Topo

Esse conteúdo é antigo

Como o que aconteceu em Saigon na Guerra do Vietnã se compara ao que está acontecendo em Cabul

Helicóptero militar dos EUA sobrevoa Cabul durante a retirada de americanos em 15 de agosto de 2021 - Reuters
Helicóptero militar dos EUA sobrevoa Cabul durante a retirada de americanos em 15 de agosto de 2021 Imagem: Reuters

Redação

Da BBC News Mundo

18/08/2021 11h09Atualizada em 18/08/2021 11h28

A comparação é inevitável.

Um helicóptero solitário dos Estados Unidos sobrevoa a capital de um país tomado por uma força insurgente que avança rapidamente. As embaixadas estrangeiras são desocupadas. O caos reina nas ruas enquanto civis, assustados com as possíveis represálias do novo governo que se impõe, tentam desesperadamente deixar o país nos últimos voos disponíveis.

As cenas são de 15 de agosto de 2021 em Cabul, no Afeganistão. Mas poderiam ser as mesmas de 46 anos atrás no Vietnã.

Em 30 de abril de 1975, Saigon, até então capital do Vietnã do Sul, foi derrubada diante da entrada das forças comunistas do norte, marcando o fim de uma intervenção militar americana de quase duas décadas no país asiático.

Foi um momento humilhante para o país mais poderoso do mundo. A guerra do Vietnã é considerada a primeira derrota militar dos Estados Unidos — da qual ainda restam sequelas físicas e emocionais.

Agora, muitos críticos do atual governo americano rotulam a queda de Cabul como "a Saigon de Joe Biden".

Saigon, 29 de abril de 1975: um helicóptero dos EUA tenta retirar civis da cobertura de um prédio - Getty Images - Getty Images
Saigon, 29 de abril de 1975: um helicóptero dos EUA tenta retirar civis da cobertura de um prédio
Imagem: Getty Images
Civis afegãos tentam desesperadamente embarcar em avião no aeroporto de Cabul - BBC - BBC
Civis afegãos tentam desesperadamente embarcar em avião no aeroporto de Cabul
Imagem: BBC

O que aconteceu no Vietnã?

Os Estados Unidos se envolveram no conflito do Vietnã em 1954, após a também humilhante derrota das forças imperiais da França, que havia colonizado o território conhecido como Indochina desde o século 19.

O Vietnã foi dividido em dois países, com o Vietnã do Norte controlado por uma ideologia comunista, sob a liderança de Ho Chi Minh, cujo objetivo era a reunificação.

O então presidente americano, Dwight Eisenhower, decidiu intervir em apoio ao Vietnã do Sul, convencido de que, se caísse nas mãos do comunismo, o mesmo aconteceria em breve com os países vizinhos — o chamado efeito dominó.

Embora Eisenhower não tenha mobilizado tropas, ele enviou assessores e assistência militar. O governo seguinte, de John Kennedy, se envolveu mais profundamente, destinando mais orçamento e divisões militares, além de conduzir operações secretas.

Mas foi só em 1965 que os Estados Unidos entraram formalmente na guerra sob a liderança do presidente Lyndon Johnson, com uma campanha intensa de bombardeios contra alvos norte-vietnamitas e a presença de mais de 500 mil soldados no ápice do conflito.

No total, mais de 2,5 milhões de americanos serviram na guerra.

Talebãs armados andam de carro pelas ruas da província de Laghman em 15 de agosto de 2021 - AFP - AFP
Talebãs armados andam de carro pelas ruas da província de Laghman em 15 de agosto de 2021
Imagem: AFP
 Saigon, 30 de abril de 1975: tropas norte-vietnamitas entram na capital do Vietnã do Sul de carro - Getty Images - Getty Images
Saigon, 30 de abril de 1975: tropas norte-vietnamitas entram na capital do Vietnã do Sul de carro
Imagem: Getty Images

O conflito continuou durante o governo de Richard Nixon, até que este, aos poucos, retirou quase todas as tropas de combate americanas e negociou os Acordos de Paz de Paris em 1973.

Os acordos previam a saída unilateral dos Estados Unidos e a troca de prisioneiros. Nixon havia prometido proteger o Vietnã do Sul com bombardeios aéreos para que não fosse arrasado pelo Norte, mas seus próprios problemas com o escândalo do caso Watergate o impediram de fazer isso.

Quando Gerald Ford assumiu o comando da Casa Branca em 1974, o equilíbrio de poder no Vietnã estava claramente a favor do Norte, que lançou uma ofensiva final, culminando na queda de Saigon em 30 de abril de 1975.

Cenas de caos foram presenciadas nas ruas, com multidões aglomeradas em frente à embaixada dos Estados Unidos e ao aeroporto de Saigon, buscando desesperadamente sair do país, enquanto as forças comunistas vitoriosas ocupavam a capital.

A guerra do Vietnã em vários círculos é considerada objeto de vergonha nacional para os Estados Unidos. Um longo conflito que tirou a vida de 58 mil soldados americanos e mais de 2 milhões de vietnamitas, custou mais de US$ 100 bilhões na época e, ainda assim, não conseguiu atingir os objetivos estabelecidos.

Uma intervenção diferente com um final parecido

A guerra dos Estados Unidos no Afeganistão durou 20 anos, o conflito bélico mais longo da história americana. Embora a intervenção no Vietnã tenha durado mais ou menos o mesmo tempo, essa guerra só foi formalizada como tal cerca de 10 anos depois de início do conflito.

No Afeganistão, eles não lutavam mais contra o comunismo. O novo inimigo era o declarado "terrorismo", promovido principalmente pela Al-Qaeda com a aprovação do Talebã, que controlava o país asiático.

Após os ataques de 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush lançou uma forte ofensiva aérea que logo derrubou o governo do Talebã e baniu a Al-Qaeda do Afeganistão.

Mas depois dessa vitória, o plano mudou e o foco foi a completa derrota militar do Talebã e a reconstrução das instituições do Estado afegão para evitar que se tornasse uma base para extremistas novamente.

Isso implicava em uma forte presença militar que foi reforçada pelo presidente Barack Obama com a ideia de proteger a população do Talebã, enquanto tentava reintegrar os insurgentes à sociedade.

O plano de Obama também incluía treinar o Exército afegão e prepará-lo para a retirada gradual das tropas americanas e a transferência de responsabilidade para as forças afegãs.

A estratégia teve pouco êxito, com um grande número de ataques do Talebã contra civis, policiais e militares afegãos, mal preparados para resistir.

Mais de 800 mil militares dos EUA serviram no Afeganistão — mais de 2,3 mil morreram e cerca de 20 mil ficaram feridos.

Mas foram os afegãos que sofreram o maior impacto. Foram registradas mais de 60 mil mortes nas forças de segurança e quase o dobro de civis.

Em termos econômicos, a fatura para o contribuinte americano chega perto de US$ 1 trilhão (aproximadamente R$ 5,2 trilhões), apontam estimativas.

Depois de sofrer milhares de baixas no conflito e do reconhecimento de que o Talebã era uma força enraizada no Afeganistão, os Estados Unidos assinaram um acordo de paz com o grupo fundamentalista islâmico em fevereiro de 2020, em Doha.

O compromisso do então presidente Donald Trump era retirar todas as tropas num período de 14 meses, enquanto o Talebã garantiria não permitir que a Al-Qaeda ou outros grupos extremistas operassem em seus territórios e que dialogaria com o governo do Afeganistão.

A história se repete?

Agora, com o novo ocupante da Casa Branca, Joe Biden, há pouco mais de seis meses no poder, a retirada dos militares americanos e de seus aliados deixou o governo afegão sem apoio para impedir a retomada da capital Cabul pelas forças do Talebã.

As cenas de caos vistas há 46 anos em Saigon se repetem na capital afegã. Milhares de afegãos chegaram ao aeroporto tentando fugir.

O Pentágono informou em comunicado que suas tropas continuam a controlar o aeroporto.

Soldados americanos que foram enviados recentemente para ajudar na retirada de seus cidadãos teriam atirado para o ar para dispersar a multidão.

Biden havia garantido que não seriam vistos helicópteros retirando os funcionários da embaixada dos Estados Unidos, mas foi o que se viu — e o líder da minoria republicana na Câmara, Steve Calise, foi rápido em apontar isso.

"Este é o momento Saigon do presidente Biden e, infelizmente, era muito previsível", declarou.

O secretário de Estado, Anthony Blinken, tentou atenuar a cena afirmando que "não é Saigon" e insistindo que a rápida retirada das tropas foi resultado do prazo de 1º de maio definido pelo acordo assinado pelo governo Trump em 2020.

Blinken sugeriu que a alternativa teria sido uma guerra em grande escala contra o Talebã para impedi-los de tomar grandes territórios no país.

Por outro lado, Champa Patel, diretora do programa Ásia-Pacífico do centro de estudos Chatham House em Londres, afirma que o foco agora deveria estar nos civis afegãos — e não no que pode representar politicamente para uma potência estrangeira.

"O que é urgentemente necessário agora é garantir a proteção do povo afegão. Os Estados deveriam concentrar suas mentes em facilitar vistos, dar segurança para o povo, fornecer assistência humanitária no país e buscar uma solução política pacífica", afirmou em comunicado.