Com 5% de vacinados, Austrália corre para conter variante Delta
Autoridades da Austrália estão se preparando para uma "nova fase da pandemia" de coronavírus, o que motivou nesta segunda-feira (28/6) uma reunião de emergência convocada pelo primeiro-ministro do país, Scott Morrison, que se juntou a membros do alto escalão do seu governo e líderes locais.
A maior cidade australiana, Sydney, já registra um surto causado pela variante Delta com 128 casos, e outros picos estão emergindo nos Estados de Queensland e Austrália Ocidental, além do Território do Norte. É a primeira vez em meses que casos de covid-19 crescem ao mesmo tempo em várias partes do país.
A nível local, já foi determinado o endurecimento do lockdown em Sydney e Darwin (capital do Território do Norte).
"Acho que estamos entrando em uma nova fase desta pandemia, com uma cepa Delta mais contagiosa", disse o tesoureiro Josh Frydenberg, membro do gabinete do primeiro-ministro, à rede ABC News antes do encontro do comitê de resposta à covid-19.
Depois da reunião, Morrison anunciou a vacinação obrigatória de trabalhadores de casas de repouso mais velhos. Segundo fontes, foi discutido, mas ainda não confirmado oficialmente, o endurecimento de regras de isolamento a nível nacional.
O país busca se antecipar a uma onda de casos que reverta o seu eficiente controle da pandemia até aqui, conquistado com fechamento de fronteiras em casos de surtos, quarentenas rígidas, sistema de rastreamento e muitos testes realizados.
Até a noite desta segunda-feira (28/6), a Austrália registrava 910 óbitos e 30,5 mil casos de covid-19, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. A título de comparação, o Brasil soma 513.474 mortos e 18,4 milhões de registros da doença.
Mas há um dado relativo à covid-19 que está deixando a Austrália para trás e se tornando alvo de preocupação: apenas 4,78% de sua população foi vacinada com as duas doses — no Brasil, essa taxa é de 12,13%, segundo a Johns Hopkins.
Cerca de 30% da população adulta do país recebeu a primeira dose da vacina da Pfizer ou da AstraZeneca.
"A Austrália teve uma resposta brilhante (à pandemia) e, na realidade, ainda está em uma boa posição comparada a maioria dos outros países. Mas por algum motivo, tanto o governo federal quanto os estaduais simplesmente não estão aprendendo a partir do que está acontecendo em outros lugares", disse o epidemiologista Adrian Esterman, da Universidade da Austrália do Sul, ao site NewsGP (site de notícias vinculado ao conselho de médicos clínicos gerais do país).
"Nossa população está incrivelmente vulnerável por conta da falta de vacinação. Sabemos que duas doses de qualquer uma das duas vacinas dão bastante proteção contra a variante Delta, e mesmo assim apenas cerca de 4% da população foi integralmente vacinada."
A variante Delta, detectada inicialmente na Índia, já é predominante em países como Reino Unido, Rússia e Portugal, e possivelmente também na Austrália.
'Austrália passou a depender quase exclusivamente de vacinas no exterior', explica brasileiro
O epidemiologista Sandro Sperandei, brasileiro e professor da Western Sydney University, diz que, em meados de 2020, o governo australiano não entrou na corrida pela compra de doses de vacinas no mesmo ritmo dos Estados Unidos, por exemplo — que já encomendava milhares de imunizantes que ainda nem haviam sido testados em etapas avançadas.
"Inicialmente, o governo (australiano) demorou a tomar uma atitude em relação às vacinas. E era justificável até certo ponto, dada a situação confortável que o país se encontrava. Aguardar mais informações sobre a segurança e a eficácia das vacinas foi a justificativa", explica Sperandei, doutor em biologia computacional pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro.
O pesquisador brasileiro conta que a Austrália também apostou no desenvolvimento de uma vacina nacional, a Novavax, e em uma parceria para produção da Astrazeneca em seu território. Mas ambos caminhos se depararam com atrasos nos projetos.
"Então, a Austrália passou a depender quase exclusivamente de vacinas no exterior", diz o epidemiologista, ele mesmo já imunizado com duas doses da Pfizer por ser profissional de saúde.
"A Austrália teve uma das melhores abordagens contra a pandemia no mundo. Não é que o governo devesse ter investido mais nas vacinas do que nas medidas não farmacológicas (como lockdown e uso de máscara). As duas coisas têm que acontecer ao mesmo tempo."
Outra possível explicação para a baixa vacinação que tem sido levantada é a recusa da população em se vacinar — por exemplo pelo temor dos raros efeitos colaterais na coagulação atribuídos à imunização com doses da AstraZeneca, a principal vacina usada no país.
Sperandei concorda que o "movimento antivacina tem uma expressão relativamente forte na Austrália".
Por outro lado, uma pesquisa publicada em dezembro pela Ipsos, em parceria com o Fórum Econômico Mundial, mostrou que os australianos estavam entre aqueles mais dispostos a tomar a vacina contra a covid-19 (75%), assim como os brasileiros (78%). A intenção mais baixa de se imunizar foi encontrada na França (40%), o que tem sido atribuído a uma antiga resistência cultural às vacinas, repaginadas e incrementadas por notícias falsas circulando na internet.
Sydney
Com mais de 5 milhões na região metropolitana, Sydney está tomando medidas para conter o maior surto desde dezembro em seu território, que começou há cerca de duas semanas em Bondi, famoso bairro praiano.
Nos últimos meses, os moradores da cidade levaram uma vida praticamente sem restrições, com bares e boates funcionando e apenas a exigência de máscara em situações pontuais, como no transporte público.
Mas uma nova fase do lockdown determinou que, agora, as máscaras sejam usadas também em ambientes internos e que as casas só recebam visitas de no máximo cinco pessoas. Restaurantes, academias e estádios também terão sua atividade limitada.
Vivendo na grande Sydney, Sandro Sperandei diz que a rotina nos últimos meses, e mesmo nas últimas semanas, continua "confortável" — apenas do último fim de semana, viu pessoas fazendo o "panic buying" no supermercado, ou seja, comprando produtos em quantidades atípicas para estocá-los diante da previsão de um cenário mais adverso.
Até aqui, pessoas como o pesquisador brasileiro vinham vivendo uma rotina de encontros e atividades de lazer liberados, e ao mesmo tempo controlados. Sperandei conta, por exemplo, que já é hábito chegar a um restaurante e marcar em um aplicativo do governo sua chegada e sua saída — uma forma de controle de todas as pessoas que estiveram em um estabelecimento e que poderão ser contatadas e testadas, caso tenham estado no mesmo ambiente de uma pessoa eventualmente diagnosticada com covid-19.
O brasileiro conta também que, nos últimos meses, os governos locais conseguiram ter um controle da situação a ponto de realizar lockdowns pontuais — por exemplo em um distrito determinado da cidade que teve grandes aglomerações no ano novo.
Entretanto, com o aumento de casos nas últimas semanas, o governo estadual de Nova Gales do Sul estendeu o endurecimento do lockdown para toda a Grande Sydney, Blue Mountains, Central Coast e Wollongong.
A premiê do Estado, Gladys Berejiklian, disse que houve uma ligeira diminuição de novos casos diários ? de 30 para 18 nos últimos dois dias. Quase 59 mil pessoas foram testadas nas últimas 24 horas.
O governo estadual pediu que a população tome a vacina, destacando que em uma festa recente em Sydney que foi rastreada, 24 das 30 pessoas presentes haviam sido infectadas. As que não foram tinham sido imunizadas.
"Temos que estar preparados para os números aumentarem consideravelmente porque, com esta variante, estamos vendo quase 100% de transmissão dentro das famílias", disse Berejiklian.
Restrições de voos para a Nova Zelândia
Além de Sydney, os governos estão monitorando também surtos locais. Por exemplo, no Estado do Território do Norte, um ciclo de contaminação com a variante Delta começou em um campo de mineração e pode se espalhar pela população.
As autoridades também estão em alerta depois que um membro da tripulação da empresa aérea Virgin Australia foi diagnosticado com covid-19, a partir de infecção com a variante Delta, depois de trabalhar em cinco voos domésticos recentes. A companhia áerea entrou em contato com todos que estiveram nos mesmos voos.
Em uma decisão desconectada desse episódio do funcionário da Virgin Australia, mas relacionada ao contexto de emergência de casos, a Nova Zelândia interrompeu no sábado (26) a "bolha aérea" que liga o país à Australia, pelo menos até esta terça-feira (29).
Os voos entre a Nova Zelândia e algumas localidades específicas na Austrália foram parcialmente interrompidos ao longo da pandemia por conta de surtos pontuais, mas esta é a primeira vez que a "bolha" foi fechada com toda a Austrália.
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