocada na internet, mesmo uma única frase, a polícia vai aparecer na sua porta. Eles usam esse tipo de tática para intimidar os próprios cidadãos. Para ensiná-los que, se você tiver uma opinião diferente, não só você vai ter problemas, mas também seus filhos ".

— Sobre os perigos de criticar o governo chinês: "Eu posso sacrificar tudo... Não importa, pessoas morrem, mas preciso aproveitar este momento para alçar minha voz por melhores condições — ou minha visão de melhores condições —para a sociedade chinesa".

— Sobre o comunismo na China: "O comunismo na China não vai desaparecer por si só, mas pode desaparecer a qualquer momento, simplesmente porque não tem os princípios ou a ideologia que protegem os direitos humanos ou a dignidade humana (....) Uma pequena chama pode causar um grande incêndio e isso pode acontecer a qualquer momento".

Em certo sentido, a China ainda é uma nação em desenvolvimento, com 250 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza.

Mas, ao mesmo tempo, já é a segunda maior economia do mundo e está a caminho de superar os Estados Unidos daqui a cerca de uma década.

A influência da China no mundo é cada vez mais evidente, em um momento em que a liderança dos Estados Unidos tem caído drasticamente.

Tenho visto por mim mesmo sinais da crescente força e influência da China em todo o mundo, da Groenlândia ao Caribe, do Peru à Argentina; da África do Sul ao Zimbábue, do Paquistão à Mongólia.

O presidente do comitê de Relações Exteriores do Parlamento britânico, Tom Tugendhat, acusou recentemente a China de pressionar Barbados para deixar de ter a Rainha Elizabeth 2º como chefe de Estado.

Atualmente, a China tem uma presença significativa em praticamente todos os cantos do planeta. E qualquer país que desafie seus interesses sofrerá as consequências.

Quando o líder tibetano Dalai Lama visitou Downing Street, a sede do governo britânico, as relações entre o Reino Unido e a China congelaram.

E recentemente, quando o presidente do Parlamento da República Tcheca visitou Taiwan, um alto diplomata chinês avisou que "o governo e o povo chinês não ficarão de braços cruzados diante da provocação aberta do presidente do parlamento tcheco e das forças anti-China por trás dele. Ambos pagarão um preço muito alto. "

Múltiplos confrontos

No entanto, Hu Xijin, porta-voz e influente editor-chefe do jornal oficial chinês Global Times, rebate qualquer sugestão de que Pequim esteja fazendo bullying ou intimidações a nível internacional.

"Eu lhe faço a seguinte pergunta: quando a China pressionou um país a fazer algo contra sua vontade? São os Estados Unidos que continuam impondo sanções, especialmente econômicas, contra muitas nações. Qual país a China sancionou?", disse Hu.

"Já impusemos sanções contra um país inteiro? Apenas expressamos nosso descontentamento em relação a assuntos específicos, e somente quando os interesses do nosso país são desafiados."

Mas a China protagoniza confrontos ferozes contra muitos países: Taiwan, Austrália, Japão, Canadá, Índia (com quem travou brigas fronteiriças), o Reino Unido e, claro, os Estados Unidos.

A linguagem usada pelo Global Times às vezes pode soar como a pior retórica da era Mao Zedong.

O próprio Hu escreveu recentemente um editorial descrevendo a Austrália como "a goma de mascar presa sob as botas da China". Quando perguntei a ele sobre esse comentário, ele respondeu que o atual governo australiano havia repetidamente atacado a China.

"Sinto como se fosse um chiclete preso na sola do meu sapato, do qual não consigo me livrar. Não é uma sensação agradável. Usei essa imagem como uma expressão e tenho o direito de expressar minha opinião", disse Hu.

Sobre Hong Kong

Hu é próximo do presidente Xi e podemos imaginar que ele não faria tais afirmações se não tivesse o apoio dos líderes chineses. Quando perguntei a opinião dele sobre a situação em Hong Kong, ele não poupou palavras.

"O governo chinês não se opõe à democracia e às liberdades em Hong Kong, incluindo o direito de seus habitantes de protestar nas ruas pacificamente", disse ele.

"Mas o ponto é que eles devem ser pacíficos. Somos a favor de um uso ainda maior da força policial de Hong Kong contra protestos violentos."

"Se os manifestantes violentos colocam em perigo a vida da polícia, jogando bombas ou coquetéis molotov, acredito que a polícia deve ser livre para usar suas armas e abrir fogo."

Se a polícia realmente começasse a atirar abertamente contra os manifestantes em Hong Kong, haveria uma forte condenação internacional.

A maioria dos observadores estrangeiros aponta que o comportamento agressivo da China na verdade esconde um nervosismo latente.

O Partido Comunista não é eleito, então não tem como medir se ele tem apoio genuíno na China. Você não pode ter certeza de que ele sobreviverá a uma crise grave, como um grande colapso econômico, por exemplo.

O presidente Xi e os membros da formação dele estão cientes da forma como o antigo império soviético desapareceu entre 1989 e 1991 por falta de apoio dos cidadãos.

Hu não acredita que uma nova Guerra Fria tenha sido desencadeada. A disputa da China, garante ele, é basicamente com os Estados Unidos.

O editor afirmou que os ataques de Donald Trump à China estão amplamente ligados à campanha dele para ganhar as eleições presidenciais de 3 de novembro.

Sem dúvida, depois das eleições, é provável que o ambiente entre os dois países tenda a melhorar, independentemente de quem seja o vencedor.

A China é muito grande e está muito envolvida na vida de todos para que os Estados Unidos e seus aliados mantenham um estado permanente de hostilidade contra Pequim.

Mas isso apenas reforça o aviso de Ai Weiwei: é tarde demais para o Ocidente se proteger contra a influência da China.