A reação do Canadá que pôs fim a protesto contra passaportes de vacinas
Uma ação policial pôs fim ao bloqueio de uma ponte na cidade de Windsor, na província canadense de Ontário, e reabriu a passagem ao tráfego na noite de ontem. O protesto no local se encerrou depois de seis dias, mas as manifestações na capital do país, Ottawa, ainda permanecem fortes. Mas até onde vai o movimento contra o passaporte vacinal no Canadá?
Foi o momento que os manifestantes temiam. "Eu esperava que não terminasse assim, esperava que a polícia nos permitisse continuar a protestar pacificamente", disse o manifestante Tyler Kok à BBC, ao deixar o local.
Os policiais chegaram na manhã de domingo, vestidos com toucas ninja e carregando rifles, de prontidão para retirar os últimos manifestantes que bloqueavam as estradas que levam à ponte Ambassador, que liga Windsor a Detroit, nos EUA.
O impasse que durava uma semana estava prestes a terminar. Cerca de 100 veículos ficaram estacionados ao longo de um trecho de 2 km da pista.
Havia picapes, utilitários esportivos e até uma caminhonete de pet shop, enfeitados com bandeiras canadenses, frases contra a vacinação e o premiê canadense Justin Trudeau, além de contar com caminhões comerciais de carga pesada.
Os manifestantes eram uma mistura de cristãos evangélicos, mães contra o uso de máscaras, grupos antivacina e moradores da região contrários a bloqueios e passaportes vacinais.
O Freedom Convoy (Comboio da Liberdade), como é chamado, começou como um protesto contra a obrigação de um comprovante de vacinação contra a covid por caminhoneiros que cruzassem a fronteira EUA-Canadá.
Mas o grupo não é formado só por motoristas - são unidos pela desconfiança em relação às vacinas, pela visão de que a exigência do governo canadense é um abuso de autoridade e pela oposição ao primeiro-ministro.
Bloqueios pelos mesmos motivos surgiram em outros pontos da fronteira canadense - quatro pessoas foram presas em uma manifestação na Colúmbia Britânica no domingo.
Mas o maior bloqueio, em Windsor, acabou. Ainda restam dois acampamentos localizados a cerca de um quilômetro, na única estrada que leva à ponte. Os manifestantes ergueram barricadas feitas de cimento e cercaram todos os lados.
A polícia de Windsor disse que preferiu priorizar uma operação com mais segurança em vez de usar a força para acelerar o fim do impasse.
Uma liminar ordenada pela justiça canadense entrou em vigor já na sexta-feira, mas a polícia esperou mais de 36 horas. Havia muitas crianças entre os manifestantes.
"Acho que isso é algo que diz respeito aos canadenses como sociedade", afirmou o sargento Steve Betteridge à BBC.
A polícia prendeu mais de 10 pessoas no local, mas a maioria dos manifestantes deixou voluntariamente a área e seguiu para casa. Claramente em menor número, eles buzinaram em protesto na volta - o som de um bloqueio que durou muito mais do que havia sido previsto.
O Canadá tem uma taxa de vacinação de 90%, muito superior aos EUA, e em muitas partes do país é preciso apresentar comprovante de vacinação para acessar bares, academias e restaurantes.
O país registrou 36 mil mortes em uma população de 38,5 milhões. Houve um novo pico no número de óbitos no fim de janeiro.
Situação diferente na capital
A cerca de 750 km da ponte Ambassador, os manifestantes que ocupavam pontos da capital do país não mostravam sinais de que iam ceder.
Foi noticiado que autoridades de Ottawa fecharam um acordo para deslocar os caminhões para fora das áreas residenciais, mas os líderes do protesto negaram que isso tenha acontecido.
Enquanto o ato em Windsor estava limitado a uma estrada, o protesto de Ottawa tomou o centro da cidade, com milhares de pessoas com bandeiras canadenses nas ruas.
Churrascos eram preparados na rua e a comida era distribuída a quem estava na área, enquanto outros jogavam hóquei na rua ao som de música eletrônica, buzinaços e gritos de "liberdade".
"Este não é um movimento contra a vacina. É um movimento pela liberdade, por escolha", declarou Justin Smith, ao lado de sua esposa Brandy Lawrence, na noite de sábado. Ambos usavam bandeiras canadenses como capas.
"Esta nação está no meu coração, você não acredita como eu amo o Canadá", disse Smith.
"Quero que meus filhos entrem em uma loja e vejam um sorriso no rosto de alguém. Essa é a coisa mais triste", disse Lawrence. O casal tem cinco filhos, de seis a 16 anos.
Esta não foi a primeira vez deles na "zona vermelha" de Ottawa - eles vieram apoiar o comboio em seu primeiro fim de semana e dirigiram cinco horas a partir da casa deles no sul da província de Ontário.
"Farei tudo o que puder para apoiar essas pessoas", diz Smith.
Barulho proibido
Há presença policial no protesto - mas ela permanece mais à margem.
Uma ordem judicial silenciou os buzinaços dos caminhões, um respiro para os moradores da região central da capital.
Outros, fartos do barulho e da perturbação, disseram que a polícia poderia ter feito mais. Algumas empresas - incluindo um grande shopping center - fecharam suas portas ou viram uma queda no movimento.
Embora muitos dos manifestantes tenham sido pacíficos, moradores disseram à BBC que foram alvo por causa do uso de máscaras e registraram problemas para ir e voltar do trabalho.
Mas Marika Morris sustenta que "não aterrorizamos e confrontamos pessoas usando máscaras ou invadimos empresas para assediar e intimidar os funcionários".
"Não é o que fazemos para expressar nossas opiniões políticas", complementa.
Enquanto o protesto de Ottawa foi marcado por alterar e atrapalhar a rotina dos moradores, o ato em Windsor teve um impacto econômico, ao fechar uma das principais artérias comerciais do país, a ligação com a cidade norte-americana de Detroit.
Mais de US$ 323 milhões (R$ 1,7 bilhão) em mercadorias cruzam essa ponte todos os dias e, durante uma semana, tudo ficou no zero.
Quase metade disso é do comércio de autopeças, diz Flavio Volpe, presidente da Associação dos Fabricantes de Peças Automotivas.
Ele faz críticas aos manifestantes: "Em Windsor, temos no núcleo do protesto diversos analfabetos em macroeconomia e totalmente desrespeitosos com sua própria comunidade, a ponto de colocar em risco a economia da região para expressar uma opinião", disse ele.
"Nunca uma birra custou tanto a tantas pessoas."
Segundo a imprensa canadense, a ponte Ambassador foi reaberta nesta segunda sob esquema de segurança.
Mas Volpe disse que os prejuízos à indústria de autopeças durarão muito mais do que isso. Segundo ele, serão necessários de três a quatro dias para que a cadeia logística retome a normalidade. O custo total da perda de produção e remessas é estimado em cerca de 1 bilhão de dólares canadenses (US$ 790 milhões ou R$ 4 bilhões).
O representante da indústria também declarou que a paralisação das atividades prejudicou a reputação do Canadá como parceiro comercial dos EUA, principalmente porque há demandas políticas por mais protecionismo e menos comércio bilateral.
Em um comunicado, a polícia de Windsor disse que haverá "tolerância zero" para qualquer atividade ilegal. Mas ainda há dúvidas de como impedirão novos bloqueios sem que o fluxo comercial seja interrompido.
O sargento Betteridge afirmou esperar que os manifestantes se convençam de que tiveram sua mensagem ouvida. "Eles queriam transmitir uma mensagem, e acho que eles conseguiram transmiti-la", disse ele. "Se alguém está pensando em infringir a lei, eles viram o que aconteceu aqui."
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