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Eleição histórica no Peru é marcada por candidatos com alta rejeição e visões opostas

Pedro Castillo e Keiko Fujimori se enfrentam neste domingo, no segundo turno das eleições do Peru - Getty Images
Pedro Castillo e Keiko Fujimori se enfrentam neste domingo, no segundo turno das eleições do Peru Imagem: Getty Images

Marcia Carmo - De Buenos Aires para a BBC News Brasil

05/06/2021 14h20

Keiko Fujimori, populista de direita, e Pedro Castillo, definido como esquerda marxista, deverão brigar voto a voto em país duramente atingido por crises sanitária, econômica e política.

Os eleitores peruanos votam, neste domingo (13/6), no segundo turno da eleição presidencial entre dois candidatos completamente opostos, que representam, de um lado, a política tradicional populista e, do outro, a promessa de guinada total no sistema em vigor no país.

Pelos perfis extremamente adversos da candidata Keiko Fujimori, da Fuerza Popular (Força Popular), e de Pedro Castillo, do Perú Libre (Peru Livre), a votação está sendo chamada de "histórica" entre analistas e eleitores peruanos, em meio a uma crise política e sanitária que não tem precedentes.

Candidata pela terceira vez, Keiko é velha conhecida dos peruanos, tanto por sua própria trajetória - ela chegou a ser detida sob acusação de ter recebido US$ 1,2 milhão irregularmente da empreiteira brasileira Odebrecht no Peru - como pelo fato de ser filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), atualmente preso por abusos de direitos humanos.

Keiko defende a manutenção das regras econômicas atuais, como o livre comércio e medidas que facilitem os investimentos externos, incluindo a mineração, um dos alvos nos planos de nacionalização de seu opositor - a quem ela costuma se referir como representante do "comunismo".

Quando criticada pelos erros na gestão de seu pai, que foi condenado em 2009 como autor intelectual de matanças que deixaram 25 vítimas no país - ela costuma responder que 20 anos se passaram, pediu desculpas e responsabiliza os governos que o sucederam pelas crises em curso no país andino.

"O problema de Keiko são as bagagens que carrega, uma de seu pai e outra de si mesma", disse à Reuters o analista político Fernando Tuesta.

Para ela e para seus eleitores, porém, o opositor Castillo representa a "imprevisibilidade".

Já para os apoiadores de Castillo, ele simboliza a esperança da "inclusão", num país com as bases econômicas nos trilhos, mas que, apesar dos números, não levou o estado de bem estar a todos.

Pedro Castillo, o outsider

Castillo é uma espécie de "outsider" da política peruana, definido como "esquerda marxista", que admira o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e o sucessor deste, Nicolás Maduro - para "desespero", dizem fontes, de investidores e das classes médias e das mais abastadas que "temem" pelo seu dinheiro.

Professor do ensino fundamental, Castillo, de 51 anos, é a grande surpresa da disputa eleitoral.

Com seu chapéu de palha, montado a cavalo e exibindo um lápis, ele simboliza o voto dos que sentem que não foram incluídos no boom econômico vivido pelo país nas últimas décadas.

Ele costuma dizer que quer o "Estado na vida das pessoas" e termina suas falas com o seu emblemático "palavra de maestro" ('palavra de professor').

Nos últimos dias, Castillo gerou polêmica ao dizer que "os feminicídios são resultado da ociosidade". Depois de sofrer críticas, afirmou que os crimes de morte contra as mulheres se devem à inação do Estado.

O candidato é interpretado como "estatizador no âmbito econômico e conservador no social".

O Peru é um dos países com maiores índices de católicos na América Latina e onde o debate sobre a inclusão de LGBTI ainda está longe na comparação com outros países da região como Argentina e Uruguai, por exemplo.

Castillo rejeita a comunidade gay, mas passou a contar com o apoio da emblemática política de esquerda no país, Verónica Mendoza, que tem a simpatia do voto urbano e é a favor da comunidade LGBTI.

"Acho que a única coincidência entre Keiko e Castillo é que os dois só reconhecem dois sexos, homem e mulher", observou o analista peruano Carlos Aquino, da Universidade Nacional Maior de San Marcos, de Lima. Os dois também agiram de forma similar ao não respeitarem apelos do governo do presidente atual Francisco Sagasti para que não provocassem aglomerações, que acabaram ocorrendo no último dia da campanha eleitoral, na noite de quinta-feira, três dias antes da votação.

Alta rejeição e conservadorismo social

Nos dois casos, dizem analistas e observadores ouvidos pela BBC News Brasil, a rejeição registrada pelos candidatos é alta, alimentando a polarização apontada como "inédita" no país que viu a queda em série de presidentes nos últimos anos, acusados de corrupção.

"Keiko fez uma campanha com propostas mais concretas para diferentes setores e falou muito às mulheres. Mas ela tem um anti-voto alto, em parte por ela mesma e em parte pelo fujimorismo que simboliza", disse o analista Alfredo Torres, presidente da Ipsos Peru.

Sobre Castillo, o analista o definiu assim: "Castillo cometeu erros, como as declarações machistas sobre o feminicídio, e propostas que mostraram inconsistência. Mas ele tem o apoio dos eleitores dos que são das regiões rurais e que mesmo morando na capital mantém a cultura popular andina e se identificam com ele". Num pronunciamento na sexta-feira (4), pouco antes da votação, o presidente Sagasti fez um apelo para que os candidatos respeitem "escrupulosamente" o resultado deste domingo.

Pandemia

A eleição será realizada poucos dias depois de o governo ter reconhecido que o número de óbitos por covid-19 é mais que o dobro do que os 70 mil que havia informado anteriormente.

O país de quase 33 milhões de habitantes registra oficialmente até agora 180 mil mortos pela doença - trata-se da mais alta taxa do mundo em mortes a cada milhão de habitantes, segundo a plataforma Our World in Data, da Universidade de Oxford.

A pandemia de coronavírus evidenciou as mazelas enfrentadas pelos peruanos, como a falta de oxigênio nos hospitais, que provocam filas por cilindros no mercado paralelo, e, no âmbito educacional, a falta de acesso à internet para que as crianças do interior possam estudar fora das escolas.

A pandemia mostrou ainda que a ausência de políticas voltadas aos cerca de 70% dos peruanos que trabalham como informais fez com que muitos descumprissem a orientação de "ficar em casa" para se proteger do vírus.

No primeiro ano da pandemia, em 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) do país registrou queda de quase 13%, a pior da América do Sul. E apesar da previsão de forte recuperação neste ano - atribuída aos seus pilares econômicos, como baixa inflação e reservas no Banco Central -, a exclusão social foi agravada nestes meses pandêmicos.

Aos problemas sanitários e econômicos se soma a convulsão política. Em novembro passado, em meio a processos de impeachment, protestos e renúncias, o Peru chegou a ter três presidentes no intervalo de uma semana.

"Cansaço"

Neste contexto, amplo setor da população de habitantes parece mostrar "cansaço" com as políticas em vigor no país, o que contribuiu para que Castillo chegue ao segundo turno da eleição.

"Nas regiões mais pobres, muitos se identificam com ele. Pensam: 'ele é como eu, ele entende meus problemas'", disse um observador que acompanha as entranhas políticas no país.

Torres, da Ipsos Peru, recorda que o candidato esquerdista costuma falar que o Peru é um país rico, com pobres. "Ele diz 'chega de pobres em um país rico, palavra de professor'. Mas ele já mudou de equipes várias vezes e não deixa claro como cumprirá suas promessas", apontou Torres.

O analista observa que o país já teve eleições muito disputadas no passado, mas nenhuma com candidatos "tão extremamente diferentes".

Aquino, economista, professor da Universidade San Marcos, disse, por sua vez, que o que está claro, na esfera econômica, é que se Keiko for eleita, o país seguirá "bem ou mal, mais ou menos igual que agora", mas que "não está totalmente claro o que acontecerá se Castillo for eleito".

No ambiente de polarização, rejeição, boatos, os peruanos se surpreenderam e ficaram chocados com um ataque que deixou 14 mortos, no mês passado, e foi atribuído ao grupo extremista Sendero Luminoso - um dos alvos principais das políticas do fujimorismo na década de 1990.

Keiko buscou associar o atentado a políticos vinculados à oposição. "Hoje, mais que nunca devemos defender nossa pátria e votar com muita calma no dia 6 de junho (dia da eleição)", disse.

Castillo, por sua vez, reprovou o que chamou de "ataque selvagem" e pediu o "peso da lei".

As pesquisas de opinião apontam empate técnico entre os dois candidatos, que terão de disputar o pleito voto a voto e que tampouco têm maioria no Congresso.


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