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Por que governo do México está processando fabricantes de armas dos EUA

Para o México, os EUA alimentam o derramamento de sangue por meio de práticas comerciais negligentes - AFP
Para o México, os EUA alimentam o derramamento de sangue por meio de práticas comerciais negligentes Imagem: AFP

05/08/2021 15h48Atualizada em 05/08/2021 15h48

O governo do México decidiu processar alguns dos maiores fabricantes de armas dos Estados Unidos, acusando-os de alimentar o derramamento de sangue por meio de práticas comerciais negligentes.

A ação, movida no Tribunal Federal em Boston, nos Estados Unidos, alega que as empresas sabiam que estavam contribuindo para o tráfico ilegal de armas, que está relacionado a muitas mortes no México.

Segundo dados do próprio Executivo mexicano, a cada ano mais de 500 mil armas são traficadas ilegalmente dos Estados Unidos e, só em 2019, foram responsáveis por mais de 17 mil homicídios dolosos no México.

A ação aponta 11 empresas produtoras e distribuidoras de armas como promotoras de "práticas comerciais negligentes e ilícitas, que facilitam o tráfico ilegal de armas para o México". As empresas ainda não se manifestaram.

O documento afirma que o governo mexicano decidiu processar "para pôr fim ao dano que (as empresas) causam ao facilitar ativamente o tráfico de suas armas para cartéis de drogas e outros criminosos no México".

Os fabricantes de armas "têm consciência de que seus produtos são traficados e utilizados em atividades ilícitas contra a população civil e autoridades mexicanas", afirmou o Ministério das Relações Exteriores em documento referente ao processo.

O México disse que as empresas usaram "estratégias de marketing para promover armas cada vez mais letais, sem mecanismos de segurança ou rastreabilidade".

O México tem regras que regulamentam a venda de armas e elas só podem ser compradas legalmente em uma loja localizada em uma base do Exército na capital. Assim, aqueles que buscam comprar armas costumam obtê-las dos Estados Unidos.

De acordo com um comunicado do governo mexicano, organizações criminosas compram milhares de pistolas, fuzis e munições em supermercados, na internet e em feiras de armas nos Estados Unidos, que depois são utilizadas para cometer crimes no México.

Em entrevista coletiva na quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores, Marcelo Ebrard, disse: "Vamos ganhar o julgamento e reduzir drasticamente o tráfico ilícito de armas para o México".

Autoridades mexicanas enfatizaram que o processo não visava o governo dos Estados Unidos. Ebrard disse acreditar que o governo do presidente Joe Biden está disposto a trabalhar com o México para conter o tráfico de armas.

"Não pode haver um incidente diplomático porque não é uma disputa com o governo dos Estados Unidos", afirmou Ebrard, que disse que a ação não substitui outros esforços necessários e reconheceu que "o México tem que fazer mais e melhor para controlar sua fronteira."

"Mas é fundamental. Se não fizermos uma demanda dessa natureza e não ganharmos, eles não vão entender, vão continuar fazendo a mesma coisa e vamos continuar a ter mortes todos os dias em nosso país."

No entanto, os especialistas duvidam da probabilidade de sucesso do México com o processo.

Lorenzo Meyer, professor emérito do Colégio de México, disse à agência de notícias AFP que a lei dos EUA "torna quase impossível que fabricantes de armas sejam responsabilizados" pelo comércio ilegal.

O que pede o governo mexicano

A ação, que resulta de "dois anos de trabalho", visa que as empresas indenizem financeiramente o governo mexicano com um valor que será determinado em julgamento.

A demanda se baseia não apenas nas mortes geradas pelo tráfico ilegal de armas, mas também no grave impacto econômico que tem em áreas como segurança, saúde, comércio ou turismo, que, segundo cálculos citados pelo governo, podem chegar a 1,5% do PIB mexicano.

Segundo Ebrard, o principal objetivo do processo não é um acordo financeiro, mas sim "modificar ações das empresas que estão sendo, pelo menos, negligentes".

Assim, ele pediu às empresas que desenvolvessem e implementassem padrões razoáveis e verificáveis para monitorar e, quando apropriado, "disciplinar seus distribuidores", insistindo que eles não estavam isentos de responsabilidade pelo uso de armas após sua venda.

Ele também defendeu a incorporação de mecanismos de segurança nas armas para prevenir seu uso por pessoas ligadas ao crime e, por fim, que as empresas paguem estudos e campanhas na mídia voltadas ao combate ao tráfico de armas.

Problema bilateral

O tráfico de armas é uma das questões mais complicadas na relação bilateral entre o México e os Estados Unidos. Diferentes governos mexicanos pediram mais esforços aos EUA para controlar o tráfico de armas, dadas as graves dificuldades de controle do México.

Segundo dados de 2019 do governo mexicano, 70% dos assassinatos no país são cometidos com armas de fogo (em 1997, eram apenas 15%) e a maioria vem dos Estados Unidos.

Através da fronteira, milhares de pistolas, fuzis ou metralhadoras escondidas em carros ou caminhões de carga cruzam ilegalmente para o México a cada ano.

Isso foi visível em muitas ocasiões. Durante a operação fracassada para capturar Ovidio Guzmán López, filho de Joaquín "El Chapo" Guzmán, em 2019, foram identificadas nas mãos do cartel de Sinaloa armas como fuzis AK47 ou metralhadoras como Browning M2 o calibre .50 — uma das mais poderosas usadas pela infantaria dos EUA.

Não está claro quantas armas ilegais existem no México. Há dois anos, o governo mexicano disse que cerca de 2 milhões entraram ilegalmente no país na última década. Mas, nesse período, as autoridades confiscaram apenas 193 mil armas.

A maioria foi comprada de empresas localizadas em estados fronteiriços como Califórnia, Arizona, Novo México e Texas, onde há mais de 20 mil arsenais e estabelecimentos autorizados para venda.

A forma de operação mais comum é o chamado "tráfico de formigas", onde centenas de pessoas compram separadamente uma ou mais armas que entregam a grupos que as enviam para o México.

São cidadãos americanos sem antecedentes criminais, como acusados de cometer crimes, ou sem problemas de estabilidade mental, por exemplo, e que assim conseguem passar na revisão de seus antecedentes.